Em uma cidade que parece passar perpetuamente por transformação
cultural e política, há certas partes da vida que parecem constantes,
como a paralisia no Capitólio, o surgimento ocasional de um filhote de
panda e a previsível imprevisibilidade do metrô de Washington.
E agora há os cantos constantes das pessoas que protestam.
Passadas apenas semanas do governo do presidente Donald Trump, muitos
moradores desta área altamente democrata que antes participavam de algum
protesto ocasional agora adotaram a resistência ao governo Trump como
estilo de vida. Eles vão a marchas nos fins de semana, organizam amigos
após o trabalho ou se reúnem para envio de lotes de cartões postais à
Casa Branca.
"Eu notei que está se tornando cada vez mais um
tipo de evento social", disse Denisha Jones, uma professora assistente
de pedagogia da Universidade Trinity Washington, que participou de
vários protestos desde o dia da posse. "Pessoas com as quais normalmente
saio para um brunch agora vão a protestos."
"Protestar é o
novo brunch" soa com um slogan de camiseta e, graças a internet, de fato
é. Mas também é uma frase trocada entre amigos em bares, no trabalho ou
na volta para casa após mais outro protesto. "Vejo vocês no próximo fim
de semana", dizem as pessoas.
Às vezes ocorre mais cedo que
isso. Os protestos organizados contra Trump podem reunir centenas em um
instante: quando o governo emitiu sua primeira versão da proibição de
entrada no país de pessoas de sete países de maioria muçulmana, disse
Jones, "no dia seguinte estávamos todos na Casa Branca".
Nicholas Kamm/AFP
Manifestantes batem num Donald Trump de papelão durante protesto em Washington
Os protestos também estão proliferando, com mais esperados à medida que
o clima esquentar. Mike Litterst, um porta-voz do Serviço Nacional de
Parques, disse que a agência recebeu 200 pedidos desde o início do ano
para manifestações em parques em Washington, incluindo o Passeio
Nacional. Ocorreram cerca de 50 durante o mesmo período no ano passado.
(O número deste ano inclui os numerosos protestos no momento da posse.)
Outro sinal de um aumento é a multidão na Igreja Unitária de Todas as
Almas, uma igreja de Washington onde fé e justiça social há muito andam
de mãos dadas. Cada culto dominical tem atraído cerca de 200 pessoas a
mais do que antes da eleição, disse o reverendo dr. Robert M. Hardies, o
ministro sênior da igreja. As 2.400 pessoas presentes no
primeiro culto após a Marcha das Mulheres em Washington, em 21 de
janeiro, estabeleceram um recorde.
Brendan Smialowski/AFP
Multidão protesta no dia das nações indígenas e contra construção de oleoduto, em Washington
"Você chega a um aeroporto e se sente entre os seus", disse Hardies,
referindo-se aos protestos contra a proibição de viagem do governo
Trump. "Você vem à igreja e está entre os seus."
Agora há
tantas manifestações de fim de semana entre as quais escolher que as
pessoas que desejam participar estão ficando sem tempo nos fins de
semana. Assim, ficam procurando como arrumar tempo para um protesto nos
dias úteis. Durante o recente protesto Um Dia Sem uma Mulher,
Wajiha Rais, uma advogada de 25 anos, usou sua hora do almoço para
participar. Ela pegou um cartaz dizendo "Mantenha suas mãos minúsculas
longe do meu útero" e ficou na Praça Lafayette, ao lado da Casa Branca,
ao lado de mulheres que tiraram o dia de folga.
"Parece haver
algo acontecendo todo dia e quero contribuir", disse Rais. "Parece que o
país regrediu um bocado com nosso novo presidente."
Outra
manifestação na semana passada, contra a versão revisada da proibição
por Trump de entrada no país, foi realizada às 8h da manhã na sede da
Agência de Fiscalização de Alfândega e Proteção de Fronteiras e terminou
uma hora depois.
Leah Muskin-Pierret, 22 anos, que descreveu
seu trabalho como advocacia de políticas para o Oriente Médio, participa
com frequência dos protestos. Ela disse que notou novatos dispostos a
participar, mesmo quando as manifestações acabam rapidamente.
"Com certeza acho que mais pessoas estão participando", disse
Muskin-Pierret. "As pessoas sentem uma nova obrigação de se erguerem em
defesa do que acreditam."
Brendan Smialowski/AFP
Manifestantes contrários ao oleoduto Dakota Access protestam em Washington
Protestar sempre foi uma forma de as pessoas encontrarem uma comunidade
e celebrarem sua causa, segundo Rachel L. Einwohner, uma professora da
Universidade Purdue que estuda a sociologia dos protestos.
Einwohner disse que a recente popularização do termo "a resistência"
pelos liberais tem muito a ver com quão facilmente ela se misturou à
cultura popular moderna. A predominância de cartazes com a Princesa Leia
na Marcha das Mulheres é um exemplo, ela disse.
O conceito de
resistência também é uma ideia mais acessível para pessoas que não podem
participar de uma grande marcha ou viajar para uma manifestação.
Atualmente, ela disse, resistência pode ser tão simples quanto deletar o aplicativo do Uber.
"A palavra 'protesto' costuma ter má reputação", disse Einwohner. "'Resistência' também é um pouco mais aceitável e segura."
Outras pessoas estão encontrando pequenos modos de permanecerem ativas, misturando ativismo social com atividades sociais.
Megan McPeak Davis, uma psicóloga de escola, disse que se sentiu
motivada a começar a organizar sua rede de amigos e conhecidos horas
após voltar para casa da Marcha das Mulheres em Washington.
Ela
criou um grupo privado no Facebook (Mulheres Desagradáveis Fazem Planos)
e, seguindo uma orientação dada pelos organizadores da marcha, convidou
um grupo de amigos para uma reunião para decidirem o que fazer a
seguir. Para ela, é uma versão mais séria de um clube de leitura.
"Não tenho muito tempo disponível para socialização", disse McPeak
Davis, 37 anos, mãe de dois. "Estou em uma posição em que se puder ser
social e ativa ao mesmo tempo, são dois coelhos com uma cajadada."
Também não é incomum o surgimento de amizade e um romance ocasional.
Brendan Orsinger, um ativista de 35 anos, disse que conheceu um
interesse romântico no ano passado, após ambos terem sido detidos e
algemados por desobediência civil no Capitólio.
"Nós acabamos namorando", ele disse.
Mas o romance não durou. Orsinger conheceu outra pessoa, em outro protesto.
Tradutor: George El Khouri Andolfato
Protestar contra Trump
virou um estilo de vida em Washington
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The New York Times Katie Rogers
Em Washington (EUA)
16/03/201704h00
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