Em entrevista sobre o programa Future-se, do MEC, reitor diz ver ameaça de privatização das universidades
O
reitor da Universidade Federal do Ceará, Prof. Henry Campos, e o
pró-reitor de Planejamento e Administração da UFC, Prof. Almir
Bittencourt, concederam entrevista coletiva à imprensa, na manhã desta
sexta-feira (19), para se manifestar sobre pontos relacionados ao
programa Future-se, apresentado pelo Ministério da Educação (MEC) na
última quarta-feira (17).
Na ocasião, o reitor disse enxergar
risco de diminuição da responsabilidade do Estado com o ensino superior
público e ameaça de privatização das instituições. Ele também demonstrou
preocupação quanto à falta de detalhamento sobre a operacionalização de
pontos do programa e criticou o prazo de apenas quatro semanas,
estipulado pelo MEC, para que a sociedade possa responder à consulta
pública sobre o Future-se.
Além disso, apontou lacunas: "O plano
não acena, em momento algum, para o descontingenciamento de recursos ou
para a suspensão do corte de verbas do orçamento da Educação, nem para o
cumprimento da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), e nem para o
Plano Nacional de Educação (PNE). Não há nada no texto, por exemplo, que
aponte para a expansão do ensino superior, que é uma das metas do PNE",
criticou o reitor.
RECURSOS PRIVADOS – Um dos primeiros
pontos discutidos na entrevista diz respeito ao incentivo à captação de
recursos privados na área de pesquisa e inovação. Segundo o Prof. Henry
Campos, a Universidade não é contra as parcerias público-privadas, e
encara como positiva a interlocução entre as instituições e empresas de
diversos segmentos. Entretanto, ponderou que essa não pode ser a
principal via de financiamento da ciência e que não se deve submeter as
universidades a interesses e oscilações do mercado.
"O que vemos é
a diminuição da responsabilidade do Estado com o orçamento da Educação,
que aponta para um cenário de diminuição de recursos públicos e força
as instituições a fazer captação de financiamento privado. Nada contra a
captação com entes privados. Temos inúmeras parcerias. Mas isso não
pode ser uma coisa impositiva, e nem a única maneira de financiamento
das universidades", avaliou o reitor.
Na avaliação do Prof. Henry
Campos, há, ainda, risco de subfinanciamento de pesquisas na área de
ciências humanas e sociais. "Quando você faz esse direcionamento, você
subordina toda a produção de ciência e tecnologia e de projetos de
ciência e inovação a interesses privados, em detrimento de interesses
públicos. Quem vai se interessar em financiar uma pesquisa sobre a
pobreza, a marginalidade, a violência, o preconceito contra negros,
contra a população LGBT? Existe um risco de que as áreas de ciências
humanas e sociais sejam desprezadas. Passa-se a ter uma visão
utilitarista da pesquisa e do desenvolvimento tecnológico", afirmou.
ORGANIZAÇÕES SOCIAIS E FUNDO
– Outra preocupação apresentada pelo reitor diz respeito ao
estabelecimento, previsto no programa Future-se, de Organizações Sociais
(OS) com a função de gerenciar recursos e contratos das universidades.
"Não há detalhamento de como seriam criadas essas OS. E parece claro que
isso vai levar a uma interferência na gestão financeira e na gestão de
pessoal das instituições. [O programa aponta que] fica subordinada a
essa política toda a pesquisa, o ensino e a extensão. Então, como fica a
autonomia universitária?", questionou o reitor.
De acordo com o
Prof. Henry Campos, o MEC aponta a necessidade de livrar as
universidades das "amarras" de leis como a Lei nº 8.666 (lei das
licitações) e a Lei nº 8.112 (lei que estabelece o regime jurídico único
do servidor público). O reitor reconheceu haver críticas à legislação,
mas ponderou que há alternativas de aperfeiçoamento das normas.
"A
impressão é que [o programa] propõe a criação de outro regime de
trabalho, com professores contratados de maneira diferente [à do
concurso público], e isso é extremamente preocupante. Você teria duas
populações docentes diferentes? Aquelas leis citadas, a gente tem
críticas, mas elas podem ser melhoradas. Queremos discutir, queremos
melhorar", explicou.
O programa Future-se menciona, ainda, a
criação de um fundo com dotação orçamentária inicial de R$ 102,6
bilhões, sendo R$ 50 bilhões oriundos dos recursos orçamentários das
universidades, e o restante oriundo de fontes diversas, como alienação
de bens das universidades, parcerias público-privadas e fundos
constitucionais. A preocupação exposta pelo pró-reitor de Planejamento e
Administração, Prof. Almir Bittencourt, é que tais fontes são reguladas
por legislações específicas, não podendo ter suas finalidades
desvirtuadas sem discussão e aprovação do Congresso Nacional.
"Outra
questão é: esse fundo vai substituir a responsabilidade do MEC com a
educação superior? Esse fundo vai tirar acesso das universidades ao seu
orçamento? E como tratar de forma igual universidades que têm fatos
históricos diferentes, patrimônios distintos? Isso não está claro",
completou Bittencourt.
DEBATER PRESENTE E FUTURO – Os
gestores da UFC também destacaram que há necessidade de discussão do
atual momento das universidades. "A primeira coisa que precisa ser feita
é a restituição de nosso orçamento", afirmou o reitor, em referência ao
bloqueio de verbas anunciado em maio pelo Governo Federal. No caso da
UFC, 38% da verba para custeio foi contingenciada, totalizando bloqueios da ordem de R$ 42,7 milhões. Em relação às verbas de capital, destinada a investimentos, o bloqueio foi de 30%, com valor equivalente a R$ 2,29 milhões.
Além
disso, o Prof. Henry Campos afirmou que os reitores irão lutar para que
o prazo para discussão do programa Future-se seja ampliado, para que as
universidades possam debater com suas comunidades antes de se
manifestarem na consulta pública. "É a vida das universidades que está
em jogo. E nossa dificuldade é que, no projeto apresentado, há
explanações gerais. Tudo é muito vago, apontando que posteriormente
serão definidos mecanismos. Por que não apresentá-los logo?",
questionou.
Reitor e pró-reitor destacaram o papel da Associação
Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior
(ANDIFES) na discussão do programa e também afirmaram que farão
articulações com a bancada cearense no Congresso Nacional.
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