Opinião


Reinaldo Azevedo

Bolsonaro é pesadelo para verdadeiros liberais e bênção para as esquerdas


Reinaldo Azevedo

 
Não é hora de pedir o impeachment de Jair Bolsonaro, concluíram dirigentes de cinco legendas que se opõem ao governo. Integram o Fórum dos Partidos de Oposição o PT, o PSB, o PCdoB, o PDT e o PSOL. Avaliam ainda, e estão errados neste particular, que o presidente não cometeu crime de responsabilidade. Cometeu, sim! Não um, mas vários. Não vou sugerir que leiam a Constituição e a Lei 1.079 porque certamente eles as conhecem. Estão tomando uma decisão de caráter político. Vou explicar.
Um presidente não cai porque cometeu crime de responsabilidade. Para que seja impichado, é preciso que leve o país à beira do abismo, que a insatisfação popular se espraie e que isso tudo faça com que dois terços dos parlamentares concluam que nada mais há a negociar — falo de negociação política — com o presidente. Aí já era. Como aconteceu com Collor e com Dilma. O crime de responsabilidade é só a licença jurídica a dar algum conforto moral aos que depõem o chefe do Executivo. O processo, longo e traumático, é, em essência, político. Uma renúncia seria o caminho mais curto e mais confortável ao país. Mas nem disso o PT gostaria.
CRIMES DE RESPONSABILIDADE E IMPEACHMENTSim, se eu fosse um dirigente de partido de oposição, diria exatamente o que disseram os cinco comandantes daquelas legendas: ainda não é hora! E também tentaria fingir que Bolsonaro não quebrou o decoro, não praticou hostilidade contra governo de outro país, não atentou contra o livre exercício dos Poderes quando mandou comemorar golpe de Estado e não o fez de novo ao endossar um documento que trata Congresso e STF como empecilhos para que se alcance o bem da nação.
Ocorre que, a despeito do crescente descontentamento com o governo, o presidente ainda tem o apoio de parcelas importantes da sociedade. Mais relevante do que isso para o caso em questão: inexistem dois terços da Câmara e do Senado que endossariam o seu impedimento. O requerimento nem mesmo sairia das mãos de Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara. Ele o arquivaria no lixo.
Não faltam crimes de responsabilidade a Bolsonaro, pois. Faltam condições objetivas para derrubá-lo. Aliás, aquele a que chamam "Mito" pode não ser um leitor dedicado de política, mas tem ao menos sabedoria intuitiva o suficiente para torcer intimamente para que o PT, a maior legenda das oposições, abraçasse um "Fora, Bolsonaro" e desse início a uma campanha em favor do impeachment. Seria o mesmo que reacender a velha chama das hostes bolsonaristas, que estão em declínio. Além de unir o arco ampliado que ajudou a elegê-lo, hoje dividido. O capitão, como sabemos, desperta paixões. E aqueles que eram aliados até anteontem estão por aí a trocar sopapos. Até dentro do próprio PSL.
Como se dizia no tempo daquilo que os imbecis chamam hoje "velha política" — a propósito: Maquiavel entra nessa categoria? —, um oposicionista razoável reconhece que se está na fase do chamado "acúmulo de forças". É mesmo? "E por que você, Reinaldo, é tão crítico ao governo?" Ora, justamente porque não sou militante de oposição. Sou apenas jornalista. Eu não preciso fazer das minhas críticas um instrumento tático ou estratégico para derrubar o governo ou para voltar ao poder. A propósito: não bato nas besteiras oriundas do Planalto para tentar tirar Bolsonaro de lá. E que se note: não há crítica minha que seja dura o suficiente para provocar em seu governo o estrago que ele próprio provoca.
NADA DE "FORA, BOLSONARO!"E, por óbvio, isso as oposições perceberam também. Observem que, até agora, não criaram constrangimento nenhum ao presidente. Todas as dificuldades enfrentadas pelo governo decorrem da guerra interna, das facções que se engalfinham disputando um lugar no aparelho do Estado e da absoluta inapetência e incompetência do líder para governar. Assim, pergunte-se e se responda a um só tempo: falar em impeachment para quê? Gritar "Fora Bolsonaro" por quê? A decisão é inteligente.
No próximo dia 30, está marcada uma nova manifestação de protesto, cujo núcleo é a defesa da educação. É claro que a oposição à esquerda teve presença maciça nos atos havidos no dia 15 Brasil afora. Mas lá também estavam pessoas apenas à esquerda do bolsonarismo, não de esquerda. Note-se que, dada essa geografia, até o Espírito Santo pode ser convocado. Imaginem o que seria estar à direita de Bolsonaro… Os partidos de oposição, o PT em particular, tiveram a sabedoria política — vamos ver se será mantida — de não aparelhar os protestos. Os grupos de direita não se surpreenderam menos do que os organizadores com a adesão. Até porque convocado em cima da hora. Se eu fosse um militante de oposição estaria, agora, torcendo para que as ruas começassem a protestar também contra a reforma da Previdência. Mas não para impedi-la, que fique claro. Apenas para que ela fosse jogada no colo de Bolsonaro.
PT ADOTA TÁTICA ESPERTADo PT, parte uma outra orientação que demonstra inteligência tática — tendendo a estratégica: não transformar o protesto em palco do "Lula Livre". Bolsonaro reagiu com a brutalidade habitual àqueles que foram às ruas contra ações do seu governo — "idiotas úteis" e "imbecis" —, mas ficou assustado. Tanto é assim que logo deu um jeito de acionar o seu "kit conspiração" para, então, incentivar o "protesto a favor".
Os petistas fazem ainda outra consideração: lembram que a queda de Bolsonaro levaria Hamilton Mourão para a Presidência. Bem, assim é por força do Artigo 79 da Constituição, não é mesmo? Mas aqui é preciso ir um pouco além do truísmo e do óbvio: sendo a legenda oposição a ambos e ficando claro, então, que prefere um Bolsonaro a desmilinguir-se à ascensão de Mourão, isso parece expressar um juízo de valor sobre um e sobre outro. A permanência do "Mito" no poder talvez seja mais útil à visão de médio e longo prazos da legenda — que, por certo, quer voltar ao poder, o que é legitimo da democracia. É claro que escrevo atentando para a ironia da coisa: Bolsonaro é muito mais aliado objetivo das esquerdas do que Mourão. Pergunte a seus botões e responda: quem pode provocar mais desastres?
Vai uma frase que parece de efeito, mas que pede reflexão: para um liberal de verdade, Bolsonaro é um pesadelo, que só serve para açular a estupidez dos reacionários. Para as esquerdas, tão desgastadas por 13 anos de poder, ele é o presidente dos sonhos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário