A NOSSA DANÇA DO PASSINHO
MARLI GONÇALVES
Ora,
como assim, você não percebeu que estamos todos numa pista dando
cambalhotas, rodando no chão, pulando alto, passinho pra frente, dois
pra trás, voleios e malabarismos? Que de passinho em passinho
continuamos embalados ao ritmo de uma dancinha que por vezes chega até a
ser bem macabra, toda desconjuntada?
É assim: quando a gente acha que está indo, não vai, volta. Escuta que a inflação está controlada e vai péquipéquipéqui
(som dos passos) ao mercado ou na feira e pula a cada produto que vai
verificar o preço. Aquele da semana passada aumentou, e sempre haverá um
álibi que darão para explicar, a safra, o tempo, o transporte e agora
até o perigo do roubo de cargas, contratação de seguranças. Tudo é a
gente que paga, porque somos legais e não queremos que ninguém mais
tenha prejuízo, não é mesmo?
Aí
saltitamos correndo para procurar alguma seção de ofertas que
ultimamente até que estamos tendo colher de chá com produtos quase
vencidos. Os cotovelos se movem para tirar as outras pessoas do caminho e
tentar resgatar algo para levar para casa. Senão, dançamos miudinho.
Mais ainda.
Rebolamos.
Rebolamos para driblar os boletos malditos que – incrível – conseguem
sempre atravessar ruas, avenidas e cidades para chegar em dia, naquela
coreografia que acompanha o som do papel entrando debaixo da porta, ou
na caixa de Correios, que pra isso funciona que é uma beleza. Já os
pagamentos, os depósitos no banco, as transferências, o atendimento às
nossas urgências, esses chegam ao ritmo de valsa, pura valsa. Rodam,
rodam até a gente ficar tonto e parar de importuná-los.
Sabemos
onde o sapato aperta. Mas não conseguimos tirar as unhas encravadas que
estão doendo tanto enquanto estão no poder. Batemos palmas para alertar
aos amigos sobre os erros que incorrem em acreditar nos cantores
boquirrotos do mal, que querem repetir a tragédia desoladora que já
vivemos anos atrás. Ou melhor, que, grande maioria desinformados, pensam
em entrar numa roda de dança perigosa, como se brincadeira fosse jogar o
destino nas mãos de péssimos coreógrafos. Alguns, no momento, até com
os seus passos totalmente bloqueados ou vigiados.
Como
se precisasse, ou se ainda havia os que duvidavam, agora surgem
documentos que provam para o mundo o horror que durante 21 anos acabou
com a nossa alegria e espontaneidade, levando muitos de nossos
competidores, fazendo-os desaparecem como num passe de mágica errado,
que mata o coelho e a pombinha branca. Nada, no entanto, que ainda
impeça uma besta fera que tira a e veste farda a seu bel-prazer de dizer
que isso tudo foi apenas um “tapa no bumbum”. E o outro de verdinho que
diz que foi tudo mentira. Eles têm de dançar um dia, e para fora de
nossos salões.
Precisamos
afinar nossas violas e aprender com os repentes a elaborar improvisos
cantados nas violas que nos motivem a dançar mais juntos. Com os pés no
chão. Conscientes que nossa criatividade pode ser um grande sucesso e
que o tempo urge que nos apressemos nos acordes dessa ciranda.
Na nossa dancinha misturaremos os ritmos, para evitar marchas que até agora só mancharam nossa história.
Será
hora de combatermos certo nacionalismo bobo que tenta se infiltrar,
espalhando a nossa bandeira como se ela fosse enfeite em avenidas,
pontes, viadutos. E agora usada numa versão oficial de propaganda de
governo que é de doer profundamente: Ordem é Progresso.
É o quê? Que ordem? Quem é que ordena e quem é que ordenará nossos
passos? A que custo? O que é essa ordem? Como se fôssemos carneirinhos
alinhados lado a lado, quando tudo o que queremos é saltar nos sonhos de
todos.
Marli Gonçalves, jornalista – Acostumada a dançar conforme a música. Implorando que ela seja boa de ouvir e seguir.
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