Está na Folha
- Entrevista
Da 2ª
- Supremo não permitirá violência contra Lula, afirma Gleisi”
- - A
presidente do PT, Gleisi Hoffmann, acusa os desembargadores do TRF-4
(Tribunal Regional Federal da 4ª Região) de combinarem votos e de
condenarem Lula "sem provas e sem crime". Diz que o país vive um
processo de "ruptura constitucional" e que é preciso haver
"enfrentamento". Questionada se o PT inscreve Lula como candidato mesmo
que ele esteja preso, diz: "Em qualquer circunstância Lula é a nossa
liderança e o nosso candidato."
- Folha
- Antes da condenação de Lula, a senhora usou a expressão "vai ter que
matar gente" caso ele fosse preso. Agora a detenção pode ser efetivada. O
que deve acontecer?
- Gleisi
Hoffmann - Nós ainda temos recursos judiciais para apresentar tanto ao
STJ [Superior Tribunal de Justiça] quanto ao STF [Supremo Tribunal
Federal]. Não acredito que a corte suprema vai deixar acontecer uma
barbaridade dessas. Seria uma violência não só contra o Lula, mas contra
a democracia e o povo brasileiro, pela representatividade que ele tem
no país.
- Mas o argumento da representatividade não pode justificar que ele não seja preso, se a lei prevê essa possibilidade.
- Nós
entendemos que a sentença do TRF-4 [Tribunal Regional Federal da 4ª
Região] é eminentemente política. Não há provas [contra Lula].
Evidências não podem condenar ninguém. O STF vai recolocar as coisas nos
eixos. Nós avaliamos que o tribunal não permitirá essa violência. Esse
processo dá margem a todos os recursos possíveis e imagináveis. Ele tem
problemas de conteúdo, de uma condenação sem prova e sem crime, e
problemas formais que podem gerar nulidade.
- É possível falar que não há provas depois de três desembargadores afirmarem de forma categórica que elas são abundantes?
- Mas quais são as provas?
- Eles
alegam que o apartamento do empreendimento da OAS estava reservado para
Lula e que dona Marisa interferiu na reforma paga pela empreiteira,
entre outros fatos.
- Não
se concretizou a propriedade do imóvel para Lula, que seria o benefício
que ele teria por ter dado benefícios para a construtora na Petrobras.
Então como, que prova é essa? O fato só de ele ter ido [no apartamento],
de ter tido uma opção de compra?
- O PT inscreverá Lula como candidato no TSE [Tribunal Superior Eleitoral] mesmo que ele esteja preso?
- Primeiro
é importante dizer que a candidatura do Lula não se define no âmbito da
Justiça criminal e sim da Justiça Eleitoral. E essa discussão se dará a
partir de 15 de agosto [data em que os partidos têm que inscrever seus
candidatos no TSE]. Até lá vamos trabalhar com o Lula pré-candidato. E
já temos uma agenda de caravanas e seminários para debater plano de
governo. Lula continuará conversando com o povo brasileiro. Já houve
vários casos de candidatos com sentença que continuaram até o final [das
campanhas], se elegeram e foram empossados.
- Mas há chance de inscreverem Lula no TSE mesmo preso?
- Nós
não estamos trabalhando com a hipótese da prisão. Achamos que ela é a
mais violenta possível. [Se ela ocorrer] Teremos um período de grande
instabilidade.
- De que tipo?
- Das
instituições. Como se justifica que você tem um líder popular da
dimensão do Lula, que fez o que fez pelo Brasil, condenado injustamente e
preso? Há reação sobre isso. E ela não é só da militância do PT. É uma
reação nacional e internacional também.
- Mas e se ela ocorrer?
- Em qualquer circunstância Lula é a nossa liderança e o nosso candidato.
- Será inscrito preso?
- Você
quer essa manchete: "Lula é candidato mesmo preso". Eu não gosto de
trabalhar com hipóteses porque tudo pode acontecer. Ele pode não ser
[preso]. Eu sei que estão trabalhando e querem que ele seja [preso]
porque, para quem tem o poder, não basta vencer o adversário. Tem que
constranger e humilhar. Isso que fizeram do passaporte do Lula [que foi
retido, impossibilitando que ele viajasse ao exterior] é injustificável.
O juiz [Ricardo Leite, da 10ª Vara da Justiça Federal do Distrito
Federal] que fez isso é um desqualificado. Responde até a processo
movido pelo Ministério Público. E se mete num caso que não tem nada a
ver com ele para ganhar cinco minutos de fama. O juiz disse que o
ex-presidente poderia tentar fixar domicílio em outro país.
- É
ridículo. O Lula é brasileiro, jamais fugiu à luta ou de qualquer
enfrentamento. Aí proíbe o Lula de viajar, de ir para a Etiópia discutir
a fome, mostrar o que fez no Brasil. Agora, ao [Michel] Temer é
permitido ir à Suíça se encontrar com os ricos e banqueiros.
- Ele não está condenado.
- Não
está condenado injustamente. E o Lula está condenado injustamente. Não
tem assessor do Lula correndo com mala de dinheiro nas ruas
[referindo-se ao ex-assessor de Temer Rodrigo Rocha Loures]. O Lula não
foi flagrado em gravação pedindo para manter esquema, como o Temer
[gravado por Joesley Batista, da JBS]. Querem impedir o Lula e deixar
Aécio Neves disputar, Temer disputar.
- A
senhora diz que Lula será inscrito no TSE e mantido até o fim da
campanha. Mas o PT pode se ver na situação de ficar sem candidato se não
substituí-lo até 20 dias antes da eleição, como prevê a lei, e ele
terminar barrado.
- Não
tem como fazermos qualquer avaliação agora. Eu não trabalho com
hipóteses e sim com o concreto. Por isso que a gente reitera e reafirma
que ele é candidato. Você vai construir e fortalecer essa candidatura na
disputa política na sociedade. Essa sentença do TRF-4 é política, sem
prova e sem crime, e está sendo utilizada fartamente para tentar
desestabilizar a candidatura do Lula. Ou seja, há um movimento para que
não se tenha uma candidatura do campo progressista e popular com
viabilidade nas eleições. Para que elas fiquem dentro de um mesmo grupo
programático. Só mudam as carinhas a serem apresentadas à população. Mas
os programas, as diretrizes, vão ser os mesmos, com todo mundo
comprometido com o mercado, com o poder estabelecido, com a retirada dos
direitos, com a entrega da soberania do país.
- Mas e as carinhas de Ciro Gomes, do PDT, e de Manuela D'Ávila, do PC do B?
- Eu
tenho muito respeito por essas candidaturas, mas do ponto de vista de
viabilidade eleitoral, para enfrentar o establishment, a gente acha que
terão muitas dificuldades.
- No caso de substituição de Lula como candidato, Fernando Haddad Jaques Wagner herdariam seus votos?
- Isso
quem coloca são vocês, da mídia. Dentro do PT não existe nenhuma
discussão sobre isso, posso te assegurar. Lula é o nosso candidato.
- Vocês esperavam uma condenação tão dura no TRF-4?
- Eles
aumentaram a pena. Quiseram mostrar que quem manda são eles, o andar de
cima – ainda que esse mandar rompa totalmente com o pacto
constitucional de 1988, que considerava o voto popular a coisa mais
importante da democracia brasileira. O que acontece de efetivamente
democrático nesse país? A cada dois anos o povo é chamado às urnas para
se manifestar. E agora querem retirar esse direito do povo também? É um
pouco demais, né? Lula tem 40% nas pesquisas e querem impedir que as
pessoas manifestem o seu voto. Estamos num processo de ruptura
constitucional. Temos que ter um enfrentamento.
- Lula disse que não respeita a decisão do TRF-4.
- Nós
não respeitamos porque ela é injusta. Não respeitamos no sentido de
usar todos os recursos e instrumentos que temos para derrubá-la. E
conscientizar o povo de que foi uma decisão política. E sob os
holofotes. É um absurdo o TRF-4 ter gasto R$ 14 milhões em publicidade e
comunicação em 2017. Nosso pessoal do jurídico já estuda medidas. O
doutor Thompson Flores [presidente do TRF-4] tem que explicar onde
gastou esse dinheiro. Foi para colocar a carinha dele na mídia? Pela
primeira vez o tribunal fez uma transmissão ao vivo de um julgamento.
Para quê? Para ficar lendo relatório dizendo que tinham provas mesmo sem
ter? Tentando convencer? Ou seja, tinha um direcionamento de
convencimento da opinião pública. Juiz não tem que convencer o público.
Tem que se pautar pela lei. Fizeram uma disputa política Está
absolutamente errado. Eles são suspeitos de terem dado essa sentença.
Eles combinaram o voto sim. E mais: combinaram por uma questão
corporativa, de autodefesa, de não abrir nenhum flanco de ataque, entre
aspas, ao Judiciário. "Vamos enfrentar mesmo que seja ilegal a nossa
decisão". Muito ruim. Muito ruim. Mas eu nunca me iludi com o TRF-4. Eu
já esperava, pelo comportamento do Thompson. Como um juiz pode se
pronunciar fora dos autos num processo que o tribunal dele ia avaliar [o
magistrado deu entrevistas elogiando a sentença do juiz Sergio Moro que
condenava Lula]? A secretária dele fez campanha pela prisão do Lula. E
ele disse que era o exercício de cidadania. Em qualquer país sério do
mundo esse juiz seria afastado. É infame juiz ficar dando declaração. Se
quer aparecer na imprensa, participar do debate político, venha para a
política. É uma boa arena. Mas vai ter que aprender a apanhar. Porque
ficar resguardado pela toga é muito fácil. Espero que as instâncias
superiores corrijam tudo isso porque vai ficar muito feio para o Brasil.
Aliás, já vemos, no mundo, críticas ao TRF-4.
- O
senador Lindbergh Farias (PT-RJ) tem falado "chega de uma esquerda
frouxa, de ter ilusão com o Judiciário". A esquerda foi frouxa?
- Nós
tivemos pouco acúmulo de força e achamos que poderíamos resolver tudo
sem a presença do povo nas ruas. Que trabalhar só com o parlamento e a
via institucional resolveria os problemas. E isso acabou se mostrando,
não sei se um erro total, mas um caminho que não consolidou o projeto de
país pelo qual tanto lutamos. Precisamos ter participação popular,
[acionar] mecanismos de democracia direta já previstos na Constituição,
como referendos e plebiscitos. Quando eu digo que vamos apostar nas
instâncias superiores, eu quero crer que ainda há possibilidade de
resgatar pelo menos esse pacto vigente de uma democracia de baixa
efetividade. Pelo menos. Agora, independentemente disso, vamos estar
mobilizados, todos os dias fazendo manifestações.
- José
Dirceu sempre dizia, na época do mensalão, que Lula e o PT
equivocadamente acreditavam que os problemas judiciais parariam nele e
que, por ser muito popular, nada alcançaria o ex-presidente.
- Nós
subestimamos a capacidade da elite de fazer um golpe por vias
institucionais e pelo afrontamento às regras. Nos iludimos. Acreditamos
numa classe dominante atrasada, escravocrata e que não tem projeto de
nação. A capacidade da classe dominante de ser contra o seu povo, de
rasgar as regras e de reestabelecer modos operantes de poder que a
favoreçam é impressionante. E era o único jeito que ela tinha de
desalojar um governo progressista e popular. Tentavam ganhar havia
quatro eleições. E mesmo agora, no golpe, vão perder.
- Sempre
haverá controvérsias sobre se Lula cometeu crimes ou não. Mas, do ponto
de vista ético, não foi impróprio que ele, por exemplo, frequentasse um
sítio com reformas pagas por empreiteiras?
- Não me cabe julgar nada nem ninguém. É o povo quem diz que Lula foi o melhor presidente do Brasil.
- A expressão "matar gente", usada pela senhora, teve ampla repercussão.
- É
apenas uma força de expressão. E eu fiquei abismada porque esse país
aceita tantas verborragias de violência, como as do [Jair] Bolsonaro, as
do juiz [Marcelo] Bretas, do Rio. O [reitor catarinense Luiz Carlos]
Cancellier se suicidou. Não vi nenhum desses analistas de jornais que
quase me trucidaram falar nada. É engraçado, né? A eles, tudo é
permitido. A nós, nada. Então a gente não tem o direito nem de levantar a
voz para protestar? Mas nós vamos levantar. E vamos fazer muito
protesto.
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