Está dificil o povo se acostumar

Vítimas têm amparo limitado em Fortaleza

No último mês, um casal de duas mulheres ouviu provocações e comentários homofóbicos em uma loja do Extra, em Fortaleza. Ao tentar procurar amparo nos funcionários do estabelecimento, estes debocharam das mulheres e não prestaram auxílio. O caso, que já foi encaminhado para a Defensoria Pública do Estado do Ceará (DPE-CE), é um de vários casos semelhantes em Fortaleza.
A professora Tanara Sucupira estava no caixa do supermercado com a namorada e as duas trocaram um selinho, sendo então recebidas por um comentário de outro cliente ao lado: “É o fim do mundo, mesmo. O mundo tá cheio de viado e sapatão”. Ao responder o homem, os dois começaram a discutir, com o cliente tendo chegado a ameaçar as duas verbalmente.
Tanara relatou que, em meio ao acontecido, os funcionários do Extra balançavam a cabeça em concordância com o agressor e riam do casal. Ao pedir ajuda a um dos seguranças, ela o ouviu comentar com outro “É muita sem-vergonhice mesmo”. A resposta que ela recebeu foi “o Extra não vai fazer nada, você foi ofendida e não o Extra. A gente não pode fazer nada por você.”
O caso teve repercussão nas redes sociais, com diversos usuários tendo se manifestado sobre o acontecido na página da empresa no Facebook, cuja avaliação chegou a atingir 1,4 estrelas de 5 apenas dois dias após o relato. Tanara procurou a Defensoria Pública para acompanhar o acontecido, já tendo sido marcada uma audiência extrajudicial entre ela e o Extra.
Eliton Menezes, defensor do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas, responsável por esse acompanhamento, conta que há opção de indenização por danos morais e materiais. Ele conta que nesse caso há a particularidade de a agressão não ter sido feita de modo direto pela empresa, e sim por outro cliente, mas ainda assim há responsabilidade por parte da rede de hipermercados por ter havido omissão frente à violação sofrida.
Homofobia
Acontecimentos como esse não são raros em Fortaleza, mesmo que nem todos sejam publicizados de tal forma. É o que conta Dário Bezerra, coordenador de políticas e projetos sociais do Grupo de Resistência Asa Branca (Grab). “Todo dia a população LGBT sobre por casos do tipo e acontecem em todos os setores dessa população: gays, lésbicas, travestis, transexuais…”

Conforme Eliton, os tipos de casos mais recorrentes hoje no Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria são os relacionados a discriminação por racismo, credo religioso e os relacionados a questões de identidade de gênero e sexualidade. Segundo ele, o aumento desse tipo de caso diz respeito tanto a uma maior conscientização das pessoas hoje em dia no que diz respeito a fazer uso dos próprios direitos quanto também a um aumento das ocorrências de discriminação.
No entanto, uma grande parcela dos casos ainda permanece na obscuridade. Ele explica que é de se esperar que haja um elevado índice de subnotificação nessas situações: “Muitas pessoas, por achar que não dá em nada ou não ter conhecimento mesmo da via da Defensoria, acabam não indo atrás, se sentem inibidas pela questão burocrática”. Ele considera, no entanto, que há uma tendência de isso mudar, com hoje existindo uma cultura de afirmação de direitos mais forte do que há 10 ou 15 anos.

Dário comenta que outro problema é que o próprio poder público não se dispõe a contabilizar casos de discriminação contra a população LGBT, mesmo nas ocorrências mais graves, como em assassinatos motivados por homofobia ou transfobia. “É difícil ter um dado de denúncias quando o Estado brasileiro sequer reconhece que isso é um fenômeno que acontece todos os dias e que gera uma série de violações de direitos”, considera.
Ceará entre os que mais matam LGBTs
Uma pesquisa divulgada na última semana pelo Grupo Gay da Bahia indica que o Ceará está entre os quatro estados que mais matam pessoas da comunidade LGBT no país. No total, foram 30 lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais assassinados no estado em crimes motivados por homofobia e transfobia em 2017, atrás apenas de São Paulo (59), Minas Gerais (43) e Bahia (35).

No Brasil, foram 445 assassinatos desse tipo, representando uma morte a cada período de 19 horas. Conforme o Grupo, no entanto, isso é apenas “a ponta do iceberg”, considerando que os dados reunidos levam em consideração apenas as mortes divulgadas pelos meios de comunicação, uma vez que não há estatísticas governamentais sobre esse tipo específico de crime. É esperado que o número real seja consideravelmente maior.

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