Requião: o que restou do PMDB de Paes e Ulisses

Discurso sobre a água suja da lava-jato jogam fora a soberania nacional e os direitos trabalhistas

Permitam-me, senhoras e senhores senadores, jornalistas que cobrem esta sessão, telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, navegantes da internet, permitam-me que eu faço hoje uma incursão na antropologia sócio-cultural. Meu tema é o sacrifício ritual.    
Como todos sabem, o sacrifício ritual faz parte da história da humanidade.
Os sacrifícios humanos, por exemplo, estão presentes nas crônicas de todas as civilizações, em todos os continentes.
Um exemplo clássico está na Bíblia, no Gêneses, quando Deus testa a fidelidade de Abraão ordenando-lhe que sacrifique o seu filho Isac. O sacrifício não se realiza, mas Abraão não vacila um segundo na determinação de matar o filho em louvor a Deus.
O mesmo Deus que, segundo os Evangelhos não poupa o seu próprio filho, Jesus, preso, torturado e executado para lavar com o seu sangue pecados alheios.
À medida que o homem evolui, civiliza-se e no compasso da desbrutalização de usos e costumes, o objeto do sacrifício ritual também muda. Os animais substituem os homens, mas a ideia do sacrifício ritual continua a mesma.
O propósito é fazer com que Isac, Cristo ou o cordeiro esvaiam-se em sangue até a morte para, dessa forma, aplacar a ira divina.
Más colheitas ou boas colheitas, falta de chuvas ou excesso de chuvas, pragas, pestes, doenças, vitória na guerra, seja o que fosse, sempre era necessário que o sangue jorrasse.
O sangue de quem?
Claro que não era o sangue dos sacerdotes, dos governantes, da nobreza, dos bem aquinhoados. Quem expiava em nome deles eram representantes dos extratos inferiores, o povo de sempre.
É assim até hoje.
Quando as coisas não vão bem, quem paga o pato, quem assume a conta, quem arca com os prejuízos são os trabalhadores, os assalariados, as camadas subalternas da classe média.
Vejam o presente caso brasileiro.
Elenquemos todas as medidas que o governo interino quer impor ao país e digam-me, senhoras e senhores senadores, quem está sendo sacrificado, quem está sendo estendido da pedra do altar para ser imolado?
Não são as 20 mil famílias de rentistas que detém quase a totalidade da dívida pública brasileira.
E lucram de forma indecorosa, infame com os juros dessa dívida.
Não são os brasileiros que mantém mais de um trilhão e 300 bilhões de reais ilegalmente em contas no exterior.
Não são os banqueiros e seus lucros pornográficos.
Não é o capital vadio e sua ganância sem freios.
Não são os beneficiários da mais perniciosa e imoral concentração de renda do planeta Terra, como é a brasileira.
Não é a aristocracia do funcionalismo público, as carreiras privilegiadas no Judiciário, no Ministério Público, no Legislativo.
Como ao longo da história da humanidade, exigem-se vítimas que se sacrifiquem, que expiem, que sangrem para o bem-estar dos dominantes.
Mas não estamos mais na antiguidade, nos templos bíblicos. Estamos no ano 16 do século XXI.
No entanto, esta Casa reage à condução dos trabalhadores, dos assalariados, das camadas inferiores das classes médias ao matadouro, ao sacrifício com a mesma indiferença dos sacerdotes maias ou astecas.
A mesma cruel indiferença.
Será que este Senado não vai reagir?
Faço agora uma lista das barbaridades que os interinos pretendem perpetuar. E pergunto se as senhoras e os senhores, se o distinto brasileiro e a valorosa brasileira que nos veem e ouvem subscrevem, assinam embaixo.
Vamos lá.
. Fixação de limite máximo para os gastos públicos. Desvinculação constitucional dos gastos com saúde e educação. Limitação das dívidas das estatais.
O governo interino quer congelar por dez anos, prorrogáveis por mais dez, os gastos com educação, saúde, saneamento, segurança, habitação popular, em pesquisas e tecnologia e assim por diante.
Os gastos com saúde e educação, que têm percentuais constitucionalmente amarrados, seriam desobrigados dessa vinculação.
É uma loucura!
Quem é que vai ser sacrificado? Se a ação do governo nas áreas de saúde e educação é sofrível, imaginem o que vai acontecer se esses gastos forem reduzidos.
Os cortes nos gastos com a saúde colocam em risco a sobrevivência do SUS e a gratuidade da assistência à saúde. Terá atendimento quem puder pagar. Da mesma forma, os cortes nos gastos com a educação colocarão em risco a gratuidade do ensino. Com isso, o acesso à escola será um privilégio de poucos.
Mas a insensatez da fixação de um teto para os gastos públicos vai além, ainda mais quando acompanhada de outra sandice, que é a limitação das dívidas das estatais.
Qual o resultado dessa mistura peçonhenta?
A privatização do que ainda restou de empresas estatais no país.
Lá se vão a Petrobrás e o pré-sal, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, os Correios e mais.
Enfim, de um lado, a deterioração e consequente privatização dos serviços públicos, provocados pela limitação dos gastos governamentais; de outra banda, a privatização a preço de fim de feira e a entrega de nosso petróleo, dos minérios e até mesmo das florestas.
E a nossa mídia e esses comentaristas de rádio e televisão, e esses políticos que se proclamam liberais ficam dizendo que é preciso sim cortar gastos públicos, que a gastança do governo é demais, sem, no entanto, esclarecer que não são as mordomias, os salários e os privilégios abusivos que serão cortadas e sim os gastos que impactam diretamente a vida do povo brasileiro.
. Mudança da idade para aposentadoria.
O governo interino quer fixar em 65 anos a idade mínima para a aposentadoria. Em média, habitantes de estados do Norte e do Nordeste vivem pouco mais de 65 anos. Quer dizer, com a nova regra, aposentam-se e morrem.  Que maravilha para os que querem cortar gastos públicos.
. Fim do abono salarial; fim da correção das pensões dos aposentados que recebem um salário mínimo; fim do aumento real do salário mínimo.
 O PIS e o PASEP estão aí há 46 anos. E nenhum governo mexeu com esse abono salarial, pago para quem recebe até dois salários mínimos. No entanto,  Meirelles e Goldfajn querem acabar com o abono para diminuir os gastos públicos.
A desindexação do reajuste das pensões de até um salário do aumento real do salário mínimo, e o fim do próprio do aumento real do salário são um crime!
Deus meu!
Um dos pilares da remissão dos pobres da miséria, do aumento do consumo, da elevação do poder de compra –em consequência do aumento da produção- foi a política do aumento real do mínimo.
Contudo, o governo interino pouco se lixa para isso, eles não querem um país com 200 milhões de consumidores. Para eles, basta um país com vinte, trinta milhões de consumidores.
. Mudança na legislação trabalhista, com a prevalência do negociado sobre o legislado e a instituição, em larga escala, da terceirização do trabalho.
O ministro Meirelles proclamou que não existe direitos adquiridos. E os sempre atentos editorialistas das Organizações Globo, do Estadão, da Folha e do Grupo Abril aproveitaram a deixa e fizeram coro exigindo mudanças nas leis trabalhistas, afinal, lembraram, a CLT é da distante década de 40.
E a Lei Áurea é mais antiga ainda, do século retrasado, acrescentaria eu.
E as empregadas domésticas só foram equiparadas a outros trabalhadores outro dia e assim mesmo sem todos os direitos deles, lembraria ainda.




O juiz trabalhista Jorge Luís Souto Maior em artigo publicado pelo blog da Editora Boitempo, com base em estudos do cientista social Werneck Vianna, lembra as reações de parlamentares e do patronato, quando, na década de 20, foi instituída no Brasil a chamada “lei de férias”.



Os opositores à lei, recorriam ao empresário norte americano Henry Ford, para quem nada poderia “fazer maior mal a um homem do que permitir que ele folgue nas horas de trabalho”.





Assim, diziam os nossos empresários, a lei de férias seria “imprópria e desnecessária”, já que, em oposição ao desgaste intelectual, “o trabalho manual solicita apenas atos (…..)puramente animais da vida vegetativa”.
Logo, dentro de certos limites, o trabalho do operário não exigiria tempo livre para a recuperação, argumentavam os patrões.
Acostumados a praticarem atos puramente animais da vida vegetativa, os operários eram comparados a burros de carga, que não precisavam descansar e, se exauridos, seriam facilmente substituídos, como se fazia com os muares.
O juiz trabalhista expõe ainda outros argumentos dos opositores às férias dos trabalhadores.
Ouçam só a preciosidade desta contestação: Os lazeres, os ócios representam um perigo iminente para o homem habituado ao trabalho, e nos lazeres ele encontra seduções extremamente perigosas   (……) as férias operárias  virão quebrar o equilíbrio de toda uma classe social da nação, mercê de uma floração de vícios, e talvez de crimes (….).
Da mesma forma, a jornada de trabalho de 12, 14, 16 ou mais horas era considerada normal e adequada a uma classe de homens e mulheres acostumados desde sempre à faina exaustiva, aos atos puramente animais da vida vegetativa.
E essa mesma jornada para os menores de idade era tida como pedagógica, uma escola.
Além de necessária para não quebrar “o ritmo e a ordenação do trabalho industrial”.
Citado por Souto Maior, o sociólogo Werneck Vianna refere-se a um documento enviado por associações patronais de São Paulo à Câmara dos Deputados contra a regulamentação do trabalho dos menores.


O argumento central era que a retirada dos menores das máquinas, depois de uma jornada de trabalho de oito a nove horas, quebraria o andamento da produção.
Os autores falam de uma multa aplicada a uma fábrica paulista por não seguir a regulamentação do trabalho de menores, em cujo processo testemunharam a favor dela quatro dos maiores industriais da época.
Todos usaram a mesma justificativa da quebra do ritmo da produção.
Mentira, impostura, embuste. A verdade é esta: os menores de idade representavam mais de 60 por cento da mão-de-obra da indústria têxtil paulista. E o contingente restante era, em grande parte, formado por mulheres.


Ora, os salários dos menores e das mulheres equivaliam uma pequena fração dos já aviltados salários dos homens adultos, que eram minoria das fábricas.
 Como se vê, a retirada dos menores da linha de produção realmente causaria grave problema para os lucros exorbitantes desses tão incensados capitães da indústria nacional.      
Pois bem, eis que esse mesmo tipo de raciocínio, esses mesmos conceitos obtusos, primitivos, boçais e escravocratas são ressuscitados ainda agora, quando se põe à mesa a “flexibilização” da CLT, com a adoção do princípio da prevalência do negociado sobre o legislado.



Quer dizer, tudo o que está na legislação pode se transformar em letra morta se patrões e trabalhadores acordarem suspender as férias, acabar com o descanso remunerado, cancelar o pagamento do 13° salário, aumentar a jornada, diminuir o salário, suspender o depósito do Fundo de Garantia, cancelar o vale transporte, eliminar o vale refeição e assim por diante.
Então, algumas barbaridades reinantes no país até a década de 30, como as que relatei, podem ser reintroduzidas neste século XXI.
Vejam, senhoras e senhores senadores. Em uma situação de crise, como a de hoje, com o aumento continuado dos índices de desemprego, todo patrão vai querer negociar com seus trabalhadores.
E quem é que está com a faca e o queijo na mão?
Ora, sob a ameaça do desemprego, os trabalhadores vão acabar aceitando o corte de direitos. Não há dúvida quanto a isso. E quanto menos protegida a categoria –ou por falta de representação sindical ou por causa dos pelegos que dominam a representação sindical- mais fácil será impor o negociado ao legislado.
Não é preciso exercício de raciocínio mais elaborado   para saber o que vai acontecer com os direitos dos empregados domésticos recentemente conquistados.
Quem pode mais chora menos, é a nova lei.




É claro, como sempre, as nossas organizações patronais, com a sua invencível vocação escravocrata, contam a solidariedade da mídia para cingir o pescoço dos trabalhadores e da baixa classe média com a canga da submissão e da exploração.



Sempre na liderança do atraso a mídia monopolista, que ao longo das últimas sete, oito décadas distinguiu-se pela dura oposição à legislação trabalhista festeja mais um funeral das conquistas sociais da Constituição de 1988 que, segundo o ministro Meirelles, não cabem nas contas do país.
Os juros cabem….


Enfim, ainda mais uma vez, imolam-se direitos, anulam-se conquistas, impõem-se sacrifícios para que os ganhos, os proveitos, as vantagens e os rendimentos dos dominantes não sejam arranhados.
Está lá um corpo estendido no altar.

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