Ta no chumbogrosso
CHEGOU CARTA
PARA VOCÊ
Marli Gonçalves
É minha, querendo desejar coisas boas, adianto logo os seus termos gerais. Pego a onda, aproveitando a época que deixa todo
mundo meio mexido e mais essa moda de recuperar o hábito de escrever cartas, até na política, mesmo que com desaforos ou
queixumes; ou cartões, bilhetes, inscrições de paredes, ou em postes, faixas e até no asfalto, que aqui em São
Paulo é bom de andar observando até nas tampas de bueiros. Elas estão lá: frases positivas, pensamentos, arte na rua.
Minha carta vai chegar por e-mail, ou você vai lê-la já publicada em algum veículo, mas isso será só um
detalhe. É uma carta para você.
Pensa numa letra bem
bonita, daquelas de caligrafia, de nome
escrito em envelope de convite de casamento; e numa folha de fino papel
de tons claros da qual exale seu aroma predileto. Não vou tentar
acertar, poderia errar e não há coisa pior do que perfume que não se
gosta. Você escolhe. Imagine. Decida até se o
papel tem linhas. Que sua carta chegue a mais bela.
Escreverei
em dourado, primeiro porque acho chique escrever em
dourado. E porque pelo que estou vendo por aí, essa passagem de ano vai
revigorar o dourado - ligado ao ouro e às nossas necessidades e
desejos de uma graninha para pagar as contas e quem sabe sobrar algum.
Pode crer: só vai dar dourado porque está todo mundo numa pinduca
danada, que esse ano nos descapitalizou, para ficar mais elegante
afirmar. Dourado, amarelo e o indefectível branco, aquele da paz para
lá para cá, das juras em atitudes que eu pessoalmente adoraria que
continuassem mesmo, depois da meia noite, pelo menos até o dia
2 de janeiro, o que dificilmente ocorrerá, como sempre. Cá entre nós:
promessas de fim de ano só não são
piores do que jurar regime na segunda-feira.
Com o barco desgovernado nesses mares que navegamos, ando
temendo até pelas Iemanjás que serão postas no mar à meia noite, para além das sete ondinhas. Junto com ela, nos
frágeis barquinhos de madeira, se além dos perfumes e flores ela tiver de levar também tantas as coisas que andamos precisando
pedir. Naufrágios, na certa.
Chegou o fim de ano. Nem parece,
mas chegou. Se dependesse dos enfeites nem
notaríamos. Sumiram as luzinhas que tanto gosto de ver piscando nas
casas, janelas. As chinesinhas ficaram largadas em caixas nos fundos dos
armários. Entendo. Também não acendi as minhas, de tanto desânimo. Mas
precisamos reagir. Esse é um dos motivos
dessa minha carta. Dizer que essa descrença geral está no deixando muito
tristes, e eles não merecem nem mais as nossas
mágoas. Dizer, na verdade informar, que a gente ainda vai ficar sabendo
de muito mais coisas que eles todos fizeram nos verões, outonos,
invernos e primaveras passadas; esse poço não tem fundo.
Tantos
assuntos, e essa loucura de agora todo
mundo nem ler muito mais do que 140 caracteres, ou até menos - que ficar
teclando nesses aparelhinhos celulares requer habilidade e treinamento
pesado. Daí tudo se abrevia, vira emoticon, mensagem cifrada. Isso me
preocupa, tenho sempre de prender sua atenção,
amarrá-los comigo alguns minutos. Que imagem posso usar nessa carta
aqui? Um coração, um beijo? Vou deixar também para
você decidir como quer na sua carta. Vai depender do que quer ouvir. Ou
melhor, ler.
Puxa, pensei em usar um monte
de fofices. Daquelas de amolecer coração de pedra. Mas quais? Tipo contar uma dessas heroicas histórias, ou as de
superação, boas de dar exemplo. Frases construtivas, como aquelas todas óbvias que desfilam nas timelines das redes sociais, na
linha "Amar é..."
Mas aí precisaria encher isso aqui de links
de vídeos de
cachorrinhos, gatinhos fazendo suas fofurices, ou mandar um daqueles
powerpoints cheios de filosofia que até distraem, mas porque ficamos
estabanados tentando apagar ou abaixar o som daquela música chata que
toca logo assim que a gente abre - e no final até esquece de ver
sobre o que era. Não. Não ia dar certo.
Mas posso escrever do muito que a gente ainda tem para falar um
com o outro, ouvir, responder, aprender, descobrir, buscando soluções, analisando os diversos ângulos. Posso fazer minhas
observações.
E é o que vou fazer. Espero que por muito tempo. Neste ano e nos
próximos. Escrever. Escrever sempre que eu puder e toda semana nos artigos que encontrará, nas emoções que demonstro,
coisas que eu conto, nas broncas que dou, nas ironias que uso, e até nos recados que mando e não sei se ele lê, nas
declarações de entrelinhas de amor.
A carta de hoje eu começaria assim, primeiro com
cabeçalho, que adoro desde os tempos de primário e que enfeita a entrada das cartas:
São Paulo, dezembro de 2015.
Caro leitor,
Eu me orgulho muito de saber que
está aí. Muito obrigada. Até o próximo, até a próxima.
Com afeto,
Marli
Gonçalves
Jornalista - O que escolheu ser, justamente para poder escrever para você. Que se multipliquem, os meus leitores.
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