Opínião

janio de freitas Colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa as questões políticas e econômicas. Escreve aos domingos, terças e quintas.

Hoje tem amanhãs

As crises atraem todo o pensamento para elas, e não para o que, nelas, mais importa: o seu amanhã, os desdobramentos que persistem, historicamente, no mau hábito de fugir a todo controle. É o que estamos vendo, no impeachment sim ou não, no "ajuste" sim ou não. Como se as crises institucionais desde a morte de Getúlio, e seus desdobramentos sempre para pior, nada ensinassem para o futuro que são os nossos dias.
Políticos rasos são imediatistas. Logo, os políticos brasileiros só pensam em sua conveniência imediata. Esta é origem da tese de impeachment. A "desconstrução" que Aécio não conseguiu fazer na disputa eleitoral quer, agora, levar a oposição a obtê-la por outro meio. Sem risco, porque um novo fracasso estaria isentado de qualquer consequência funesta. A permissividade vigente na política brasileira garante.
Não se dá o mesmo com os movimentos reivindicatórios, tipo Movimento dos Sem-Terra, o dos Sem-Teto, a CUT, movimentos de professores e universitários, de funcionários públicos, enfim, aquilo tudo que muitos chamam de "a esquerda". Ser contrários ao "ajuste" arrochante é óbvio, para eles. Mas até onde? –eis a dificuldade além do óbvio e do imediato.
O "ajuste" será com Dilma ou será com outro. Será, é ponto pacífico: no mundo político não se vislumbra segmento algum capaz de se elevar para impor correções econômicas não arrochantes. A rejeição prática e absoluta ao "ajuste" de Dilma/Levy confunde-se com o impeachment, ainda que sem tal intenção. Já é assim, e as manifestações programadas tendem a dar a esse embaralhamento evidência e força influentes.
Também por isso, mas não sobretudo por isso, Dilma impôs às duras discussões sobre cortes no Orçamento, contra a quase indiferença na equipe econômica, certa imunidade de vários programas à tesoura. Como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida, assim depois destacados, entre outros, pelo próprio Levy.
Se não conduzido pelo atual governo, o "ajuste" será no mais puro e duro neoliberalismo. Caso o governo ficasse com o PMDB, estaria minado por uma falta de quadros próprios que o obrigaria a sujeitar-se às exigências direitistas do PSDB. O PMDB de hoje é numeroso e vazio. Mercantilista e vazio. Amorfo e vazio.
Caso o governo ficasse com o PSDB, por uma eleição precipitada, contaria com serviços bem pagos do PMDB, como foram os do PFL no governo precedente dos peessedebistas. Para o "ajuste" de retorno ao Brasil que começara a deixar-se superar, aos 500 anos de história.
A escolha dos movimentos reivindicatórios é óbvia? Não. É de sua índole e de sua sobrevivência que combatam o "ajuste" de Dilma. Na concepção de comando e tática desses movimentos, está sempre a ideia de que as chamadas lutas sociais e o estrato político-social que comanda o país são entidades à parte. Cada qual sabe de si e cuida de como enfrentar o outro. Fora dessa concepção, os movimentos caem na perplexidade emudecida a que o PT sucumbiu, diante do governo Lula –que em momento algum foi governo do PT.
Em qualquer destinação da crise, é muito provável o recrudescimento dos movimentos reivindicatórios organizados. Menos acirrados e duradouros, em um dos casos, e muito mais nos outros. Com que modos e até que ponto final, o Brasil está muito mudado para que se se tente imaginar. Sobre isso basta lembrar que os militares mostram-se muito mais civilizados do que os civis.

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