O deputado federal Ronaldo Fonseca (PROS-DF) é o relator do comitê que analisa no Congresso o polêmico Estatuto da Família, que define "família" no país como união entre homem e mulher e é visto por ativistas LGBT como discriminatório.
Em seu perfil
no Twitter, ele se identifica como advogado, presidente de seu partido
no Distrito Federal, presidente da Assembleia de Deus de Taguatinga e
coordenador da bancada da Assembleia de Deus na Câmara.
O
parlamentar, que cumpre seu primeiro mandato na Câmara, foi eleito
relator pelos 24 deputados da comissão que analisa o projeto de lei que
institui o Estatuto da Família. Ele redige o parecer final que será submetido à votação dentro da própria comissão.
O
estatuto prevê "políticas públicas para proteger a família" e, em um de
seus artigos, define esta como sendo exclusivamente a união entre um
homem e uma mulher.
A opinião do deputado será aceita ou rejeitada pelos outros membros da comissão.
"Apresentei o relatório na Comissão Especial do Estatuto da Família", disse o deputado no Twitter. "Meu voto está causando estresses. Por que será?"
Fonseca declarou-se a favor do projeto, criticado como preconceituoso por movimentos de direitos LGBT e outros deputados. Mas não foi só isso que gerou críticas.
Ele
também sugeriu a inclusão de um novo artigo, que modifica o Estatuto da
Criança e do Adolescente e restringe a adoção a casais heterossexuais
ou solteiros, algo não previsto pelo texto original.
Em entrevista à BBC Brasil, o deputado diz que seu voto é "moderno" e corrige um "equívoco"do Supremo Tribunal. A seguir, ele explica por quê:
BBC Brasil - O senhor diz no parecer que o Estatuto da Família busca dar luz a um momento "tenebroso" no conceito de família. Por quê?
Ronaldo
Fonseca - Por conta da interpretação que o Supremo Tribunal Federal fez
do artigo 226 da Constituição Federal. O conceito de família estava
claro neste artigo, que diz que a família é a base
da sociedade e ela é composta pela união entre um homem e uma mulher ou
qualquer dos pais e seus filhos. Mas o STF fez uma interpretação do
Código Civil e criou a família homoafetiva. Isso bagunçou tudo e gerou
insegurança jurídica.
Deu
um direito só aos homossexuais e não às outras famílias afetivas. Por
exemplo, se um irmão que cuida de outro morrer, o que fica não tem
direito a pensão. Por quê? Eles não formam uma família afetiva? Não é
possível dar um privilégio apenas aos homossexuais. O Estatuto é
necessário para dar clareza a este conceito.
BBC Brasil - Por que casais homossexuais não podem ser considerados famílias?
Fonseca
- Primeiro, não é casal, é par, né? Além disso, não há problema um
casal homossexual se designar uma família, mas quando vou criar uma lei
para regulamentar e detalhar a proteção especial da Constituição à
família, tenho que esclarecer o que faz o Estado ter esse dever. O
Estado dá proteção porque é bonzinho. O Estado não faz nada de graça
para ninguém. Quando protege, é porque há uma razão – esta razão é a
geração de filhos.
Dois
homens ou duas mulheres não geram filhos. Pode haver uma dependência
econômica ou patrimonial - e o Código Civil já tutela estes direitos. Se
querem proteção patrimonial, façam um contrato. Se querem proteção na
herança, há o testamento. Mas, quando falamos de direito de família para
gozar de uma proteção especial, não tem por que o Estado fazer isso
para dois homens ou duas mulheres que querem viver juntos só por causa
da sua afetividade ou do sexo. Mas o que o Supremo fez foi criar a
família afetiva e disse que isso só vale para os homossexuais.
BBC Brasil - O senhor considera isso uma discriminação?
Fonseca
- Sim. Vou dar um exemplo: uma senhora em Águas Claras era viúva há 13
anos e tinha um único filho que trabalhava para cuidar dela. O menino
morreu. Ela entrou com um pedido na Previdência de pensão, que foi
negado. Disseram que não havia vínculos. Mas não havia a afetividade?
BBC
Brasil – No parecer, o senhor sugere a inclusão de um artigo que impede
a adoção de crianças por casais homossexuais. Por quê?
Fonseca
– A questão tinha de ser abordada. Se digo com base na Constituição que
um casal homossexual não é juridicamente uma família, como este casal
poderia adotar uma criança como uma? Nem teria como colocar na certidão o
nome de duas mulheres e dois homens, porque a filiação exige o nome de
um pai e de uma mãe. A legislação permite a adoção por solteiros. Mas
não é isso que eles querem.
BBC
Brasil – Existem casais homossexuais que vivem com crianças. Se só uma
destas pessoas adotar e ela vir a falecer, a outra não terá direitos
sobre a criança. Isso não gera uma situação complicada?
Fonseca
– Veja bem, são incidentes do mundo jurídico. Casos isolados têm de ser
apreciados pela Justiça. Há testemunhas para atestar o vínculo, a
proteção que houve. É possível pedir a guarda. Já aconteceu várias
vezes, como com a cantora Cássia Eller. Se dois estão cuidando, acho
justo que haja esse direito. Mas a lei não pode prever cada caso. Tem de
ser genérica. E se de repente a pessoa que ficou não tem condição de
cuidar da criança? Ela tem direito a isso só por que vivia na mesma
casa?
BBC
Brasil – O senhor destaca que a Constituição foi promulgada "sob a
proteção de Deus"e que deve ser levada em conta a influência da religião
e a vontade da maioria. O que quis dizer?
Fonseca
– Estou dizendo que não é a religião que criou a família e que,
portanto, meu voto não é religioso. Fiz questão de colocar isso porque
as pessoas sempre querem puxar por esse lado. Mas nosso Estado é laico e
não ateu. Vivemos num país de cultura judaico-cristã. Tanto que a
Constituição diz que nosso arcabouço jurídico está sob a proteção de
Deus. Reconhece que existe uma fé da população. Então, como o Estado não
vai enxergar o que pensa a maioria? Obviamente, não somos um Talebã.
Somos uma democracia, e nela vence quem tem mais força e voto.
BBC
Brasil – O senhor compartilha da opinião manifestada por alguns líderes
e políticos evangélicos de que a família está ameaçada?
Fonseca
– Não uso essa expressão, porque sou advogado e primo pelo
contraditório. A família sempre será família, com afeto ou sem. Quantos
pais espancam o filho porque não amam? Mas não deixa de ser pai e filho.
Família é sociologicamente e biologicamente família. É a instituição
mais antiga. Surgiu antes do Estado e da religião. Mas a família está se
acomodando, como fez o parágrafo 4º do artigo 226 da Constituição
Federal, que prevê a família monoparental. Isso foi uma novidade.
BBC Brasil – O senhor é pastor evangélico. A sua religião teve influência no seu voto?
Fonseca
– Não é influência. Tenho formação cristã desde o berço e não fujo
disso. Mas não me julgo uma pessoa alienada. Estudei e me preparei.
Aliás, sou crítico da religião. Acho que não é uma coisa boa para a
sociedade. A religião já cometeu muitos pecados. Basta olharmos para a
história para ver o quanto já prejudicou. Mas é óbvio que minha formação
me orienta em todas as minhas decisões.
BBC
Brasil– O senhor disse que devemos respeitar a opinião da maioria da
população. Uma enquete no site da Câmara pergunta quem está de acordo
com a definição de família e prevista no Estatuto. Neste momento, o voto
contra tem maioria. Isso deve ser levado em conta?'
Fonseca
– Se você acompanhar a votação, vai ver que durante o dia o "sim"
prevalece e de noite o "não" passa à frente. É uma enquete na qual é
possível votar mais de uma vez, então, é difícil orientar-se por ela.
Não pode ser considerada um raio-x da população. Tenho conhecimento, por
exemplo, que no movimento LGBT tem um escritório preparado para ficar
na internet o tempo todo votando. No entanto, uma pesquisa feita em 2010
indicou que a maioria é contrária a este modelo de família.
BBC Brasil - A qual pesquisa o senhor se refere?
Fonseca
– Não me lembro agora de qual instituto foi. Mas a maioria da população
opinou assim. O que a enquete indica é que há uma mobilização em torno
da questão. Mostra que a população quer uma resposta sobre o conceito de
família. Quero trazer o assunto para o debate. Essas manifestações são
muito salutares. A democracia é debate. Alguém perde e alguém ganha.
BBC
Brasil– Uma crítica feita ao projeto é de que é homofóbico, como
apontaram os deputados federais Erika Kokay e Jean Wyllys. O senhor
discorda. Por quê?
Fonseca
– Primeiro, temos que definir o que é homofobia no Brasil. Para
militantes LGBT, como Erika Kokay e Jean Wyllys, tudo é homofobia. Eles
criaram uma homofobia da homofobia. Ter opinião divergente não é. Para
mim, homofobia é quando você não quer conviver com o diferente e age com
violência. É o medo do novo, da diferença. Mas apontar uma diferença é
parte da democracia.
Por
exemplo, Kokay e Wyllys têm um projeto do qual discordo completamente.
Ele autoriza uma criança a mudar de sexo e, se os pais discordarem, um
juiz pode acatar a vontade da criança. Isso é loucura, mas tenho que
respeitar. Não sou homofóbico por pensar diferente. Convivo com
homossexuais sem problema. Tenho amigos e familiares que amo e respeito.
Defendo seus direitos como cidadãos.
BBC Brasil– Qual é sua posição quanto ao projeto de lei que criminaliza a homofobia?
Fonseca
– Da forma como querem, sou contra. Querem criminalizar a opinião. Se
querem tipificar a homofobia, tudo bem. Mas, a meu ver, o Código Penal
já prevê uma proibição da lesão corporal e injúria. Se alguém espancar
um homossexual, vai ser processado. Não podemos ter preconceito contra
ninguém. Isso já está na Constituição. É crime.
Mas
o que não pode é dois homens estarem se beijando na boca num ambiente
de família, eu dizer para eles que ali não é lugar para isso e ser
considerado homofóbico. Ou eles virem pra rua fazer sexo naquelas
marchas, o policial dizer que não pode fazer sexo ali e ser afastado por
homofobia.
BBC Brasil – Foi por isso que o senhor apoiou uma lei que visa garantir a liberdade religiosa?
Fonseca
– Temos que ter claro o que é preconceito. Se um pastor ou um padre diz
na igreja que a homossexualidade é pecado, ele teria cometido um crime
de homofobia de acordo com a nova lei que tentam aprovar. A Constituição
protege a fé. É preciso garantir a liberdade religiosa no Brasil.
BBC
Brasil – Há previsão expressa para preconceito por causa de raça,
condição social ou gênero. Por que não fazer o mesmo com a orientação
sexual?
Fonseca
– Porque orientação sexual não é raça. Ninguém escolhe a cor da pele.
Isso independe da vontade, de interesses, de influência da sociedade.
Com gênero, é a mesma coisa. Mas, no meu entendimento – e a ciência até
hoje não provou o contrário -, o homossexual não nasce assim.
BBC Brasil – O senhor acredita que seu parecer será aprovado?
Fonseca
– Vou lutar por isso. A maioria dos deputados já conhece minha posição.
Tenho que acreditar, porque acho que meu voto é moderno, de vanguarda. É
um voto especial.
BBC Brasil – Há quem aponte seu voto como retrocesso, não?
Fonseca
– As críticas fazem parte do processo legislativo. O Estatuto não é
retrocesso. Tem como base a Constituição. Senão, vamos dizer que a
Constituição é um retrocesso. Vamos mudar a Constituição, então?
BBC Brasil – E caso fosse apresentada uma mudança constitucional neste ponto?
Fonseca – Aí vamos para o debate (risos).
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