O Brasil e os próximos anos
Mauro Santayana
À
medida que estamos mais perto da eleição, se evidencia também a
necessidade de avaliar as opções estratégicas que aguardam o Brasil nos
próximos anos.
Hoje, muita gente acha que se nos aproximarmos
muito do mundo em desenvolvimento, como a América do Sul, África e as
potências emergentes às quais estamos unidos no BRICS - Rússia, Índia,
China, África do Sul - estaremos nos afastando cada vez mais da Europa e
dos EUA.
Há, entre certos tipos de brasileiros, os que continuam
cultuando apenas o que existe em Nova Iorque, Miami ou Paris, como se
não existisse mais nada neste mundo, e os arranha-céus mais altos do
planeta não estivessem sendo construídos – para ficar apenas no símbolo
de modernidade e pujança das “skylines” que fizeram a fama dos EUA – em
cidades como Moscou, Dubai, ou Xangai.
Ataca-se a China por
censurar o Google, mas não se atacam os EUA por usarem a internet para
espionarem e chantagearem milhões de pessoas em todo o mundo, incluindo
nações de quem se dizem “aliados” como é o caso do Brasil e da Alemanha.
Atacam-se
os países do MERCOSUL por nos impor barreiras comerciais, mas não a
Europa e os Estados Unidos por terem feito conosco exatamente o mesmo,
nos últimos 200 anos, bloqueando – sempre que puderam - o
desenvolvimento de tecnologia em nosso continente e absorvendo, antes e
depois de nossa independência, basicamente matérias-primas.
Muitos
esquecem que o MERCOSUL, com todas suas barreiras, continua o maior, e,
às vezes, o único destino para nossas manufaturas. Que só para países
como a Venezuela temos aumentado nossas exportações nos últimos anos.
Isso,
enquanto têm diminuído nossas vendas e nossos ganhos – e os do resto do
mundo - com a Europa e os EUA, no esteio das consequências de uma
crise que já dura vários anos e que teve sua origem na desorganização e
irresponsabilidade de do sistema financeiro que está sediado ao norte da
linha do Equador.
A pergunta que cabe que nos façamos nos próximos anos é a seguinte: a que mundo pertencemos?
Ao
da Europa e dos EUA, que sempre nos trataram como colônia e cidadãos de
segunda classe a ponto de termos tido milhares de brasileiros expulsos
de seus aeroportos há pouquíssimo tempo?
Ou ao mundo
em desenvolvimento, onde a cooperação e a necessidade de agregar
centenas de milhões de pessoas a uma vida mais digna abre a porta para a
oportunidade da realização de acordos e negócios que podem influenciar e
melhorar também nosso futuro?
Assim como ocorre na área
comercial e diplomática, o Brasil precisa melhorar sua condição de
negociação com os EUA e a Europa na área de defesa, usando, para isso, a
perspectiva e a ameaça, sempre presentes, de nos aproximarmos, também
nessa área, cada vez mais dos BRICS.
Os Estados Unidos e a Europa
sempre se mostraram refratários a transferir tecnologia sensível ao
Brasil e a outras nações latino-americanas.
Os avanços
conseguidos nesse campo pelos governos militares foram feitos a fórceps,
como ocorreu nas áreas bélica e aeroespacial, depois do rompimento,
pelo Governo Geisel, dos acordos de cooperação com os EUA na área
militar, e a aproximação com a Alemanha no campo da utilização pacífica
da energia atômica.
Os países “ocidentais” só aceitam transferir
um mínimo de tecnologia bélica para países como o Brasil, quando a isso
se veem obrigados pelas circunstâncias.
Isso ocorre no caso em
que estejamos prestes a alcançar certos avanços sozinhos – e aí eles se
aproximam para “monitorar” e “medir” nossos avanços- ou se tivermos
outros parceiros, como China ou Rússia – dispostos a transferir para
nossas empresas, técnicos ou cientistas, esse conhecimento.
Depois
do tímido esforço de rearmamento iniciado pelos dois últimos governos,
virou moda, nos portais mais conservadores, se perguntar contra quem
estamos nos armando, se vamos invadir nossos vizinhos, ou, ridiculamente
combater os Estados Unidos.
Muitos se esquecem, no campo da
transferência de tecnologia na área de defesa, que sempre fomos tratados
pelos Estados Unidos como um inimigo ao qual não se deve ajudar, em
hipótese alguma, a não ser vendendo armas obsoletas ou de segunda mão.
No
programa FX, de compra de caças para a Força Aérea, a BOEING
norte-americana só concordou em transferir tecnologia para a Embraer –
acordo que teria, antes de concretizado, de ser aprovado pelo congresso
norte-americano – depois que os franceses, com o RAFALE, e os suecos,
com o GRIPPEN NG BR, já tinham concordado em fazer o mesmo. E isso
quando vários oficiais da Força Aérea brasileira se manifestavam nos
fóruns, torcendo abertamente pelo SUKHOI S-35 russo.
O melhor
exemplo do que pode ocorrer, em caso de conflito, principalmente com
algum país ocidental, se dependermos da Europa ou dos EUA para nos
defendermos, é o argentino.
Na Guerra das Malvinas, as mesmas
empresas que, antes, forneciam armas e munição para que o Regime Militar
massacrasse a população civil, em nome da “guerra interna”, das
“fronteiras ideológicas” e do “anticomunismo”, deixaram de fornecer
armas e peças de reposição às forças armadas daquele país, para que não
fossem usadas contra a Inglaterra.
Os Estados Unidos só
concordariam em fornecer armamento avançado ao Brasil, mas nunca no
nível do deles, caso aceitássemos nos transformar em seus cães de guarda
na América do Sul, como o faz Israel no Oriente Médio; ajudássemos a
criar uma OTAN no hemisfério sul; ou concordássemos, como é o caso da
Itália ou a Espanha, em participar, sub-alternamente, em “intervenções”
como as feitas por Washington em países como a Líbia, o Iraque e o
Afeganistão, correndo o risco de indispor-nos com milhões de
brasileiros de origem árabe e de virar, de um dia para o outro, alvo de
ataques, em nosso próprio território, de organizações radicais
islâmicas.
Nos últimos anos, conseguimos desenvolver uma nova
família de armas individuais 100% nacional, as carabinas e fuzis IA-2,
da IMBEL; uma nova família de blindados leves, a Guarani, dos quais
2.050 estão sendo construídos também em Minas Gerais; desenvolvemos o
novo jato militar cargueiro KC-390, da Embraer, capaz de carregar
dezenas de soldados, tanques ligeiros ou peças de artilharia; voltamos a
fortalecer a AVIBRAS, com a compra do novo sistema ASTROS 2020, e o
desenvolvimento de mísseis de cruzeiro com o alcance de 300 quilômetros;
estamos construindo no Brasil cinco novos submarinos, um deles a
propulsão nuclear e reator nacional, com a França, um estaleiro e uma
nova base para eles; desenvolvemos a família de radares SABER; foi
fechada, com transferência de tecnologia e desenvolvimento conjunto com a
Suécia, a construção em território brasileiro de 36 caças GRIPPEN
NG-BR; conseguimos fazer, no Brasil, a “remotorização” de mísseis
marítimos EXOCET; foi fechada a transferência de tecnologia e está sendo
desenvolvido, com a África do Sul, o novo míssil ar-ar A-DARTER; foram
comprados novos navios de patrulha oceânica ingleses; helicópteros e
baterias antiaéreas russas; e aumentou-se a aquisição e a fabricação de
helicópteros militares montados na fábrica da HELIBRAS.
Esses
projetos, que envolvem bilhões de dólares, não podem, como já ocorreu
no passado, ser interrompidos, descontinuados ou abandonados, nos
próximos anos, pelo governo que assumir o poder a partir de janeiro de
2015.
Vivemos em um planeta cada vez mais multipolar, no qual os
Estados Unidos e a Europa continuarão existindo e seguirão tentando
lutando para se manter à tona contra uma lógica – e inexorável –
tendência à decadência econômica, militar e geopolítica.
Nesse
contexto, os EUA e a Europa têm que ser olhados por nós como potências
que estão no mesmo plano, militar ou político, que a China, a Rússia, a
Índia ou o próprio Brasil.
Como quinto maior país em população e
extensão territorial, o Brasil tem a obrigação de negociar, e entrar no
jogo, com todas essas potências, de igual para igual, e, nunca mais de
forma subalterna. Sob a pena de perder o lugar que nos cabe neste novo
mundo e neste novo século.
Mauro Santayana é jornalista e meu amigo.
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