Não é só vandalismo. A segurança já sabe quem está insuflando a baderna


Excessos dominam protesto em avenida

Milhares de pessoas, novamente, foram às ruas de Fortaleza, ontem, movidas por inquietações que não cabem mais no interior das casas ou no comodismo do cotidiano. No protesto realizado, na Av. Dedé Brasil, nas proximidades do Castelão, um grande grupo de manifestantes expôs queixas e cobrou, principalmente, do Governo Estadual o desenvolvimento eficaz de ações e políticas públicas. Outro foi pelo enfrentamento, e utilizou-se de paus e pedras para atacar ou “defender-se” ao longo do percurso, que saiu da Uece rumo ao Estádio. As últimas ações foram usadas como justificativa oficial para garantir a repressão policial, aplicada de forma intensa contra a totalidade de manifestantes, durante mais de quatro horas. 
Com maior unidade de pautas e, visivelmente, mais orgânico que a manifestação realizada, nas proximidades do Castelão, na quarta-feira passada (19), durante a primeira partida da Copa das Confederações, em Fortaleza, o ato ontem, abrigou bandeiras coletivas, definidas nas assembleias que ocorreram durante a semana. Apelos por melhoria na Educação, pelo cancelamento das remoções de comunidades tradicionais devido às obras da Copa, na Capital, e pela inversão de prioridades na gestão pública estadual foram ressaltados, durante os cerca de 3km percorridos, da Uece até a Igreja Canaã, onde havia o bloqueio dos agentes de segurança.  
PERCURSSO E BLOQUEIO
De forma pacífica, os manifestantes saíram às 11h, da frente da Universidade e chegaram por volta das 12h30min ao bloqueio. Palavras de ordem foram gritadas, enquanto os moradores da via e os transeuntes ovacionavam os que caminhavam na Avenida. Passados 20 minutos de espera, frente a corrente de policiais, que blindava o acesso ao Estádio, um grupo de manifestantes começou a arremessar pedras, paus e algumas bombas caseiras contra a Polícia. Meia hora depois, houve o revide e o campo de guerra, infelizmente, já vivenciado em outras manifestações, repetiu-se.

Sucessivas bombas de gás lacrimogêneo foram atiradas contra manifestantes.  Policiais sitiaram as ruas secundárias, que circundam as proximidades de onde foi montado o primeiro bloqueio, e durante as tentativas de escape, destes locais, continuaram atirando bombas. Logo, a multidão que até então tentava fugir, momentaneamente, pela Rua Um e pela Rua Otacílio Peixoto, retornou para a Avenida. Espalhou-se pela via e por lá permaneceu por mais de quatro horas.
PARTICIPANTES
O professor universitário, Márcio Acselrad que, participou da passeata, avaliou que o movimento representa a essência da democracia, tendo em vista, que não havia à frente, nenhuma liderança.  Conforme ele, era “só olhar em volta” e perceber que as conquistas já obtidas, no Congresso Nacional, como a rejeição da PEC 37, impulsionam ainda mais a sociedade ir para rua. “A gente vê um movimento complexo e rico. Isso é uma coisa inédita e maravilhosa”, ressaltou.
Para o aposentado Luiz Vitorino, que acompanhou a manifestação ao passar pela Dedé Brasil, se a sociedade não se manifestar nas ruas, o Brasil continuará no comando de uma boa maioria de políticos corruptos. “O Congresso precisa ter vergonha na cara. Acho corretíssimo, as pessoas irem à rua”, defendeu.
A integrante do Centro dos Movimentos Populares (CMP), Cinelde Almeida, afirmou que diversas pautas, há anos, levam pessoas a revindicarem, mas o estopim, que retirou as pessoas de casa, é a corrupção brasileira. “A última vez que o Brasil foi à rua, foi para retirar o Collor do poder. Ultimamente, democracia tornou-se sinônimo de voto. Os jovens estão com suas demandas reprimidas, mas acordaram”.

AVANÇO DAS TROPAS
As tropas da Polícia Rodoviária Federal, Polícia Militar, Força Nacional e Cavalaria avançavam, gradativamente, para dispersar os manifestantes. “Dividida em alas”, a manifestação seguia. Na frente, um grupo de pessoas que continuou enfrentando o aparato policial com paus, pedras e demais materiais arrancados de prédios e calçadas da Avenida, enquanto mais atrás, manifestantes mantinham as reivindicações e, através de batuques e palavras de ordem ressaltavam as insatificações e cobranças. A repressão policial era também repudiada por aqueles que se mantiveram firmes, no final da multidão.
O avanço dos agentes de segurança fazia com que a maioria dos manifestantes recuasse lentamente pela própria Avenida, outros resistiam. Sucessivas bombas continuavam sendo atiradas contra os manifestantes, enquanto barricadas eram montadas por aqueles que tentavam enfrentar a Polícia. Placas, árvores, e até andaimes foram usados pelo grupo resistente nos bloqueios para tentar conter o avanço dos agentes. Pedras e paus também continuaram sendo atirados contra as tropas. Às 16h30min, uma investida intensa da Polícia sitiou os manifestantes, na Dedé Brasil, entre a Rua Doze e Rua Quinze, e dispersou a manifestação por completo.

CONFRONTO DEIXA MORADORES SITIADOS
O confronto da Polícia Militar com os manifestantes, que deu-se, pontualmente, na Avenida Dedé Brasil, com o início da Rua Um, próximo à Arena Castelão, deixou centenas de moradores sitiados. Além do direito de ir e vir obstruído, os moradores, sofreram de dentro das suas casas, com os efeitos das bombas de gás lacrimogêneo e as de efeito moral. Outro incidente deixou ainda mais os moradores indignados, em algumas localidades, faltou energia.

Para conter os manifestantes, a Polícia passou a utilizar as bombas de gás lacrimogêneo, onde contém tipos de substâncias, que irritam a pele, os olhos (causando cegueira temporária) e, também, atingindo as vias respiratórias.
Maria Silva, 40 anos, que mora na Rua Um, teve a frente da sua casa usada pela Polícia, que fez um segundo bloqueio. “ É um terror”, disse, emocionada, ressaltando que, naquele momento, sua mãe de 80 anos estava em sua casa e sofria com os efeitos das bombas de gás.
“Eu concordo com que eles façam as suas manifestações, mas que fossem de forma pacífica. A gente tem pessoas idosas e os efeitos das bombas os atingem eles, e não sabemos o que fazer”, declarou.
A residência da assistente social, Lígia Veras, localizada na Rua Cinco, foi depredada. A reportagem conferiu e dezenas de telhas que foram quebradas e uma das pedras atingiu um carro que estava na garagem. Ela classificou como “complicado”, tendo em vista, que desta vez, a manifestação foi realizada em um bairro residencial.
“Quase não conseguia nem chegar em casa, porque pneus já estavam sendo queimados por uma pequena parte dos manifestantes, que tentavam barrar o avanço da PM. Nós sentimos o efeito do gás inteiro, sem precisar pisar na calçada. Ficamos ilhados dentro de casa sem energia”, desabafou.
O clima é tenso, relatou a moradora Saldanha Uchôa. Em sua casa, havia dois idosos e duas crianças, que ficaram “completamente” em choque com as explosões das bombas e os efeitos provocados. “A gente fica com medo de invasão. Eu sou a favor da manifestação, mas pacífica. Se você está lutando por uma coisa justa, quando você dá mau exemplo, isso deixa de ser justa”, afirmou.
Um dos policiais da Tropa de Choque, que não quis ser identificado, declarou que a ordem era manter a integridade dos manifestantes e das pessoas, que iriam assistir ao jogo, no Castelão. “Não queremos reagir com violência, mas a partir do momento que eles [manifestantes] vêm pra cima, temos que confrontar com nossas armas”, professou.

THATIANY NASCIMENTO
thatynascimento@oestadoce.com.br
ROCHANA LYVIAN
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