O drama da segurança pública no Ceará


“Violência transcende atuação da segurança pública”
O secretário de Segurança do Ceará, coronel Bezerra, pede amparo aos jovens “perigosos”. Em Fortaleza, apenas 1,7% dos investimentos da Prefeitura Municipal foi direcionado à política de assistência social


FOTO: NAYANA MELO / O ESTADO
Na Capital que tem 3,5 mil assassinatos, quase oito mil roubos e furtos de carros e 23 mil pessoas presas, em 2012, apenas 1,7% dos investimentos da Prefeitura Municipal foi direcionado à política de assistência social. No Grande Jangurussu, que possui 5.111 famílias vivendo em situação de extrema pobreza, existem apenas dois Centros de Referência de Assistência Social (Cras e Crea). Enquanto a Polícia reivindica punição aos jovens envolvidos com o crime, a sociedade pede garantias de direitos.
“A violência transcende a atuação da Secretaria da Segurança Pública [e Defesa Social-SSPDS]”, afirmou o titular da Pasta, coronel Francisco Bezerra. Segundo ele, esta mazela social é consequência da falta de “amparo” aos jovens nos últimos 15 anos, reforçada pela imputabilidade criminal aos menores de 18 anos. “Hoje, nós temos menores que são muito mais perigosos do que um adulto formado”, frisou o coronel, ressaltando, ainda, as ações da SSPDS no ano passado: 23 mil pessoas presas, 2.200 por tráfico de drogas e 5.400 por roubos; e seis mil armas apreendidas. 

A Assistência Social, que deve amparar indivíduos, incluindo crianças e adolescentes, vítimas de qualquer violência ou violação de direitos também pode ser representada por números. Conforme informações da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social do Ceará (STDS), em 2012, o Crea Especializado de Fortaleza registrou 5.839 ocorrências, 18% sendo de violência física, 26% sobre negligência familiar e 20% de situação de risco (mendicância, ameaça de morte, exploração econômica e uso de drogas). Houve, ainda, 685 denúncias de violência sexual e 843 de violência psicológica.
JANGURUSSU DAS NECESSIDADES
“Assistência social deve ser, principalmente, o meio de a sociedade ser informada sobre seus direitos, e que eles sejam concretizados”, afirmou uma das fundadoras da Rede de Articulação do Jangurussu e Ancuri (Reajan), Joana D’arc da Silva. Entretanto, conforme ela, que também é líder comunitária dos bairros há 14 anos, o serviço social não consegue responder às reais demandas da sociedade. “Tem gente achando que o Bolsa Família substitui o emprego... ou que o Eca [Estatuto da Criança e do Adolescente] serve como incentivo à violência”, exemplificou.

Os dois bairros possuem cerca de 100 mil habitantes, distribuídos em nove comunidades, e possuem apenas dois Cras, um no Conjunto Palmeiras e outro no João Paulo II. “No papel, as políticas públicas de assistência social, que inclui estes equipamentos, são perfeitas. Mas não são aplicadas. Os Cras e o Crea são defasados, com pouco pessoal e equipamentos”, afirmou Joana. Os investimentos são poucos, apenas 1,7% das despesas totais da Prefeitura de Fortaleza, em 2012, foram direcionados à Assistência Social, totalizando R$ 78 milhões.
Combate ao trabalho infantil, cursos profissionalizantes para jovens e adultos, combate à violência domiciliar e aproximação dos serviços às comunidades são algumas ações sociais prioritárias, de acordo com a fundadora do Reajan. “Tudo é prioritário, porque há violação de quase todos os direitos básicos. Hoje, cobra-se deveres de quem não tem seus direitos garantidos”, avaliou Joana D’arc.
RESPONSABILIDADES E DIREITOS
Para o pesquisador do Laboratório de Estudos da Conflitualidade e Violência da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Geovani Jacó, a entrada de jovens na criminalidade é reflexo da falta de políticas públicas de proteção juvenil. “Por isso não é certo atribuir o protagonismo da criminalidade aos jovens, principalmente porque a Polícia desconhece as causas sociais que produzem a violência”, avaliou. Ele reforça a atuação conjunta da assistência social e da segurança pública, porém, ressalta que, para a efetivação desta articulação, é preciso que haja espaço para o diálogo, mudando a concepção apenas militarista da Segurança.
“A transferência de responsabilidade não é justa, porque a Polícia atua num vazio de políticas de segurança efetivas”, acrescentou. Duas ações, de acordo com Geovani, devem ser fundamentais quanto à violência e os jovens que a compõem: combate ao narcotráfico e a garantia de assistência social a crianças e adolescentes em situação de drogadição.

“Os órgãos de segurança devem essa resposta à sociedade, mostrando quem são os grandes narcotraficantes e punindo-os. E a assistência social deve garantir os direitos àqueles que tornam-se vulneráveis. O jovem em drogadição precisa de reabilitação e não apenas ser marginalizado. Eles ainda não são autores da criminalidade e a única instituição que os vê é a da repressão, a Polícia”, analisou o pesquisador.
SARA OLIVEIRA
saraoliveira@oestadoce.com.br

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