Opinião



REFLEXÕES SOBRE O VOTO NULO
Pedro Albuquerque*
Já preguei o voto nulo. Foi no tempo da ditadura. As eleições eram uma farsa e, com o voto nulo pretendíamos dar visibilidade à ilegitimidade desses pleitos. Mas, não nos contentava apenas em anunciar. Íamos à luta. Muitos foram presos e condenados por isso. Tenho perto de mim exemplos: a minha ex-esposa, mãe de meus filhos, e um irmão meu foram condenados a seis meses e a um ano de prisão, respectivamente, apenas pelo fato de terem pichado num muro de rua a insígnia «Vote Nulo».
Com a democracia, o voto nulo perde força e legitimidade. Se considerarmos a democracia como um fim em si mesmo, as eleições e a participação nos pleitos eleitorais passam a ser uma forma de tornar a democracia mais consolidada em nossa sociedade. Desde a conquista da democracia, nunca mais votei, nem preguei o voto nulo.   
Mas, se pode compreender melhor o sentido desse tipo de voto quando da realização do primeiro turno das eleições. Nessa etapa, os candidatos postos ao crivo do eleitorado não são escolhidos com a participação do povo. São os partidos políticos que os escolhem, muitas vezes de forma não muito democrática. Isso pode dar margem ao surgimento de candidatos saídos do colete de um chefe político ou a candidatos «laranjas». Se o eleitor não se sentir representado por nenhum desses candidatos, o voto nulo é compreensível.
Todavia, ao final do primeiro turno, se nenhum candidato obteve a soma dos votos válidos dos demais candidatos, mais um voto, impõe-se a realização da segunda rodada de votação. A escolha entre os dois candidatos mais votados torna-se mais democrática, porque eles deixaram de ser meras escolhas partidárias e passaram a ser mais legitimados, pois foram sufragados pelo voto popular.  Ademais, suas ideias, seu programa, seu histórico tornaram-se não só mais conhecidos, como mais debatidos no seio do povo. Nesse sentido, os dois candidatos em disputa são candidatos que a maioria relativa do eleitorado decidiu oferecer à polis para que esta proceda à escolha de um. Nada mais legítimo e democrático do que esse processo.
A democracia requer que as regras do jogo previamente pactuadas e estabelecidas sejam respeitadas. O mais lídimo respeito à regra da democracia na segunda rodada de eleições se dá quando, dentre os dois candidatos que milhares, às vezes até milhões, de pessoas sufragaram, nenhum deles é o candidato em quem votamos no primeiro turno.  Quem, tendencialmente, escolhe melhor, do ponto de vista da democracia, um só eleitor ou milhares? Isso exige mais humildade e tolerância para com a escolha do outro.  Não votar, com todo respeito aos que pensam contrariamente, é quebrar o pacto, as regras do jogo,  e congelar o nosso compromisso para com o destino da  cidade. Na política, o adágio popular «tanto faz Zeca como Cazuza» não é aplicável. Alguma diferença há de haver entre os dois, ainda que não seja de substância. Escolher é identificar diferenças. Distinguir um e votar nesse candidato é o mesmo que dizer: eu me coloco como um (a) dos (as) responsáveis por essa escolha. Se não escolho, vou deixar que os outros o façam por mim. Acontece que, na política, como em qualquer processo decisório, os ausentes nunca não têm razão.
  • Pedro de Albuquerque Neto, professor do Curso de Direito da Unifor

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