Polêmica da "Ficha Limpa" gera críticas e elogios

Apesar de afirmar que decisões do STF devem ser cumpridas, Sarney disse que o objetivo da lei era purificar o processo eleitoral
O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), classificou ontem de “frustrante” a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que validou a Lei da Ficha Limpa somente a partir de 2012. Apesar de afirmar que decisões do STF devem ser cumpridas, Sarney disse que o objetivo da lei era “purificar” o processo eleitoral. A decisão foi tomada na quarta-feira, 24, pelo STF (Supremo Tribunal Federal) por seis votos a cinco e com isso políticos barrados pela Justiça Eleitoral, que tiveram votos suficientes para se eleger, poderão assumir suas vagas.

Políticos barrados pela Justiça Eleitoral em 2010 que tiveram votos suficientes para se eleger poderão assumir suas vagas. Entre os beneficiados estão Jader Barbalho (PMDB-PA), Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), João Capiberibe (PSB-AP), Marcelo Miranda (PMDB-TO), eleitos para o Senado, e Janete Capiberibe (PSB-AP), eleita para a Câmara. “Eu acho que sim [é frustrante], porque esta lei foi muito discutida. Sobretudo teve a finalidade, nas eleições, de poder purificar o processo eleitoral. Mas o Supremo interpretou diferente. Nós temos que aceitar a decisão”, afirmou.

Sarney disse que o próprio STF deve decidir as regras para executar a nova interpretação da lei, sem a participação do Legislativo. “Isso é problema para interpretação dos juristas.” No Senado, quatro parlamentares vão ter que deixar a Casa com a decisão do STF: Marinor Brito (PSOL-PA), Gilvam Borges (PMDB-AP), Vicentinho Alves (PR-TO) e Wilson Santiago (PMDB-PB). O PSOL prometeu recorrer da decisão do Supremo, mesmo consciente de que o tribunal é a instância máxima do Poder Judiciário brasileiro. “Vamos para uma batalha jurídica. Isso é um retrocesso, uma agressão a um milhão e meio de brasileiros que assinaram a Lei da Ficha Limpa nas eleições passadas”, disse o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ).

Marinor disse que o tribunal endossou o retorno de políticos “ficha-suja” ao Congresso, entre eles, Jader Barbalho (PMDB-PA) - que retorna à Casa para assumir o seu mandato. “O Supremo não pode virar as costas para o povo. Eu lamento a postura do ministro Luix Fux. Não é possível que o STF condene o povo do Pará a uma representação da ‘qualidade’ [do senador Jader Barbalho].”
Borges, por sua vez, disse que vai cumprir a decisão do STF sem questionamentos. Ele deixa o Senado para o retorno de João Capiberibe (PSB-PB) - que, apesar de eleito em outubro, foi barrado pela Ficha Limpa. “Já estou limpando as gavetas, tirando os quadros da parede. É um fato consumado, bola pra frente. Nós sabíamos que as dificuldades seriam muitas porque a movimentação política foi intensa”, afirmou.

No Ceará
Para o presidente da Assembleia Legislativa, deputado Roberto Cláudio (PSB), a decisão do STF tem o grande mérito de pôr fim à incerteza referente à composição dos Legislativos municipais, estaduais e federais. “O mais importante neste processo foi que o STF decidiu julgar com celeridade a questão do Ficha Limpa, acabando com o cenário que existia de insegurança institucional, principalmente, nos parlamentos brasileiros. Sem julgar o mérito da decisão, foi muito adequada a decisão de priorizar esse julgamento, até para tranquilizar a classe política e organizar a composição dos parlamentos”.

O deputado acrescenta que o Supremo, ao encerrar o imbróglio jurídico-eleitoral, “evitou o aprofundamento de um cenário que não era saudável à democracia e muito menos à organização dos parlamentos”. Cláudio observa que eventuais alterações na bancada da Assembleia são assunto da alçada do Tribunal Regional Eleitoral cearense e, portanto, a composição da Assembleia não muda, por ora. “A Casa continua como está, a não que haja qualquer decisão judicial [do TRE] específica a algum mandato, decisão essa que nós certamente iremos obedecer”.

Frustração
O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Ophir Cavalcante, o vice-presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), arcebispo dom Luiz Soares Vieira, e o juiz Marlon Reis, representante do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, lamentaram, ontem, o fato de a Lei da Ficha Limpa não valer para as eleições de 2010.

“O sentimento que fica é de frustração e de uma derrota parcial. A sociedade avançou, mas a sua não aplicação, em 2010, nos trouxe um retrocesso”, disse Ophir. O presidente da OAB rejeita a tese de que a lei não poderia retroagir, pois ela traz punições, como disse mais cedo o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP). “A norma não trata de punição, mas de inelegibilidade”, disse. Ainda em sua opinião, os deputados e senadores beneficiados pela decisão não devem tomar posse imediatamente. Ele explica que a Justiça Eleitoral deve analisar caso a caso.

O vice-presidente da CNBB concorda que o sentimento é de frustração, mas pondera que a lei foi declarada constitucional, o que já pode ser comemorado. “Agora, é olhar para a frente”, resumiu. Marlon Reis disse que respeita a decisão do Supremo, mas também se sente no direito de lamentar. Segundo ele, no entanto, o fato positivo é que a partir de agora não há mais hipótese de a Lei da Ficha Limpa ser considerada inconstitucional. “Alguns pontos podem passar por nova interpretação, mas é claro que não precisamos de outra lei”, disse.

Precedente Perigoso
O líder do governo na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), elogiou a decisão do STF que anulou a validade da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2010. Na opinião de Vaccarezza, o resultado “reafirma o compromisso com a democracia e com o Estado democrático de direito”. “Uma lei não pode retroagir para punir. Não é correto mudar a lei no meio do jogo”, disse.

O líder argumentou ainda que se a decisão fosse diferente, um precedente “perigoso” seria aberto. “O Brasil deu um passo adiante, independente se favoreceu A, B ou C.” Ainda em sua opinião, o resultado, apesar de ser ruim para quem já tomou posse com base na Lei da Ficha Limpa, “ficaria pior para a democracia se permanecesse alguém que não está embasado no arcabouço jurídico”. Apenas no Supremo são 30 recursos de políticos barrados que serão analisados.

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