"Ronda do Quarteirão é polícia de fantoches"



Presidente da Associação de Praças da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar do Ceará - Pedro Queiroz

Após caso Bruce, soldados afirmam que formação policial é ineficaz


Por Sara Oliveira
Da Redação do Jornal O Estado

“O Ronda do Quarteirão é pura polícia de fantoches”. A definição foi de um dos soldados do programa de segurança pública implementado pelo Governo do Estado. Os policiais, que não quiseram identificar-se, temendo represálias, conversaram com a equipe do Jornal O Estado e expuseram a precariedade na formação daqueles que deveriam estar preparados para defender o cidadão, com qualidade e eficácia. Segundo M.A. e S.O. (iniciais dos nomes fornecidos), o conceito de policiamento “vendido” para os cearenses está repleto de incoerência e instabilidade. “Eu, há três anos na corporação, não estou preparado para atirar”, garantiu M.A.
Após o assassinato do garoto Bruce Cristian de Sousa Oliveira, no último domingo (25), os soldados estão envergonhados e apreensivos com o futuro de uma das instituições mais importantes da sociedade: a Polícia. “Tudo começa com a falta de investigação sobre a vida dos policiais, de onde eles vêm e quais são suas condições psicológicas para trabalhar seis dias seguidos. Depois com uma formação de fachada, com pouco ou quase nenhum aprendizado sobre como atuar. Os erros seguem pela falta de acompanhamento do policial. Você troca tiro, vê corpo e corre o risco de morrer, e a única coisa que te perguntam é se você está pronto para a próxima ocorrência”, desabafou S.O.

TREINAMENTO: “É UM
FAZ DE CONTA”
Mesmo com o crescimento da criminalidade nos últimos anos, o tempo de preparação para que o soldado comece a atuar na rua diminuiu. M.A., formado há três anos, passou apenas três meses recebendo as instruções do curso preparatório. O colega de profissão, S.O., formado em 1994, recebeu oito meses de aprendizado. A similaridade entre os cursos só existe quando constatada, pelos dois profissionais, a falta de acompanhamento técnico e prático. “Depois daquele período, que supostamente dá condições para o policial trabalhar, não há mais nenhum tipo de treinamento. Aliás, nós recebemos, no lugar disso, aulas de etiqueta à mesa e relaxamento indiano”, declarou M.A. De acordo com ele, durante os seis meses, as aulas de tiro acontecem em apenas dois dias, onde eles têm um treinamento com apenas cerca de 150 disparos.

Segundo os soldados, as táticas de abordagem, principal estratégia para que a ação policial seja bem sucedida, não são treinadas de forma intensiva. “É com a prática de abordagens que aprendemos a executar uma entrada tática e trabalhar em equipe. Mas isso não acontece”, explicou M.A. Já segundo S.O., a falta de preparo continua ao longo da vida militar. “Fiz curso para ser cabo e 50% da carga horária era inexistente. Não tinha instrutor e muito menos aula”, declarou. O psicológico também é um dos fatores que são ignorados pela equipe que monitora os policiais. “Existem até viciados em droga dentro da minha corporação”, disse S.O.

COTIDIANO
NA VIATURA
No dia em que Bruce morreu, na viatura onde estava Yuri Silveira, soldado suspeito pelo assassinato do garoto, só havia mais um soldado. “O motorista de uma viatura é 99% inoperante. Como ele vai ajudar alguém que está em uma ação de fogo cruzado, por exemplo?”, questionou S.O. De acordo com ele, as câmeras existentes dentro do carro funcionam, principalmente, para o monitoramento detalhista do fardamento usado pelos policiais. “Por várias vezes, o comandante liga dizendo que estamos sem a boina ou com a blusa desabotoada. Isso é ridículo”, falou M.A.
As funções dos policiais do Ronda, de acordo com as afirmações de M.A e S.O., generalizam o que, de fato, não contribui para a segurança da população. “Nós fazemos qualquer coisa, desde briga de vizinho ao trabalho ofensivo. Já fomos instruídos, inclusive, para cadastrar o números de vendedores de espetinhos nas áreas onde trabalhamos. E ainda tem meta de visitas às casas, parte do ‘disfarce’ [ironizou] do policiamento cidadão”, constatou S.O. “O governador vendeu um produto ao eleitor e efetivou outra coisa”, completou.

O presidente da Associação de Praças da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (Aspramace), Pedro Queiroz, retratou, através de sua experiência, a falta de preparação dos soldados. “Há 28 anos na Polícia Militar, conto nos dedos quantas aulas de tiro tive. A tentativa governamental de implantar um policiamento cidadão deveria estar atrelada à estrutura que cerca o cotidiano de um policial. Insistindo nos erros, a Polícia não age como deveria e os crimes aumentam. O aumento do uso de crack nos últimos quatro anos já é reflexo disso”, analisou.

FAÇO O QUE FOR NECESSÁRIO
O governador Cid Gomes continua consternado com o caso do jovem Bruce Cristian. Durante a visita feita ontem à central de digitalização dos processos do Judiciário Estadual (leia mais na página 13), o governador reiterou que acompanhará de perto as investigações e salientou que o Governo do Estado, através da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS), vai fornecer toda assistência psicológica à família e oferecer o que for necessário para “atenuar” a dor dos parentes de Bruce.

Por outro lado, Cid não confirmou se prestará suas condolências pessoalmente aos familiares. Ele ressaltou que isso pode causar publicidade desnecessária e pretende apenas realizar atos que não ultrapassem o limite da prestação de solidariedade aos parentes da vítima. “Se eu, um dia, resolver fazer uma visita à família, farei da forma mais discreta possível e longe dos holofotes da imprensa. Será uma visita de pai para um pai que perdeu um filho, vitimado por um agente do governo”, revelou.

Sobre possíveis indenizações do Estado, o governador mostrou-se cauteloso nas afirmações e apenas informou que a STDS está “conversando” com a família de Bruce. “O que a família necessitar, o governo terá total sensibilidade e abertura para oferecer”, explicou Cid Gomes.

MORTE DE BRUCE
De acordo com o coronel da Polícia Militar (PM), Werisleyk Pontes Matias, comandante do Ronda do Quarteirão, “nada do que houve está associado à má formação” dos soldados do programa. O comandante afirmou que o ocorrido foi consequência individual do soldado suspeito pelo assassinato e que o mesmo terá a punição adequada. Ele ressaltou que todos os policiais formados a partir de 2007 não “deram menos do que 250 tiros” durante o treinamento. O porta voz da PM, Major Marcos Costa, foi procurado pela equipe do jornal O Estado, mas eles não atendeu às tentativas de ligação.

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