Reportagem especial da Revista IstoÉ

O azarão apelativo

Popularesco e incitando a violência policial, Wagner Montes desponta em segundo lugar na corrida para governador do Rio em 2010
Francisco Alves Filho
REI DOS BORDÕES Há 25 anos na televisão, Montes aparece em pesquisas à frente de políticos tradicionais, como Garotinho e Gabeira

Quase no fim do programa "Balanço Geral", na Rede Record, as câmeras fecham em close no rosto do apresentador Wagner Montes. Após uma reportagem que mostrou policiais cariocas reagindo a tiros diante do ataque de traficantes, ele parabeniza os PMs e diz: "Pra mim, bandido bom é que nem mandioca: de cabeça para baixo e enterrado no chão." Esta é apenas uma das máximas do estranho ideário de Montes, o deputado estadual mais votado do Rio de Janeiro, pelo PDT.

Seu bordão de incentivo à truculência policial, que muitos populares repetem nas ruas, é um inqualificável "escracha!". Com a bandeira da segurança pública na mão, Montes desponta agora em segundo lugar nas primeiras pesquisas de intenção de voto para a eleição ao governo do Estado no ano que vem. De acordo com o Instituto GPP, o apresentador e deputado tem 21% de intenção de voto, atrás apenas do governador Sérgio Cabral, com 27,3%, e à frente de políticos conhecidos como Anthony Garotinho e Fernando Gabeira.

Os partidos ainda não lançaram oficialmente os candidatos, mas o levantamento revela seu cacife. Montes diz que ainda não decidiu se vai concorrer ou não. "Estou à disposição do partido", repete de forma protocolar. No entanto, sabe muito bem quanto as pesquisas valorizam sua cotação. "Candidato ou não, a escolha tem que passar por mim", anuncia. Sua certeza é baseada em dois ingredientes de sua receita eleitoral: explorar o tema da violência e a popularidade na tevê. Fluminense que é, ele sabe como a segurança pública preocupa o eleitorado do Estado, perplexo com tantos tiroteios e balas perdidas.

Com 25 de seus 55 anos de vida dedicados à carreira na tevê, Montes certamente terá boa performance no horário eleitoral, caso saia mesmo candidato a governador. Ele é um comunicador muito popular e seu programa é um grande palanque. Improvisa muito, brinca com os operadores do estúdio e faz piada até com a prótese que substitui a perna direita, amputada depois de um acidente ocorrido em 1981. "Como tem aparecido muito mosquito lá em casa, quando vou dormir, deixo a perna mecânica para fora do lençol. Os mosquitos se dão mal", conta no programa, às gargalhadas. Volta e meia deixa escapar um palavrão e a descontração é tanta que certa vez um dente postiço saltoulhe da boca enquanto estava no ar e ele o pegou no chão e o recolocou na frente das câmeras, sem a menor cerimônia.

A cena é sucesso no YouTube. É nesse clima que por vezes Montes chega ao primeiro lugar de audiência no Rio. Seu programa vai ao ar de segunda a sexta, das 12h às 14h.

Apesar de seu discurso linha-dura na tevê, Montes tem boa relação com colegas progressistas como Alessandro Molon (PT) e Marcelo Freixo (PSOL), que preside a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e luta contra as milícias e grupos de extermínio. "Na televisão ele faz um personagem do qual discordo em quase tudo. Imaginei que teríamos muitos embates", diz Freixo. "Surpreendentemente, aqui na assembleia é um aliado da defesa dos direitos humanos." Montes se diz contra a pena de morte porque "só seriam condenados os pobres e os pretos".

Sob os holofotes, o apresentador gasta um bom tempo vociferando ginais e gosta de repetir um trocadilho jocoso: "Acho que os direitos humanos devem ser preservados para os humanos direitos." Essa postura dúbia é criticada por especialistas em segurança pública. "Esse tipo de atitude tem efeito devastador, é uma das maiores contribuições à cultura da violência", ataca o antropólogo Luiz Eduardo Soares. "Essa demagogia maniqueísta que transforma policiais em heróis e bandidos em algo a ser eliminado é eficiente politicamente."


Na última eleição à Prefeitura do Rio, Montes apareceu bem cotado nas pesquisas, mas acabou fora da disputa. Na época, comentou-se que sua desistência teria acontecido por ordem de Edir Macedo, dono da Record e cabeça da Igreja Universal do Reino de Deus, para evitar que o apresentador atrapalhasse os planos do senador Marcelo Crivella, bispo da mesma igreja, que concorreu pelo PRB. "Não houve nada disso", rebate Montes.

Mesmo antes de confirmar sua candidatura, ele esboça um discurso. "É preciso dar escola às crianças para tirá-las do crime", defende, ironicamente ao lado de uma estranha peça de decoração de sua mesa - uma miniatura do Caveirão. O carro de combate é o pesadelo de moradores das favelas. Mas, para quem costuma incentivar na tevê a ferocidade da polícia, que já é considerada uma das mais violentas do mundo, faz sentido. Montes sabe que com esse estilo agrada em cheio a uma boa parcela do eleitorado.

"A um ano da eleição, esses números representam mais um índice de popularidade que intenção de voto", afirma o especialista em estatística e marketing Herich Ulrich, diretor da UP Pesquisas. Ou seja, somente quando a campanha começar o eleitor vai refletir melhor sobre a escolha. Para Ulrich, Montes é quase um anticandidato, que usa seu poder de comunicação para tratar do assunto mais caro à população. Um detalhe importante é que sua forma de abordar o problema não ajuda em nada na solução.

Nenhum comentário:

Postar um comentário