Opinião

Josias de Souza


Guedes se arrepende e se desarrepende em seguida

Carolina Antunes/PR/Agência Brasil
Imagem: Carolina Antunes/PR/Agência Brasil
Josias de Souza
Colunista do UOL
21/02/2020 00h43
O arrependimento, como se sabe, é algo que ocorre no intervalo entre dois pecados. Mas Paulo Guedes inovou. Ele conseguiu se arrepender e se desarrepender na mesma frase. Quem ouviu não sabe se o ministro da Economia pediu desculpas ou reafirmou a ofensa.
Na semana passada, Guedes dissera que, num cenário de dólar barato, até as empregadas domésticas estavam viajando para a Disney. Nesta quinta-feira, escalado para discursar numa cerimônia no Planalto, o ministro tentou se reposicionar em cena. Declarou o seguinte:
"Quando fazemos política econômica, estamos pensando em todos os brasileiros e, particularmente, nos mais humildes. E aquele modelo antigo, com juros lá em cima, transformava os empresários e empreendedores brasileiros em rentistas. Em vez de fazerem investimentos, criarem empregos... Rentistas. Justamente, também as famílias mais humildes, empregadas domésticas, inclusive, a quem eu peço desculpas, se puder ter ofendido, dizendo que a mãe do meu pai foi uma empregada doméstica."
Quer dizer: O czar da Economia pede desculpas às domésticas, mas não dá o braço a torcer. "Se puder ter ofendido...", ele declarou, eximindo-se de preventivamente de culpa. A plateia, condoída, aplaudiu. Mas as pessoas deixaram o Planalto sem saber se Paulo Guedes levaria sua avó à Disney.
Noutro trecho confuso do seu discurso, o ministro fez referência à canelada que o general Augusto Heleno dera no Congresso no dia anterior. Abespinhado com o desejo dos parlamentares de controlar um pedaço do Orçamento da União por meio de emendas impositivas, o general dissera que o governo não pode aceitar as chantagens dessa gente. Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, presidentes da Câmara e do Senado, chiaram.
Paulo Guedes tomou as dores do general: "É normal que o Congresso queira entrar no orçamento, mas não precisa pisar no nosso pé. Tem um orçamento de R$ 1,5 trilhão, por que nós vamos brigar por causa de R$ 10 bilhões ou R$ 15 bilhões ou R$ 20 bilhões?"
Ele prosseguiu: "Pode haver um exagero de um lado, do outro. Todo mundo fica nervoso, é natural isso. Às vezes, fica nervoso lá o Congresso, achando que nós estamos pressionando. Às vezes, ficam nervosos os do nosso time, do lado de cá, porque fala: 'Espera aí, nós temos o presidencialismo, não estamos no parlamentarismo brando. Esse empurra-empurra é normal, é pelada, um chutou canela do outro e tal, o jogo segue'."
Como resolver? Guedes sugeriu perseverar na busca do equilíbrio fiscal. Reiterou a necessidade de aprovar as reformas tributária e administrativa. Há no Congresso duas propostas de reformulação do sistema tributário. Nenhuma delas traz as digitais do governo. A reforma administrativa, que deveria ter sido enviada em novembro, continua no gavetão dos assuntos pendentes do Planalto.
Ou seja: o ministro da Economia pede ao Congresso pressa na aprovação de reformas que o governo não fez ou ainda não entregou. Se Paulo Guedes continuar soando assim, tão confuso, os brasileiros que apreciam o seu trabalho vão acabar concluindo que se precipitaram ao enxergar um certo ministro como ministro certo.

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