Colombiano recebe ordens do patrão

Presidente da Colômbia toma posse sob pressão de reduzir produção de drogas

Iván Duque terá que reverter o aumento dos cultivos de coca e da produção de cocaína, registrado com o acordo de paz que desarmou a principal guerrilha de esquerda



O presidente eleito da Colômbia, Iván Duque, a pouco mais de um mês da posse no cargo, em 7 de agosto, acaba de retornar dos Estados Unidos sob pressão das autoridades americanas para reverter o “inaceitável” recorde no aumento das áreas de cultivo de coca e da produção de cocaína em seu país, o maior fornecedor mundial da droga. Números divulgados recentemente expõem o insucesso da política de incentivos governamentais para a substituição do plantio ilegal, prevista no acordo de paz de 2016 entre o governo do presidente Juan Manuel Santos e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), transformadas em partido político após a deposição das armas. Ferrenho opositor dessa e de outras cláusulas do pacto, Duque tem o apoio de Washington para lançar uma abordagem mais repressiva contra o narcotráfico, cujo controle é agora disputado pelo Exército de Libertação Nacional (ELN) e por grupos criminosos, após a desmobilização das Farc.

O político de direita, aliado do ex-presidente Álvaro Uribe,  iajou aos EUA para uma extensa agenda de compromissos, na semana passada, ao mesmo tempo em que eram divulgados resultados alarmantes de dois levantamentos sobre o assunto: um do Gabinete Nacional de Controle de Drogas (ONDCP, em inglês) americano e outro do Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC, em inglês).

Segundo estimativas do ONDCP, a área de cultivo de coca na Colômbia expandiu-se 11% em 2017, alcançando 209 mil hectares, em seu mais elevado nível histórico. A capacidade de produção de cocaína no país, segundo o organismo americano, teria aumentado 19%, de 772 toneladas (2016) para 921 toneladas (2017). Para o UNODC, a produção global de cocaína em 2016 “alcançou o maior nível já registrado”, com uma estimativa de 1.410 toneladas e um aumento de 25% em relação a 2015. Na Colômbia, segundo o órgão, ela cresceu em mais de um terço entre 2015 e 2016, chegando a 866 toneladas. Dos 213 mil hectares dedicados ao plantio de coca em todo o mundo, 69% estão na Colômbia.

Duque assegurou ter recebido o apoio das autoridades americanas à estratégia traçada para reverter o aumento do cultivo de coca nos próximos dois anos. Sem falar da necessidade de implementar a cláusula do acordo de paz que trata da substituição de cultivos, o presidente colombiano anunciou que busca “combinação de segurança e desenvolvimento social” para retomar os resultados obtidos entre 2010 e 2012, quando as plantações ilícitas não excediam 50 mil hectares. Também anunciou a disposição de usar drones para pulverizar herbicidas, desde que não usem produtos químicos proibidos pelo Tribunal Constitucional, que os danos a terceiros sejam mitigados e que ferramentas de precisão sejam aprimoradas.

Negociações


Na viagem a Washington, Duque explicou a política que pretende adotar durante audiências com o secretário de Estado Mike Pompeo; o senador republicano Marco Rubio; a diretora da Agência Central de Inteligência (CIA), Gina Haspel; o conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton; e o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro. “Minha maior satisfação é que o Congresso, o secretário de Estado e as agências governamentais com os quais falamos confiam na agenda que estamos propondo para a Colômbia, para que possamos ser muito efetivos contra as drogas nos próximos dois anos”, disse.

Duque partiu para os EUA dias depois de receber um telefonema em que o vice-presidente americano, Mike Pence, o parabenizou pela vitória eleitoral e cobrou empenho nas ações antidrogas. De acordo com a Casa Branca, Pence reforçou “a necessidade de se mover de forma decisiva para cortar a produção e o tráfico de drogas”.

A nova onda de pressão americana sobre Bogotá ocorre após quase duas décadas de execução do Plano Colômbia, por meio do qual os EUA investiram bilhões de dólares para equipar e treinar as forças oficiais colombianas na guerra contra o narcotráfico. Longe desses objetivos, porém, foi acrescentada ao projeto a intervenção militar estrangeira no crônico conflito envolvendo a polícia e o Exército contra  as guerrilhas de esquerda (Farc e ELN) e grupos paramilitares de direita. Depois de diminuírem por vários anos seguidos, tanto o cultivo de coca quanto a produção de cocaína têm aumentado drasticamente nos últimos cinco anos, um aspecto crucial e doloroso da relação do país com os EUA.

Mercado dá as cartas


O professor Alexander Gillespie, da universidade neozelandeza de Waikato, afirmou que, embora Washington pressione a Colômbia a frear a produção e o tráfico de drogas, uma das raízes do problema está justamente nos Estados Unidos, onde o número de novos usuários de cocaína cresceu 81% desde 2013. O total de mortes por overdose da droga duplicou no mesmo período, segundo o Gabinete Nacional de Controle de Drogas (ONDCP, em inglês).

“Não há novidades nessa divulgação sobre o aumento do cultivo e da produção de cocaína na Colômbia. É apenas uma tendência continuada de mais usuários de drogas e mais demanda a cada ano”, afirmou Gillespie ao Correio. “A droga corresponde à demanda, e é preciso perceber que a pureza da cocaína está aumentando e o preço, caindo. Ambos são indicativos de mais, não de menos oferta”, continuou, observando que o aumento do consumo de cocaína é um fenômeno mundial. A Colômbia responde por 70% do fornecimento.

Para Benjamin Smith, professor da Universidade de Warwick, no Reino Unido, “desde que o presidente Nixon anunciou a guerra às drogas, em 1971, ela continha uma certeza: uma completa incapacidade de alcançar os objetivos declarados”. Na opinião do estudioso, “enquanto os gastos com a proibição das drogas aumentaram, o uso aumentou, a variedade de narcóticos orgânicos e artificiais aumentou e o preço dos remédios diminuiu”, observou.

Para Smith, raramente o objetivo real dessa guerra foi sufocar as drogas. “No caso do Plano Colômbia, ela desempenhou três papéis, sendo o primeiro o fortalecimento de certas instituições, incluindo o Exército, e o poder e influência da DEA (agência antidrogas americana), tanto em Washington quanto na América Latina”, disse.

“Em segundo lugar, manteve-se à tona o complexo industrial militar americano. Em terceiro lugar, ajudou os EUA e certos aliados a construir apoio e poder político dentro da própria Colômbia. Nesses termos, o Plano Colômbia tem sido um sucesso desenfreado”, ironizou Smith.

Na visão de Alexander Soderholm, da London School of Economics and Political Science, “o que a Colômbia precisa é de um compromisso com uma abordagem abrangente de desenvolvimento, para livrar da pobreza e da insegurança as comunidades afetadas pelas drogas ilícitas”. Essa abordagem  “teria de reconhecer que a coca, em alguns casos, é a única opção viável para meios de subsistência e geração de renda em comunidades rurais e marginalizadas e, como tal, uma redução instantânea na coca não deveria ser o objetivo, mas sim uma transição sustentável da coca para culturas lícitas, através do desenvolvimento rural integral”, disse.

“Isso requer que políticos e líderes assumam um compromisso sustentado com uma abordagem que coloque o envolvimento militar no fim de uma lista muito mais longa de intervenções voltadas ao desenvolvimento.”

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