Cármen Lúcia: sem imprensa livre, Justiça e Estado não funciona direito

Uma série de 16 documentos inéditos revela a operação secreta nos anos 1970 entre ditaduras da América do Sul contra o governo do então presidente dos EUA, Jimmy Carter (1977-81). Segundo os papéis, os militares montaram uma reação em bloco, do qual o Brasil não quis participar, contra críticas de Carter sobre as violações de direitos humanos que ocorriam na região. Os documentos, que têm carimbo de secreto, foram obtidos pelo pesquisador Matias Spektor, colunista da Folha de S.Paulo e professor de relações internacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Os textos descrevem uma operação de codinome Faro a partir de 9 de maio de 1977, quando o presidente Ernesto Geisel recebeu uma carta do colega uruguaio. Aparicio Méndez anunciou uma missão de seu enviado ao Brasil, o general Gregório Alvarez, então chefe de divisão do Exército e que viria a governar o Uruguai em 1981 – o país sofreu um golpe de Estado em 1973. Geisel recebeu a cartas das mãos de Alvarez em audiência no Palácio do Planalto.
O uruguaio disse que seu governo estava preocupado com “as posições políticas assumidas pelo presidente Carter desde sua posse”, em especial “a campanha relativa aos direitos humanos e as medidas concretas levadas a efeito contra alguns governos latino-americanos”. Alvarez disse a Geisel que havia um “perigo” entre medidas analisadas no Banco Mundial e no Banco Interamericano de Desenvolvimento, pois os EUA queriam vincular a proteção dos direitos humanos à liberação de recursos. Propôs uma reunião dos presidentes da região e disse que o plano já tinha o apoio de Argentina, Paraguai e Chile.
No mesmo dia, segundo os documentos, Geisel convocou uma reunião no Palácio da Alvorada com o chanceler brasileiro, Azeredo da Silveira, e os ministros e generais João Baptista Figueiredo (SNI), Hugo Abreu (Casa Militar) e Golbery do Couto e Silva (Casa Civil). Geisel decidiu que sua participação no esforço contra Carter seria inoportuna e inconveniente. “O quadro político brasileiro não é idêntico aos dos demais países do cone sul, que estão passando por uma etapa indispensável da repressão da subversão”, disse.
Sem blocos
Além disso, “o Brasil sempre seguiu a política de não criar blocos [e] não participar de blocos” regionais, e um grupo como o sugerido criaria desconfianças. Para Geisel, “é muito mais eficaz que os países atingidos por alguma dessas medidas tenha ação concertada, mas não pública”. No encontro, o general afirmou que Alvarez lhe explicou que a ideia era “uma ação destinada a convencer o governo norte-americano da necessidade de corrigir algumas de suas diretrizes, de modo a fortalecer o mundo ocidental”.

Geisel ponderou: “O resultado aparente final será a criação de um grupo para combater a atual administração norte-americana, o que trará graves danos à política bilateral com os EUA e o relacionamento dos países do cone sul com os demais do Ocidente”. Para ele, “o que importava e ainda importa é quebrar o ‘impetus’ inicial da administração norte-americana, o que parece estar acontecendo”.
Em seguida, Geisel determinou que o general Octavio Aguiar de Medeiros levasse pessoalmente sua resposta durante reunião em Montevidéu, de 12 a 16 de maio de 1977, com representantes do Uruguai, Argentina, Bolívia, Chile e Paraguai. Medeiros disse, depois, que procurou mostrar, no encontro, “as dificuldades e os inconvenientes” de uma ação contra os EUA. O general Alvarez retrucou falando do “desrespeito dos EUA à soberania dos países.

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