Fake news: espaço para o ódio e o controle da política
Eduardo Faria Silva*
Atenção!
A polícia federal confirmou hoje que o filho do Lula era sócio da
Friboi e que recebeu recursos no exterior. O resultado da investigação é
determinante para inviabilizar a candidatura do ex-presidente. A mesma
perícia nas contas da empresa mostrou repasses para Aécio Neves e
Luciano Huck em conta conjunta em paraíso fiscal. Compartilhe a notícia.
Salve o país da corrupção!
Os nomes, as situações e os pedidos da mensagem são comuns
no ciberespaço e merecem nossa análise. Estamos lendo uma notícia falsa
(fake news) que viraliza em segundos pelos aplicativos dos smartphones e
causam um dano político incalculável. Os compartilhamentos e as
curtidas ganham força quando o produtor das fake news apresenta
informações aparentemente verdadeiras, numa linguagem fácil e destinada a
um público que já tenha uma opinião desfavorável em relação aos
personagens envolvidos na mentira. O fenômeno recente – que definiu 2016
como o ano que marca a era da pós-verdade – suscita uma série de
análises sobre o ambiente virtual. No entanto, vamos nos concentrar em
dois pontos para a nossa reflexão: o discurso do ódio e o controle da
política.
O conteúdo das notícias falsas na política é caracterizado
pelo ódio em relação ao outro. Significa que, majoritariamente, as fake
news desprezam um dos elementos constitutivos das sociedades modernas
pós-segunda guerra mundial, que é a capacidade de reconhecimento do
outro e do diálogo. Ambas são condições para construção de processos
políticos civilizacionais que permitam concordar e discordar ou criar
consensos e dissensos dentro de um ambiente de valores políticos
democráticos e republicanos.
Avançando na nossa análise, a negação do outro significa a
nossa própria morte como sujeito que vive em sociedade. Como mostrou
Hannah Arendt, os campos de concentração foram grandes espaços de
negação e de banalidade do mal orientados pelo ódio. Não estamos
afirmando a necessidade de concordar com o outro, mas de reconhecê-lo
como um sujeito discursivo – mesmo que nós discordemos totalmente dele.
Aqui está a essência da política com traços democráticos e que nos
distancia de regimes autoritários ou totalitários.
Considerando o outro e o diálogo como centrais no século
21, como devemos proceder para controlar as notícias falsas? A resposta é
mais complexa do que imaginamos. Em primeiro, porque o ciberespaço
organizado em escala global e de acesso difuso para parte significativa
da população mundial não tem 20 anos. Isso significa que estamos
experimentando novidades tecnológicas diárias numa velocidade de
transmissão exponencial em que ainda não conseguimos mensurar quais
serão os impactos disso nas pessoas. Vamos pensar quantas mensagens
recebemos, lemos na íntegra, pensamos de maneira profunda e respondemos
corretamente todos os dias no Facebook, WhatsApp, Twitter, Instagram,
etc. Conseguimos contabilizar enquanto estudamos e trabalhamos? Sem
contar as mensagens que recebemos na madrugada. Parece que ninguém mais
dorme! Dessa forma, a qualidade dos filtros sobre as notícias recebidas e
compartilhadas é muito limitado.
O segundo ponto, e talvez um dos mais complexos para
enfrentarmos no momento, está ligado ao funcionamento dos algoritmos que
orientam os aplicativos usados e a arquitetura de funcionamento das
redes. Sabemos como funciona? Estamos cientes de como e de quem define o
que aparece na nossa linha do tempo do Facebook ou do Google? Sabemos
quem tem o controle? Conhecemos quais são as empresas especializadas em
criar tendências a partir de notícias falsas? A ausência de respostas
efetivas e transparentes para as poucas perguntas formuladas já
demonstra que os projetos de leis, como PL 473/17, do senador Ciro
Nogueira (PP/PI) e PL 6.812/17 e 7.604/17, do dep. Luiz Hauly (PSDB/PR),
que buscam regular o compartilhamento de notícias falsas pelos usuários
são limitados, insuficientes, ineficazes e até mesmo perigosos.
O perigo encontra-se no controle político que poderá ser
realizado pelos órgãos públicos e privados sem que a sociedade tenha
acesso real aos mecanismos e procedimentos adotados. As decisões tomadas
no Brasil já demonstram o caminho do controle. O Tribunal Superior
Eleitoral, na presidência do ministro Gilmar Mendes, optou por envolver
as Forças Armadas e Agência Brasileira de Inteligência no controle das
redes. Dito de outra forma, podemos falar que o estado brasileiro
potencialmente colocou, em cada dispositivo que utilizamos, um soldado
para vasculhar as nossas informações, ou seja, somos alvos militarmente
controlados. Alternativas privadas também apresentam dilemas jurídicos e
éticos sobre o controle dos usuários.
Estamos num novo período da nossa organização social que
merece uma profunda análise orientada por valores democráticos e
republicanos, pois a ficção do passado transformou-se em realidade. A
combinação do ódio e do controle político difundidos pelas notícias
falsas coloca-nos na mesma condição dos personagens de George Orwell no
livro 1984. Se avançarmos neste caminho podemos terminar com um
“Ministério da Verdade” – público ou privado –, criado para combater as
notícias falsas, mas que na prática, retira as nossas liberdades e nos
deixa sem saber quem realmente está produzindo as fake news sobre
política, previdência, o mercado de trabalho, a educação e a saúde.
*Eduardo Faria Silva, coordenador-geral dos
cursos de Pós-Graduação em Direito e coordenador e professor da
Pós-Graduação de Direito Constitucional e Democracia da Universidade
Positivo (UP). É doutor em Direito.
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