A voz das ruas decide por Ministros

Supremo vive bolivarianização  de forma invertida, diz Gilmar

Ministro diz que colegas, em certos casos, decidem de acordo com as ruas


  • Mônica Bergamo
    São Paulo
    O ministro Gilmar Mendes, do STF, com a mão no queixo
    O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal) - Fátima Meira Futura Press/Folhapress
    O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), transfere nesta terça (6) a presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) ao colega Luiz Fux.
    Depois de quase dois anos presidindo a corte, ele diz que são remotas as chances de Lula conseguir ser candidato --mas defende o direito de o ex-presidente recorrer ao STF para evitar a sua prisão.
    Diz que fica calmo quando é xingado na rua e que as pessoas que o atacam têm menos responsabilidade que a mídia. Afirma ainda que avisou a "certos diretores de redação" que já sabe quem são os responsáveis caso algo grave aconteça com ele.
     
    Folha - Com a experiência de presidir o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e comandar eleições, qual é a possibilidade, na sua opinião, de Lula chegar ao dia das eleições, 7 de outubro, como candidato?
    Gilmar Mendes - A inelegibilidade depois de uma condenação em segundo grau talvez seja uma das poucas certezas que a gente tenha em relação à Lei da ficha Limpa.
    Mas já não houve candidatos que concorreram mesmo depois de condenados?
    A não ser que se consiga a suspensão da condenação no âmbito penal, a pessoa está fora do processo. A condenação é quase que uma inelegibilidade aritmética.
    Não há a possibilidade de a tramitação do caso se prolongar no TSE a ponto de ele concorrer até o fim?
    Acho muito difícil, nesses casos de grande visibilidade [que o processo demore], porque isso envolve a autoridade da Justiça Eleitoral. Em geral a nossa orientação tem sido a de acelerar esses processos, para evitar uma chicana.
    E qual é a possibilidade de o STF (Supremo Tribunal Federal) garantir Lula na eleição, por meio de uma liminar?
    O Supremo já declarou várias vezes a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. Não me parece que haja essa possibilidade. Não estou falando do caso concreto, mas sim das práticas que nós temos tido.
    A presidente do STF, Cármen Lúcia, disse que usar o caso de Lula para rediscutir a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância seria apequenar o tribunal.
    A questão vai chegar de um jeito ou de outro no Supremo. E Lula tem todo o direito, constitucional, de recorrer.
    Eu estou dizendo isso. Não sei quantos ministros nomeados por ele falariam o mesmo. Mas é legítimo direito do presidente buscar a proteção dos seus direitos. Deixar de apreciar [o caso de Lula] seria discriminatório. Me parece óbvio, cristalino. A questão será discutida. O que pode ser decidido? Resultado, só depois do jogo.
    O STF, e o senhor especialmente, têm recebido inúmeras críticas. Uma delas é a de que o tribunal agrava a crise no país ao permitir a insegurança jurídica.
    Vivemos momentos peculiares, obviamente. Assumimos uma centralidade que não deveríamos ter. Passou-se a levar para o STF questões que não deveriam passar por lá. Mas o tribunal atuou ao longo dos anos de forma adequada. Deu contribuições importantes na área fiscal. Tomamos decisões importantes de orientação e moderação, como a súmula das algemas. Mas houve muitas mudanças ao longo dos anos [na composição do STF].
    Eu tinha um temor de que, naquele quadro político conturbado [dos governos do PT], houvesse um tipo de bolivarianização [referindo-se ao regime da Venezuela] do tribunal, de se indicar agentes políticos para novas vagas.
    Hoje a gente vive uma bolivarianização de forma invertida. Não é mais um agente político que manda o tribunal decidir desta ou daquela maneira. Alguns ministros, em alguns casos, decidem de acordo com o que as ruas podem imaginar que é justo.
    Nossa função é decidir de forma contramajoritária. E não bater palma para maluco dançar. Se perguntarmos o que as pessoas querem em relação aos que praticaram crimes, é pena de morte. Linchamento. Até se compreende esse sentimento. Mas o tribunal não pode ecoar esse tipo de coisa. Tem ecoado muitas vezes. E se tornou caixa de ressonância do Ministério Público. Em certos casos, passou a ser carimbador [de decisões do MPF], e de forma vexatória.
    Se os ministros não são candidatos a nada e não podem ser removidos de seus cargos, por que imaginar que cedem à opinião pública e não que votam por suas convicções?
    Estamos vivendo uma fase populista da sociedade e as pessoas têm medo de serem criticadas, atacadas, ou de sofrerem, em sua vida pessoal, um escrutínio mais forte por parte da mídia, o que é comum quando se nada contra a corrente.
    Acabou-se criando, em muitos casos, restrições ao habeas corpus, o que viola a tradição do STF, ou a conversão do tribunal em muitos casos em mero órgão de chancela da Procuradoria.
    Outra crítica ao STF é a invasão da competência de outros poderes. A presidente Cármen Lúcia impediu o presidente Michel Temer de nomear a ministra do Trabalho, Cristiane Brasil. E o senhor impediu a então presidente Dilma Rousseff de nomear Lula.
    No caso do Lula, havia indicações de que ele estava sendo nomeado para receber foro e fugir do processo de Curitiba. Era um contexto de fraude processual.
    O outro caso é diferente. Será que nenhum juiz tem ação trabalhista? [Cristiane Brasil foi impedida de tomar posse por responder a processos trabalhistas]. Chega a ser engraçado. O moralismo é o túmulo da moral.
    Agora, por que isso está ocorrendo? Pela debilidade do governo. Se fosse um governo normal, forte, que não tivesse passado por tantos percalços, quem ousaria dar essa liminar? Ela não duraria um minuto. Porque é um caso de infantilismo judicial.
    A questão do indulto [Cármen Lúcia impediu, por meio de liminar, que Temer desse indulto a presos brasileiros] é outro exemplo. Se louvam em argumentos inconsistentes e mistificadores que a imprensa ajuda a espalhar.
    Por que inconsistentes?
    Disseram que o indulto beneficiaria presos na Operação Lava Jato. E não se mostra um réu da Lava Jato que seria beneficiado. Não obstante, a procuradora-geral [Raquel Dodge] pede [liminar] e a presidente do Supremo confirma, com esse argumento. Veja!
    É preciso respeitar um pouco os fatos. Pode ser que nós tenhamos milhões de botocudos ainda. Mas respeitem a inteligência da gente.
    Há também uma certa irresponsabilidade alimentada pela mídia. Se alguém bate palma para maluco dançar é uma boa parte da mídia.
    Mas qual seria o interesse da mídia nesse assunto?
    Ela tem lado. "Ah, o governo está fazendo um mal." E é irresponsável. Porque [a suspensão do indulto] agrava o caos penitenciário [deixando presas] pessoas que estão esperando porque já cumpriram parte da pena. Isso [o indulto] tem funcionado ao longo dos anos, até com a perspectiva de uma certa restrição ao modelo punitivo.
    Então esse é o ambiente que se criou, em que determinados interlocutores podem falar o que quiser. Há um escrutínio frágil do que eles dizem. Por isso se diz muita besteira.
    O senhor recentemente foi xingado em Lisboa e em um avião. Como se sente?
    Aqui tem uma grande responsabilidade da própria mídia. A mídia, num período recente, virou caixa de ressonância do MPF. Alguém [ministro do STF] vai decidir [num processo da Lava Jato], "ah, ele é suspeito por isso e por aquilo". Vazavam. E colocavam no "Jornal Nacional".
    Por que as grandes organizações se acoplaram a isso? Elas ficaram dependentes e inseguras em relação ao empoderamento desses órgãos.
    Na hora em que é xingado, não tem vontade de reagir?
    Eu fico absolutamente calmo. Sei do meu papel, que é histórico, de impedir esse quadro de abusos.
    Sei que a responsabilidade é menos dessas pessoas e mais de certa mídia. A mídia foi responsável por esse processo de fascismo que se desenvolveu.
    E eu já avisei a certos diretores de redação que, se algo grave acontecer comigo, sei quem são os responsáveis.
    Há críticos que dizem que o senhor invoca o princípio da liberdade para, na verdade, julgar pessoas próximas quando deveria se dar por impedido.
    Precisa demonstrar qual é o caso.
    O do empresário Jacob Barata. O senhor foi padrinho de casamento da filha dele.
    É uma pessoa que vi uma vez. Fui ao casamento porque minha mulher [Guiomar] era tia do noivo. Um casamento que depois se desfez.
    Se formos inventar impedimentos, teremos manipulação de resultados no STF.
    Ou temos essa dimensão ou vira essa coisa terrestre, pedestre, rastaquera. É esse hoje o nível do debate no Brasil.
    Há críticas também ao fato de o senhor mudar de posição em relação à prisão depois de condenação em segunda instância. Segundo elas, o senhor estaria fazendo isso para beneficiar seus amigos.
    Mas que amigo? Eu não tenho amigo que esteja correndo risco de prisão. Isso virou o Brasil, essa coisa rastaquera.
    Votei a favor [da prisão depois de segunda instância] entendendo que ela era permitida. Mas o que passou a ocorrer? Virou regra, como se tivesse sido um axioma. Se tornou imperativa, nesse ambiente de caça às bruxas.
    É esse debate, nesse contexto geral, que eu recoloquei. Vamos ter que fazer uma leitura política disso.
    O STF derruba o auxílio-moradia?
    Se aplicarmos a lei, com certeza. A autonomia financeira dos tribunais terá que ser rediscutida. Nós criamos castas dentro desse modelo.
    Doutor Calças fica nu ao falar de auxílio-moradia Comente Josias de Souza 06/02/2018 02:31 Compartilhe Imprimir Comunicar erro [Moacyr Lopes Jr./Folha] O nome dele é ... - Veja mais em https://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2018/02/06/doutor-calcas-fica-nu-ao-falar-de-auxilio-moradia/?cmpid=copiaecola

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