PELO EM OVO: PROCURA-SE. PARA FUGIR DO TEMA PRINCIPAL
MARLI GONÇALVES
São
diálogos surdos, discussões estéreis. Beiram o ridículo porque não há
argumentos, só contrapontos de ataques. Entendi. O que se quer é brigar.
Não é resolver nada, nem conversar civilizadamente. Cada um puxa a
sardinha para o que melhor lhe convém. Antigamente chamávamos isso de
tirar uma sardinha...
Mais
especificamente “tirar a sardinha com a mão do gato” – tentar obter
vantagem com o esforço de outra pessoa. Juro, nunca vi tanta gente
entendida em feminismo, assédio, violência contra a mulher, etc. etc.
Quem dera fosse verdade e houvesse mesmo tantos homens e mulheres
preocupados com o assunto, tão claramente exposto para quem quiser
enxergar. Chega de abusos, chega de assédio. Exigimos respeito. #timesup. Acabou esse tempo. Faz tempo, embora pareça que isso aconteceu só por esses dias. A luta é antiga.
E
assédio é assédio – “insistência impertinente, perseguição, sugestão ou
pretensão constantes em relação a alguém”. Assédio não é paquera.
Assédio não é sedução. Há uma enorme distância entre as coisas. Aqui, na
França, nos EUA, na Cochinchina. Todo mundo sabe disso, sempre soube.
Então porque essa chatice, esse desvio de debate? Sobrou até para o fiu-fiu
dos operários nas construções, como se eles fossem grandes produtores e
diretores de cinema, grandes empresários fazendo contratações; sobrou
para todo mundo foi uma enorme confusão.
Que
loucura. Com lances de guerra diplomática entre mulheres americanas e
francesas, quando ambos os lados obviamente expõem o problema de forma
absolutamente clara, complementar, mulheres importantes, vestidas de
negro ou não, negras ou não, belas ou feias, estrelas ou não. Estão
fazendo o que melhor podem e sabem fazer: dando publicidade a um assunto
muito doloroso, do qual pouco se falava publicamente, e que muito mais
do que a metade da população já sofreu. Ou vocês pensam que são só as
mulheres que enfrentam assédio? Homens, não? Não sabem o que ocorre, por
exemplo, no meio gay? Sabem sim, só não querem é tratar com seriedade.
Querem
brigar. Opinar nas redes sociais, que ficam cada dia mais chatas por
causa dessas coisas. Acham bonitinho ser do contra. Chamar de feminazi
as mulheres que denunciam, que vêm a público, que abrem as cortinas
sobre o que antes era apenas velado, apoiado como “normal”, “acontece no
meio artístico”: o teste do sofá, as promessas, os convites, o
aproveitamento de momentos frágeis, a imposição do silêncio. A
concorrência entre as pessoas usando o sexo como arma.
Estou
vendo mulheres que até considerava interessantes caindo nessa
esparrela. Passei a vida até agora aguentando aquela frase bobagem – sou
feminina, não feminista – dita com a boca cheia de um orgulho ignorante
de ambas as coisas.
Agora chega. Quero ver o assunto ser, sim, discutido, mas seriamente.
E
seriamente quer dizer com providências. Em cima da terrível realidade.
Contra o absurdo e crescente assassinato de mulheres, violência dentro
de casa, falta de proteção do Estado que cria leis, mas não as cumpre.
Pela proteção e assistência real às vítimas de estupro, contra a
prostituição infantil, por informação e conscientização que chegue às
mulheres de todas as classes sociais, para que possam, inclusive,
proteger as suas crianças.
Cartas
na mesa. O mundo real está aí diante de nossos olhos. Não venham com
absurdos como o daquele grupo teatral de Florença, na Itália, que teve a
audácia de vangloriar mudar o final da consagrada ópera Carmen, de
Georges Bizet. Na versão deles, para “não aplaudir a violência contra a
mulher”, a cigana Carmen que nos fascina há mais de 140 anos não é morta
pelo seu ciumento José. Mas será ela que irá matá-lo. Resolveram a
questão?
Não
pode ser séria essa gente. Isso é tirar sardinha. Teatral, hein? Mudar
no papel, no roteiro, parece fácil. Queremos ver é mudar a realidade.
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- Marli Gonçalves, jornalista –
Feminista desde que se entende por gente. Feminina. Viva, para poder
contar a história de quantas vezes conseguiu enfrentar essa realidade.
Com a consciência cada vez maior de quantas vezes e o quanto isso tudo
atrasou sua vida.
Brasil, 2018
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