EM NOME DELAS
MARLI GONÇALVES
Se
cometem as maiores barbaridades. Em nome delas. As crianças estão na
berlinda e são sempre as primeiras e principais vítimas das sandices
humanas. Além de vítimas de tiros perdidos, abusos de todos os tipos,
agora também são queimadas em surtos de malucos, armadas em nome de
guerras que não são delas, e têm o futuro roubado pela corrupção e
ignorância. É preciso, contudo, que se entenda que não é preciso ter uma
em casa para gostar delas, ser considerada como mulher, nem muito menos
para protegê-las. Mas que as protejamos do que é real.
Virou
um festival essa história de proteger as crianças da maldade que só
existe na cabeça dos adultos. De, em nome delas, se arvorarem os
paladinos da cultura, arte, moral, civilidade e sociedade. De tentar
impedi-las de crescer, compreender, conhecer e especialmente aprender a
se defenderem. De quando em quando são lembradas, muitas quando não há
mais o que fazer. Quando aparecem jogadas na areia, náufragas da
imigração que tentava lhes dar alguma chance. Quando surgem com suas
lindas carinhas e mãos sujas do sangue da violência ou soterradas em
suas péssimas e insalubres condições de vida.
Canso
de – a cada vez que trato com sinceridade de algum assunto relacionado a
crianças, mesmo que por distantes vias e temas – ver caras viradas,
duvidosas, algumas até compungidas em piedade, tadinha dela (de mim),
outras raivosas. Não, não tenho filhos. Muito cedo decidi que não os
teria, e assim levei minha vida. Conheço muitos e muitas que, se
tivessem consciência, deveriam ter deixado de procriar, mas usam as
criaturinhas para se escudar, inclusive economicamente, porque os
bichinhos podem render boas pensões, amarras amorosas e emocionais, etc.
e etc. que nem preciso declinar, você aí bem sabe, já viu ou conhece e
viu acontecer.
Parece-me
que para uma sociedade chegada à ignorância, ao puritanismo e
hipocrisia, isso seja algum tipo de deficiência, não ter filhos. É um
reducionismo maléfico. No episódio contra a censura e contra o
linchamento da mãe que levou a filha à exposição choveram comentários
com a mesma bobagem proposta: se fosse seu filho ou neto, você levaria?
Resposta: sim, desde que considerasse que sim. Simples. Algumas me
propuseram até levar o próprio homem nu pra casa! Resposta: sabe que não
seria nem má ideia?
Qualquer
coisa nova que é apresentada, lá vem lépida a pergunta: e o que você
acharia se fosse seu filho? Eles aplicam isso à questão da liberação das
drogas, à liberdade sexual e à questão de gêneros. Diminuem a pessoa à
régua deles. Não há argumentos para tanta cegueira.
Não
tenho filhos porque assim resolvi. Assim como resolvi não casar.
Afirmar isso não me faz melhor ou pior, nem significa que as odeie, ou
que seja uma “solteirona” convicta, que não tenha tido vários casamentos
sem papel. Que mania de achar que todo mundo tem de seguir a tal
cartilha de família feliz com adesivo e tudo! Em compensação, posso
dizer, cuidei de meus pais da melhor maneira possível. Respeito
crianças, idosos, animais. Só não respeito mesmo é a hipocrisia,
censura, autoritarismo e maledicência.
Não respeito esses seres impostores que se aproximam. A
propósito, toco no assunto por estarmos vivendo evidentes dias de
horror, atraso, censura, atrelados ao crescimento de algumas religiões
que nada mais fazem a não ser impingir primeiro a culpa, acenando depois
com alguma espécie de perdão e reconhecimento – mas desde que se junte
ao rebanho que diz sim, atacando ferozmente outras crenças. Basta ouvir a
propaganda de alguns partidos, contar quantas vezes citam com aquela
cara compungida a palavra família e associam a participação da mulher aos filhos, no maior lenga-lenga.
Antigamente, quando se queria ofender uma mulher por achar que ela não devia estar ali, mandavam para o tanque. Vai lavar roupa, Dona Maria! – ainda se ouve um pouco no trânsito.
Pois
agora devemos – e podemos – devolver, quando políticos sem noção vêm se
meter em assuntos da vida privada e sobre os quais não precisamos saber
a opinião deles. Vão cuidar de arrumar a Educação, a Saúde, a rede de
esgotos! Parem de roubar as perspectivas, Senhores do Poder.
Deem uma chance às crianças. Esse será o melhor presente para elas. Dignidade. Em nome delas há muito que fazer.
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Marli Gonçalves, jornalista – No Dia da Padroeira, reze pelos pequeninos. Eles terão de enfrentar dias bem difíceis pela frente. Nem toda nudez será castigada.
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