Os portugueses têm razões para estar zangados
Os
olhos brilhavam de susto. Chocados com as imagens dos incêndios por
todo o país, a atenção dos meus filhos estava colada às televisões, de
novo. Viram e ouviram as palavras do primeiro--ministro a lamentar o
sucedido e a perda de dezenas de vidas.
Perguntei
ao meu filho mais novo, aparentemente o menos informado sobre o tema, o
que perguntaria a António Costa se estivesse ali, frente a frente, com o
chefe do governo. De imediato saíram da sua pequena boca duas perguntas
de uma assentada:
Como poderiam ter sido prevenidos estes incêndios? Como poderiam ser mais bem combatidos?
Tão
simples e tão sintética esta capacidade de perguntar aos 12 anos.
Estava tudo dito. No fundo, conseguiu resumir o que nos preocupa mas,
acima de tudo, conseguiu resumir os temas para os quais queremos
respostas. E queremos já. Porque já estamos há longos meses nisto.
Depois dos grandes incêndios de Pedrógão - em que o governo prometeu que
nada seria como dantes -, afinal repetiu-se tudo.
Há
uma revolta surda no país? Há. Os portugueses percebem porque não é
demitida a ministra? Não, não percebem. Os portugueses têm razões para
estar zangados? Sim, têm, respondeu Francisco Louçã quando confrontado
com a calamidade dos incêndios. Disse mesmo que o país tem bons motivos
para estar zangado, contrastando com o estranho silêncio de Catarina
Martins (aliás, falou mas foi como se fosse um silêncio, já que disse
umas palavras mas sem qualquer ponta de crítica ao governo e à atuação
da ministra da Administração Interna). Onde está o antigo Bloco de
Esquerda que, a esta hora, já teria pedido há muito a cabeça dos
responsáveis políticos por uma situação de calamidade pública como esta?
A
somar aos incêndios de Pedrógão, contabilizaram-se agora mais 523
incêndios, seis mil operacionais no combate, dezenas de mortos. É destes
números que estamos a falar. Não estamos a falar de férias nem de
festas sociais... Não estamos a falar de futuro sequer, mas do presente,
da vida das pessoas, do sustento que se foi com a fauna e a flora
ardidas.
Ninguém tem dúvidas
de que este governo conseguiu surpreender-nos a todos com o controlo do
défice, ajudado pelo crescimento do PIB, ou que a geringonça tem
funcionado melhor do que todos os observadores antecipavam. Mas se há
área em que tem corrido mal é a gestão da floresta e a prevenção dos
incêndios. Muitas ações poderiam ter sido postas em marcha desde que o
governo tomou posse. As alterações climáticas, como está à vista neste
quente mês de outubro, não se compadecem com burocracias e politiquices.
Nós, os cidadãos contribuintes, queremos ação e coragem para mudar o
que é preciso.
Rosália Amorim.
É jornalista do Diário de Notícias de Portugal
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