Uma vez bandido...

Facções prejudicam ensino nas penitenciárias

Clima de insegurança vem associado ao aumento da criminalidade no Estado e a consequente lotação dos presídios

Conforme designado na Lei de Execução Penal, a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, sendo essa assistência, entre outros aspectos, educacional. No Ceará, o serviço de formação educacional para os internos das unidades prisionais já é ofertado há cerca de 20 anos, mas recentemente os obstáculos têm tornado isso mais difícil.
Conforme Cláudio Justa, presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Ceará (Copen), há inúmeros gargalos hoje no sistema prisional, sobretudo na questão da segurança. Isso acaba tendo um efeito negativo sobre os programas de ressocialização em geral, particularmente na área da educação: a atuação de organizações criminosas e a consequente violência relacionada a isso, conta ele, muitas vezes inviabiliza a continuidade dessas atividades.
Irmã Gabriele, da coordenação da Pastoral Carcerária do Ceará, conta que mesmo quando as aulas continuam acontecendo esses conflitos interferem negativamente e afastam internos das atividades – em alguns casos, diz ela, as próprias lideranças das facções não permitem que os membros vão para as aulas. “O mínimo que uma administração de um presídio deveria garantir é a integridade física e o acesso à educação e trabalho, assim como a lei determina”, diz ela.

O funcionamento das aulas ofertadas nas unidades do Estado varia de acordo com a região: no interior do Estado, o serviço é coordenado pelos Centros de Educação de Jovens e Adultos (Ceja), enquanto que na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) a responsabilidade é da Escola de Ensino Fundamental e Médio (EEFM) Aloísio Léo Arlindo Lorscheider, instituição criada pelo governo em 2013 especificamente para atender essa demanda nas prisões da Região Metropolitana.
Por questão de logística, a instituição tem uma sede em que funciona apenas a parte administrativa e os educadores se deslocam até as unidades prisionais para dar as aulas. Sirlandia Dantas, diretora da escola, diz que o ambiente de trabalho é muito hostil, o que acaba afetando principalmente os professores. Tem muito o que precisa melhorar, inclusive se sentir não dentro de uma unidade prisional, mas sim dentro de uma escola, conta ela.
Ela explica, além disso, que uma constante preocupação é a de não misturar pessoas de determinadas facções criminosas umas com as outras de modo a preservar a segurança dos presos e dos profissionais envolvidos. Isso chega a fazer com que a escola não consiga atingir mais pessoas dentro das unidades, com alguns dos internos evitando participar das aulas devido a esses possíveis conflitos.

Segundo Cláudio, as facções são hoje muito capilarizadas e consequentemente as cadeias do interior do Estado, menores e com infraestrutura mais limitada, acabam ficando mais vulneráveis. Desse modo, por exemplo, situações em que se deve separar presos de facções diferentes ficam ainda mais difíceis. “Em qualquer programa as pessoas têm que transitar de um lugar para o outro e esse trânsito é um risco, você não pode dar aula para um grupo porque se encontrarem o outro há conflito e eventualmente mortos”, explica.
Após as rebeliões
No decorrer de 2016 o Ceará viu nascer rebeliões nos presídios, chegando a serem constatadas 14 mortes entre os presos. Segundo Sirlandia, antes desses acontecimentos a EEFM Aloísio Léo Arlindo Lorscheider contava com um carro para fazer o deslocamento dos profissionais da escola para as prisões, o que deixou de acontecer depois desse período. Desde então, a instituição depende de agendamento junto à Secretaria da Educação do Estado (Seduc) para esses deslocamentos.

A escola atendia 10 instituições em quatro municípios diferentes prisionais até 2016, número que hoje baixou para seis. O carro era usado também para fazer um acompanhamento mais próximo junto às unidades, supervisionar a prática pedagógica e estabelecer um canal de comunicação com a direção dos presídios. Esse acompanhamento, segundo a diretora, acaba sendo feito de modo mais esparso hoje.
Cláudio explica que desde então a situação tem piorado de modo geral, devido à grande parte da estrutura das unidades ter sido danificada durante as rebeliões. Isso fez com que a prioridade do governo passasse a ser recuperar esses danos, comprometendo a execução das demais atividades e limitando inclusive o número de vagas disponíveis – que já era escasso antes disso. “Isso agrava a superlotação e, com isso, a questão da segurança se torna central e isso acaba afastando programas de ressocialização, entre eles de educação”, conta o presidente.
Irmã Gabriele reitera que as atividades pararam após as rebeliões, e segundo ela só agora elas estão sendo retomadas.

Procurada pela reportagem, a Secretaria da Justiça e Cidadania (Sejus) alega que nenhuma unidade suspendeu aulas em virtude de conflitos entre internos e nenhum conflito tem interferido na realização dessas atividades.
Evolução
Segundo a defensora pública, Patrícia de Sá Leitão, a recente piora dessas condições vem associada a um aumento na criminalidade no Estado e em ganho de força por parte das facções. Conforme dados divulgados pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado (SSPDS), foram cometidos 2.299 homicídios no primeiro semestre de 2017, o que representa um aumento superior a 30% frente ao número do mesmo período do ano anterior.
Um fator que contribui para a intensificação desse problema é a superlotação. O Estado tem hoje cerca de 26 mil internos (levando em consideração regimes aberto, semiaberto e fechado), com 20 mil deles dentro de unidades penitenciárias, conforme a Sejus. As unidades, no entanto, têm capacidade para apenas 12 mil presos, resultando em um excedente de 76%. “Quanto mais presos, mais difícil pôr em execução numa unidade as atividades que são propostas”, diz a defensora.

O Ceará conta hoje com 38 unidades prisionais. No sistema de educação para pessoas privadas de liberdade, são 114 professores lotados, sendo a maior parte desse contingente na Região Metropolitana, e 1.817 internos matriculados no total.

Nenhum comentário:

Postar um comentário