O maior fenómeno brasileiro da pop é uma drag queen
Pabllo
Vittar acumula êxitos e visualizações no YouTube, inclusive em
Portugal. E é apenas uma das faces da "revolução LGBT" que varre a
música - e não só - do país
A
canção líder nos sites de música durante o Carnaval brasileiro foi Todo
Dia. Mais tarde, o tema K.O. destronou-a. Já no início de agosto foi a
vez de Sua Cara chegar ao topo. O que as três músicas têm em comum?
Pabllo Vittar, intérprete a solo das duas primeiras e parceiro da
funkeira Anitta na segunda. O maior fenómeno da pop do Brasil tem 22
anos, cresceu nas profundezas do paupérrimo Maranhão e é uma drag queen -
além do exemplo mais evidente da revolução trans que tomou as
manifestações artísticas do país.Nascida
Phabullo (lê-se Pábulo e não Fábulo) Rodrigues Dias, filha de Verônica,
enfermeira, e de um pai que não conheceu, Pabllo Vittar tem uma irmã
gémea, Phamella (lê- -se Pamela), e outra mais velha, Polyanna. Em
conversa com o jornal Folha de S. Paulo, definiu-se como "fluido de
género". "Sou drag quando quero, é como um chapéu, ponho ou tiro, não
sou drag 24 horas, eu amo também ser o Pabllo desmontado e sair de
camisa e boné pela rua." Em
criança nunca foi agredido mas sofreu bullying até ao dia em que a irmã
Polyanna deu uma tareia num rapaz que o chamou de "maricas". Na
adolescência, quando aos 15 anos disse à mãe que queria levar um
namorado para dormir em casa a reação foi de quase indiferença, porque
Polyanna, lésbica, já havia quebrado o tabu lá por casa.
Logo
a seguir, como tantas outras famílias nordestinas, as quatro mulheres
do clã Rodrigues da Silva mudaram-se do sertão para a região sudeste,
primeiro para o abastado estado de São Paulo e depois para o de Minas
Gerais. Phabullo trabalhou em cadeias de fast food e salões de
cabeleireiro enquanto partilhava vídeos na internet a imitar Beyoncé e
outras artistas.
Um deles foi
visto pelo produtor musical Rodrigo Gorky, com quem cocriou, em 2015, o
primeiro sucesso, Open Bar, versão de Lean On, tema dos americanos Major
Lazer, já sob o nome Pabllo Vittar. Daí foi convidada a participar na
banda do programa Amor & Sexo da TV Globo e lançou na sequência o
primeiro álbum, do qual saíram os singles Todo Dia e K.O., que
precederam a explosão de Sua Cara, terceiro vídeo mais visto no YouTube
global, atrás apenas de temas de Adele e de Taylor Swift. São 161
milhões de visualizações, 78 milhões dos quais no Brasil e quase um
milhão em Portugal, o segundo país da lista.
Com
o dobro (2,8 milhões contra 1,4) dos seguidores na rede social
Instagram de RuPaul, a drag queen mais famosa dos Estados Unidos, Pabllo
cobra hoje cachet 25 vezes mais elevado do que há dois anos - cerca de
15 mil por apresentação. "Ela e outras são a revolução de que a música e
a sociedade precisavam neste momento", diz Preta Gil, a filha de
Gilberto Gil, com quem Pabllo Vittar lançou na última terça-feira a
música Decote.
Não
é só Preta Gil que usa o termo "revolução" a propósito da ascensão das
drags a estrelas pop do Brasil. A rapper Gloria Groove, outra drag, de
22 anos, que passou o milhão de visualizações no YouTube com o sucesso
Dona, disse ao jornal Zero Hora que "há uma revolução em curso". "E nós
[população LGBT] estamos na linha da frente!"
Dessa
revolução, a que já chamaram de MPBTrans, numa atualização das iniciais
de música popular brasileira, fazem parte Pabllo e Gloria mas também a
aclamadíssima Liniker, a banda As Bahias e a Cozinha Mineira, o músico
Jaloo, o DJ e divulgador André Fischer, a rocker Veronica Valentino, a
performer Ivana Wonder, o cantor Johnny Hooker, a intérprete Lia Clark e
a rapper Linn da Quebrada (ver caixa).
A
arte LGBT, considerada um nicho até há poucos anos, hoje está
massificada. Tanto a telenovela das 19.00 como a das 21.00 da TV Globo,
instituições da televisão brasileira, têm personagens drag queen, num
dos casos interpretada por Silvero Pereira, ícone do género no Brasil na
área teatral. Na moda, dá cartas a modelo e estilista Lea T, cara da
Givenchy. Por isso, a Vogue Brasil juntou na capa da sua edição deste
mês algumas das drags mais famosas. Porque, como canta Gloria Groove no
tema Império - "olha só como o jogo virou/ Do nada, cê liga a TV e nós
está na Globo".
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