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Isto é uma opinião

O pior rombo não é nas contas públicas, mas na ética de quem tem poder

Leonardo Sakamoto
Blairo Maggi, ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, e Michel Temer. Foto: Beto Barata/PR
Parece que o Brasil não faz sentido. Mas faz.
1) O governo está estudando revisar o rombo oficial nas contas públicas em 2017 de R$ 139 bilhões para algo em torno de R$ 150 bilhões e R$ 159 bilhões. A revisão da meta de déficit vai ocorrer mesmo com aquele aumento dos impostos cobrados sobre os combustíveis.
2) Ao mesmo tempo que trata do déficit, o governo retoma a campanha pela Reforma da Previdência. Entre as propostas, o aumento de 15 para 25 anos do tempo mínimo de contribuição (dificultando a vida da classe média), a demanda de 15 anos de tempo de contribuição ao invés de tempo de trabalho para conseguir a aposentadoria rural (infernizando os trabalhadores do campo) e o acréscimo de três anos na idade mínima para acesso à aposentadoria especial para idosos pobres (torturando quem já nada tem). Se isso passar, há uma massa de pobres que será atingida. Porém, os aliados do governo repetem, feito um mantra, que a solução do rombo do item 1 passa pelo fim de privilégios previdenciários.
3) As informações dos itens 1 e 2 vêm a público logo após a Câmara dos Deputados ter salvado o excelentíssimo pescoço de Michel Temer, negando autorização para que o Supremo Tribunal Federal o transformasse em réu em um caso de corrupção passiva envolvendo a empresa JBS. Os deputados federais, contudo, não fizeram isso de graça. Custou a indicação de cargos no Poder Executivo, a liberação de recursos e o apoio à aprovação de leis e medidas polêmicas. Os números vão de centenas de milhões a alguns bilhões gastos com a ação. Ou seja, apesar do rombo, o governo torra dinheiro para que as denúncias de corrupção sejam ignoradas.
4) A bancada ruralista, que votou em peso por Temer, conseguiu um perdão de dívidas de produtores rurais de cerca de R$ 7,6 bilhões. Com isso, seus patrocinadores políticos serão poupados de pagar juros, multas e encargos relativos às dívidas ao Fundo de Assistência do Trabalhador Rural. Além disso, a alíquota de recolhimento também foi reduzida, atendendo a uma antiga demanda desse grupo. O Fundo ajuda a manter a aposentadoria rural, aquela citada no item 2. Ou seja, apesar do rombo, o governo isenta os patrões do agronegócio e joga as contas nas costas dos trabalhadores.
5) Não é a única fatura que vem sendo cobrada. Por exemplo, deputados estão estudando um perdão de até 99% nos juros e multas de grandes devedores de impostos, o que significa uma perda de arrecadação de até R$ 250 bilhões. Além, é claro, da manutenção da desoneração a empresas e da farra de subsídios. Vale lembrar que muitos deputados e senadores estão, eles próprios, em listas de devedores de impostos gerais ou de contribuições previdenciárias. Ou seja, apesar do rombo, o Congresso quer enfiar goela abaixo do governo mais uma anistia a si mesmo ou a seus patrocinadores em nome dos serviços prestados.
Isso significa que acabar com a sonegação resolveria os problemas de caixa do país? Não, longe disso. Mas esse apanhado de fatos reforça que quem sempre paga a conta dos escândalos de corrupção, das crises econômicas e da necessidade de aumentar a competitividade e os lucros são os trabalhadores.
Pagaram com a aprovação da PEC do Teto dos Gastos e a limitação de investimentos públicos em áreas como educação e saúde por duas décadas. Pagaram com a Lei da Terceirização Ampla, que deve ampliar a precarização do trabalho. Pagaram com a aprovação da Reforma Trabalhista, na qual as medidas negativas superam, em muito, as positivas – principalmente no que diz respeito à saúde e segurança do trabalhador mais pobre. Pagaram para a manutenção de Temer, que tem a missão de salvar a si mesmo e seus aliados da guilhotina da Lava Jato, implantar a agenda liberalizante do poder econômico e aprovar leis polêmicas de grupos que não conseguiriam isso em uma situação de democracia plena e de representatividade real. Agora, querem que o trabalhador pague também com uma tungada em sua velhice via Reforma da Previdência.
Se o governo resolvesse taxar dividendos recebidos por pessoas físicas (como fazem a maioria dos países desenvolvidos), aumentar o recolhimento de imposto sobre grandes heranças, derrubar subsídios e isenções e cobrar sonegadores, a raquetada nos mais pobres não precisaria ser tão intensa.
Parece que o Brasil não faz sentido. Mas só parece. Se você olhar bem de perto, verá que faz todo o sentido do mundo para um punhado de felizardos que tiraram a sorte grande na roleta da vida. A esmagadora maioria só acha estranho e sem sentido o que está acontecendo porque não foi convidada para a festa.
O pior rombo não é nas contas públicas, mas na ética de quem tem poder Leonardo Sakamoto 04/08/2017 23:29 Compartilhe Imprimir Comunicar erro Blairo Maggi, ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, e Michel Temer... - Veja mais em https://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2017/08/04/o-pior-rombo-nao-e-nas-contas-publicas-mas-na-etica-de-quem-tem-poder/?cmpid=copiaecola
O pior rombo não é nas contas públicas, mas na ética de quem tem poder Leonardo Sakamoto 04/08/2017 23:29 Compartilhe Imprimir Comunicar erro Blairo Maggi, ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, e Michel Temer... - Veja mais em https://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2017/08/04/o-pior-rombo-nao-e-nas-contas-publicas-mas-na-etica-de-quem-tem-poder/?cmpid=copiaecola

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