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“Plano popular será volta a um passado ruim”

ANS cria grupo para analisar projeto de ministro da Saúde. Em nota de repúdio, entidades alertam que proposta vai limitar cobertura e trazer transtornos para usuários
A ideia do engenheiro Ricardo Barros, atual ministro da Saúde, de criar planos de saúde privados com preços mais acessíveis, encontra muita resistência entre entidades. Mesmo assim, está seguindo em frente – e com o apoio da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). Agora em janeiro, a agência criou grupo de trabalho para analisar a proposta de plano popular de Barros. Sem diálogo, sem transparência e sem consulta pública, o projeto segue à margem de debates e estudos realizados no setor.
O IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e a Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) enviaram nota à imprensa repudiando veementemente a ação da agência. Para essas entidades, o projeto segue na contramão da história. “Uma volta ao passado, de 20 anos atrás”, enfatizam. Antes, planos mais baratos geravam inúmeros problemas de restrição de cobertura de procedimentos. “Precisamos de uma maior fiscalização de planos e não uma flexibilização das regras”.
Estudo mostra que enfermeiros acessam mais a rede do que médicos
Projeto de planos de populares, agora em análise pela ANS, segue a todo o vapor. Foto ilustrativa/Ingimage

Segundo as entidades, a decisão do ministro e da ANS está sendo feita sem discussões com instituições e especialistas. Ficaram excluídas do debate, afirmam, entidades de saúde coletiva, de defesa do consumidor e de médicos, além de outros setores da sociedade envolvidos. Por fim, o Idec e a Abrasco exigiram, na nota, que o projeto seja encaminhado à consulta pública. Outra entidade que não está contente com a proposta é o Conselho Federal de Medicina. O conselho chegou a afirmar que a proposta distorce “desejos legítimos da sociedade brasileira”. Disseram:

“Temos o dever ético e moral de defender a sociedade de um projeto que visa “desonerar o SUS” à custa de onerar mais o cidadão que, com grandes sacrifícios, busca proteger a sua família”.

Conta não vai fechar

O grande imbróglio é que, com esses planos, a tendência é que ainda mais problemas sejam encontrados com cobertura de procedimentos. O primeiro ponto é que saúde é cara. Esses planos vão cobrir tomografia, por exemplo, que chega a custar mais de R$ 900?  Vão abrir espaço para pacientes idosos?  Ou com problemas psiquiátricos? Ou doentes crônicos? Vai ter prótese? Fisioterapia? Tratamento do câncer? Muito possivelmente que não, dizem as entidades, porque não há como pagar essa conta.

Prestadores mal pagos e explosão da judicialização 

Um outro ponto citado pelo Idec e a Abrasco será o possível aumento da judicialização na saúde suplementar pela negativa de cobertura dos planos.  Segundo as entidades, as ações judiciais contra planos de saúde aumentaram muito nos últimos anos, inclusive por causa de planos baratos que já existem no mercado, os chamados “falsos coletivos”. Esses planos já possuem rede credenciada restrita, de má qualidade, que negam coberturas, reajustam abusivamente mensalidades e praticam rescisão unilateral de contratos.
Também esses planos, afirmam, terão poucos serviços conveniados e pagarão menos aos prestadores, o que vai gerar maior dificuldade de agendar exames e consultas com médicos e de encontrar hospitais e laboratórios de qualidade.
A limitação de cobertura e a explosão da judicialização são um dos efeitos dos planos populares. Imagem: Cebes/Abrasco
A limitação de cobertura e a explosão da judicialização são um dos efeitos dos planos populares. Imagem: Cebes/Abrasco

Os interesses dessa gestão

As críticas de ambas as instituições ganham contornos mais firmes quando se conhece o histórico de Ricardo Barros e das lideranças da Agência Nacional de Saúde Suplementar. Em relação à ANS, seus dirigentes quase sempre são personalidades com trabalho prévio em planos de saúde e com posicionamentos contrários ao financiamento do sistema públicos.
O atual diretor da ANS, José Carlos de Souza Abrahão, foi diretor por uma década da Confederação Nacional de Saúde, entidade que representa hospitais, laboratórios e operadoras de planos e seguros de saúde. Quando Abrahão foi indicado pela presidente Dilma, o CNS (Conselho Nacional de Saúde) também emitiu nota de repúdio. O CNS citava artigo em que Abrahão defendia que o SUS não fosse ressarcido de procedimentos de usuários privados feitos no sistema.
Outro ponto é o posicionamento de Ricardo Barros, atual ministro, que chegou a dizer ser necessário rever o tamanho do SUS, disse que planos não precisavam de fiscalização e que era melhor um médico que nenhum. Além disso, Barros recebeu doação de campanha de operadora de plano de saúde. Como argumento para defender os planos populares, no entanto, Barros cita que a proposta vai desafogar o SUS.
Várias entidades já disseram que a proposta não tem embasamento técnico. Também a Abrasco e o Idec, em nota emitida contra a ação da ANS, pontuaram que certamente esses planos vão precisar cobrar por serviços adicionais e, com isso, a proposta vai de confronto com o cenário de crise atual.

Reiteramos que planos populares ou acessíveis não são a solução para o sistema de saúde brasileiro. Em época de recessão e desemprego, o que a população mais precisa é de proteção social. Por isso, defenderemos sempre o Sistema Único de Saúde (SUS) constitucional, público, universal, de qualidade e adequadamente financiado, bem como a regulamentação da assistência à saúde suplementar, que precisa ser melhorada e não flexibilizada.

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