Zwi Skornicki, preso na 23ª fase da Lava Jato, é conduzido em viatura da Polícia Federal, em Curitiba
A
ação apuradora-punitiva, porém, salta dos trilhos de seus objetivos
éticos e constitucionais quando instrumentaliza perversa e impatriótica
campanha midiática voltada para a desmoralização da política, sem a qual
– é preciso dizer mil vezes e mil vezes repetir para quem não sofreu os
idos da última ditadura – a democracia não sobrevive.
Como
não sobreviveu a liberdade de imprensa (requisito da democracia) quando
se instalou em 1964 a ditadura militar, pleiteada e aclamada e
sustentada e defendida pela grande mídia, a de então, que é a mesma de
hoje, em sua essência.
As
ações de combate à corrupção, são, presentemente, instrumentalizadas
pela imprensa e pelos setores partidários derrotados em 2014 com vistas a
desestabilizar o governo constitucional e fragilizar a economia
brasileira, de si abalada, e mais abalada pela crise internacional (em
crescendo desde 2008), que nos acena com uma crise similar ou superior à
de 1929.
Com
o agravamento da crise econômica interna objetiva-se agravar a crise
política (a crise permanente, a crise alimentada, a crise política que
alimenta a crise econômica, a crise econômica potencializando a crise
política) e, assim, levado às cordas, o governo, condenado à paralisia
mortal, passa a carecer de meios para enfrentar como deveria a
desaceleração da economia que sugere a crise social para um amanhã cuja
data de chegada ninguém pode precisar.
Conspira-se contra o País, no curto prazo planta-se o caos, como se esse não fosse o fiador dos anos futuros.
Uma
vez mais é necessário recorrer ao óbvio, desta feita lembrando que o
combate à corrupção, que a sociedade reclama, deveria, necessariamente,
concentrar-se na apuração das irregularidades e suas respectivas
responsabilidades, no ressarcimento do erário e na punição
exemplaríssima dos agentes.
No
entanto, manipulado como vem sendo, transforma-se em aríete com o qual a
direita brasileira – em silêncio até 2014 – tenta revogar, ao arrepio
dos instrumentos da República, as conquistas sociais e civis de muitas e
muitas décadas e solapar o sentimento de brasilidade, fazendo com que
nosso povo, descrendo de si, termine descrendo de seu País, renuncie à
construção de seu futuro, transforme a esperança em desânimo e se deixe
dominar pelo trágico complexo de vira-lata.
Cria-se,
assim, o ambiente favorável às concessões cívicas que compreendem desde
a desestruturação do Estado social ao punitivismo, com aceitação da
brutalidade como resposta, num regressivismo penal que revoga as
conquistas do direito moderno.
Qual
o preço que uma sociedade razoavelmente sadia e na plenitude de seu
discernimento se dispõe a pagar para livrar-se da ação criminosa de
agentes da corrupção capitalista?
Aqui entra em debate uma questão delicada, a sempre difícil relação entre fins e meios.
O
combate à impunidade justifica a violação do princípio constitucional
(art. 5º, LVII) da presunção da inocência? Justifica a derrogação do
direito de ampla defesa, ou a imputação de pena de restrição da
liberdade sem prévio julgamento, ou a prisão para a apuração de
responsabilidade, substituindo a prisão que só se decreta após a
apuração do crime e seu julgamento passado em julgado?
A simples suposição do fato delituoso justifica a prisão e a exposição midiática difamante?
Quando
a investigação serve de disfarce à disputa política, o réu escolhido
passa a ser culpado até prova em contrário, e dessa forma o ônus da
prova (invertendo a lógica jurídica) passa a recair sobre ele.
Nesse
esquema, o indício passa a ser tratado como evidência, e a suposição
assume ares de certeza cabal. Se fulano recebeu dinheiro, a remessa
haverá de ter sido ilegal. Se um acusado cita “L”, ele é forçosamente
“Luiz”, e Luiz há de ser Luiz Inácio Lula da Silva. Transporta-se para
nossos dias a lógica da raposa em seu diabólico diálogo com o cordeiro,
imortalizado na fábula clássica e sempre atual de La Fontaine.
Assim
era na última ditadura brasileira e assim é em toda ditadura e em todos
os momentos de exceção jurídica: prende-se, a partir de suposições ou
ilações, para apurar a acusação. Todo inquisidor tem sua lista de
suspeitos prévios. Não é assim nas democracias. Nelas, só a apuração do
delito leva à condenação e esta, à prisão.
O
Estado de direito democrático, ou isso que logramos construir no Brasil
(na realidade, isso que a duras penas está em construção entre nós
desde a Constituição de 1988), está nitidamente em xeque.
Insatisfeitos
com as respostas da política, setores da população, sobretudo uma boa
parte da classe média – vítima de um processo ao mesmo tempo de lavagem
cerebral e intoxicação ideológica, levado a cabo de maneira permanente e
sistemática pelos meios de comunicação de massa –, parece encantada com
a espetacularização e midiatização do processo judicial, e os abusos
correspondentes. Não se dão conta de que quando um direito é violado
para punir um acusado a vítima é toda a ordem constitucional, e nela os
direitos e garantias individuais que visam não à proteção do poderoso –
que não precisa do direito para defender-se –, mas do homem comum, o
homem do povo que mais desprotegido se encontra quando não pode contar,
em sua defesa e proteção, com o aparelho estatal.
Nessa
reação, o sentimento de justiça é contaminado pelo de vingança, a
vingança de um povo cansado da impunidade dos poderosos, e esse
sentimento é mobilizado pelos meios de comunicação de massa,
espetacularizando as prisões e legitimando as violações de direito.
Como
explicar às pobres vítimas dos meios de comunicação que uma agressão ao
direito do outro é uma agressão, também, a elas, ao direito delas?
Como
explicar que as violações aos direitos do criminoso de colarinho
branco, ainda que aplaquem nossa raiva interior, terminam homologando as
violências maiores diariamente praticadas contra pobres pelo sistema
policial e pelo sistema judiciário, cego quando se trata de vê-los?
Ora,
o policial ou o juiz que viola o direito do rico, que pode ameaçá-lo,
terá limites quando em suas mãos estiver a incolumidade física ou a
liberdade do infrator pobre e sem proteção política?
A
normalização da violência é a maior ameaça aos pobres, ainda quando
possa atingir momentaneamente a uma meia dúzia de empresários.
O
direito precisa sempre ser respeitado e só quando a estrita obediências
às suas normas e princípios se observa como regra vigente sobre todos
os cidadãos, e apenas quando é observado por todas as autoridades, é que
se torna uma norma também para os pobres. Não pense o homem do povo
que, na sociedade de classes, a ordem autoritária ou o arbítrio de um
policial, de um promotor ou de um juiz poderão assegurar-lhe qualquer
sorte de proteção.
A
pregação ideológica dos meios de comunicação oligopolizados (em si uma
inconstitucionalidade que os põe à margem do direito e da legalidade)
contribui para uma onda de reacionarismo e primitivismo político que
investe contra avanços sociais.
Os
grandes meios apostam na ignorância (que reproduzem), na intolerância
(que incentivam), no individualismo (que estimulam). Insaciáveis, agindo
em uníssono, uniformizados ideologicamente, coerentes no mesmo projeto
político, assumem o papel de construtores da história; para além de
narrar, criam o fato e interferem em seu andamento, constroem a
realidade, comandam a política, dirigem o discurso da oposição, pautam
os partidos e o debate social ditando o que se deve ouvir e
principalmente excluindo o que não querem que seja discutido, e assim
não se discute que país queremos e que país estamos construindo.
Elegem
adversários (que precisam ser eliminados) e amigos que precisam ser
protegidos. Olímpicos, assumem o papel de supremos julgadores, e
esgrimam o monopólio da verdade. Julgador e justiceiro, o monopólio
elege suas vítimas (poupando desassombradamente seus aliados políticos) e
as condena à execração pública, a pior das penas, pois não admite
recurso, apelação ou sursis.
O
homem público previamente condenado pelos meios de comunicação jamais
conhecerá absolvição. A esta pena, a propósito, já foi condenado o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vítima da vendeta dos meios de
comunicação purgando não seus erros, mas os acertos de seus oito anos de
governo popular.
Este
massacre mediático, impiedoso, injusto, é caso exemplar de unidade de
ação e propósitos de policiais, procuradores e juízes, sob o comando
político-ideológico dos meios de comunicação, unificadas todas essas
forças na caça ao ex-presidente, o réu previamente condenado e punido,
independentemente de culpa. A pena foi decretada, e está em execução.