Fidel, Cuba e América
Se
não contarmos com Donald Trump que ainda não tomou posse, Fidel Castro
coexistiu ao longo da vida com 15 presidentes americanos, desde Calvin
Coolidge, que estava na Casa Branca quando o histórico líder cubano
nasceu em 1926, até Barack Obama, que este ano visitou a ilha agora
presidida por Raúl Castro, o irmão mais novo.
Mas
a contabilidade que impressiona mesmo é que dez desses 15 presidentes
americanos tiveram que lidar de uma ou outra forma com Fidel, que no
meio século em que esteve no poder encarnou tanto a revolução comunista
como o nacionalismo cubano. Desde a frustrada invasão da Baía dos
Porcos, em 1961, até às múltiplas tentativas de assassínio pela CIA,
passando pelo embargo económico ainda em vigor, são muitas as razões de
queixa de Fidel em relação ao vizinho gigante e tanto num artigo no
jornal 'Granma' como num discurso em agosto deixou claro não estar
entusiasmado com a normalização de relações lançada por Obama e Raúl.
Foi
sintomático não ter recebido o presidente americano em Havana aquando
da visita de março, apesar de Obama ter tido coragem de desafiar o
Congresso e décadas de tradição diplomática americana ao dar passos para
acabar com aquele que parece ser um dos conflitos herdados da Guerra
Fria. Mas aqui o parece é mesmo um parece.
Quando
Fidel criticou o presidente americano por não ter elogiado as
conquistas da revolução, não era só um líder comunista a falar mas
sobretudo um patriota cubano. Há dois séculos que Cuba tem uma relação
difícil com os Estados Unidos, que com James Monroe presidente chegaram a
cobiçar conquistá-la ao império espanhol e depois de 1898, quando
William McKinley ajudou os independentistas inspirados em José Marti,
nunca deixaram de considerá-la parte do famoso pátio das traseiras até
chegar Fidel em 1959. A base de Guantánamo, arrendada até hoje pelos
americanos, é a prova disso.
Cuba
deixou de ter em 1991 a ajuda interesseira do grande irmão soviético e
por isso viveu duas décadas de dificuldades económicas que obrigaram
Raúl a fazer uma abertura que tenta um equilíbrio (impossível?) entre
manter os ideais revolucionários e devolver a prosperidade à ilha. Uma
relação normal com os Estados Unidos, ali mesmo do outro lado do
Estreito da Florida, é fundamental para que a economia da ilha floresça,
potenciada pelos altos níveis educacionais e por um sistema de saúde
que merece elogios.
Mas se com Obama,
de quem Fidel já fora do poder desconfiava apesar de admirar, o caminho
estava a ser feito, resta saber se com Trump a nova política de boa
vizinhança se manterá. Não é promissor que na Florida o voto dos
exilados cubanos e seus descendentes tenha sido decisivo para a eleição,
mas passe-se o que se passar Fidel, que chegou a atribuir uma medalha
de barro a Trump, não estará cá para relembrar aos cubanos que não há
dignidade com fome mas que a dignidade também alimenta os povos e a ilha
não pode regressar à triste era de Fulgencio Batista, em que a
apelidavam de bordel da América.
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