Colunista e membro do Conselho Editorial da Folha,
é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa as questões
políticas e econômicas. Escreve aos domingos e quintas-feiras.
Merece repulsa manobra para eximir donos de empresas por corrupção
Pedro Ladeira - 24.ago.2016/Folhapress | ||
Plenário do Senado durante votação em agosto |
A
tensão crescente entre juízes e procuradores, de um lado, e Senado e
Câmara de outro, tem quatro fontes, alguma originalidade e nenhuma
perspectiva de saída satisfatória para os dois lados.
Se
essa dificuldade de conciliação pode significar agravamento e
alargamento da crise, passando-a de política e econômica para também
institucional, é isso mesmo que se deve esperar. E não para futuro
distante.
As
quatro fontes da discórdia são os dez pontos, que a Câmara examina,
sugeridos pela Operação Lava Jato para combate à corrupção; os projetos
contra abuso de autoridade e de acordos com empresas corruptoras, ambos
condenados pela Lava Jato e pela Procuradoria Geral da República; e a
iniciativa do presidente do Senado contra os supersalários, que excedem o
máximo legal no Executivo, no Legislativo e no Judiciário.
Em
ao menos três dos casos, a sensatez que se espera de quem fala pela
Justiça está –é o máximo em originalidade– exercida por congressistas,
sendo um deles o contestado Renan Calheiros.
A
Associação dos Juízes Federais, por exemplo, tratou como ato contra a
magistratura a criação, por Renan Calheiros, de uma comissão para
identificar onde estão e como se constroem os supersalários nos Três
Poderes.
Já por
incluir governo e Congresso, o ato resiste bem à crítica feita. Mas a
reação se mostra ainda mais torta quando se considera a legitimidade da
iniciativa: nos funcionalismos das três instituições, há salários
(chamam-se vencimentos) que insultam o país.
Com
ou sem truques, podem estar todos baseados em regulamentos. Ainda
assim, transgridem o máximo legal, que é o salário de presidente da
República. E isso precisa ser solucionado de algum modo.
O clima fervente no Poder Judiciário vem muito da incitação feita pelos procuradores da Lava Jato e por Sergio Moro.
Tudo
lhes é permitido, logo, qualquer discordância com o emanado do grupo é
mais do que heresia: é, como diz Deltan Dallagnol, querer "a morte da
Lava Jato", quando não é defesa da corrupção.
Apesar
dessas pressões, Onyx Lorenzoni, deputado do DEM que só se fez
conhecido por tomar chimarrão nas comissões com televisão, está
aproveitando a oportunidade de fazer bem um trabalho importante e
difícil.
Relator
das dez propostas da Lava Jato contra a corrupção, Lorenzoni faz
acréscimos como a possibilidade de que procuradores, juízes e promotores
sejam processados por crime de responsabilidade.
A
Lava Jato é exasperadamente contrária. Seus motivos não são
misteriosos. Se, porém, ministros do Supremo Tribunal Federal e o
procurador-geral da República estão sujeitos a tal processo, é injusto e
incoerente que os demais juízes e promotores não o sejam. Além disso, é
nesses níveis que mais processos do gênero se justificariam.
Lorenzoni
propõe também a punição de manifestações públicas de juízes sobre
processos sem julgamento –o que leva a pensar logo em Gilmar Mendes.
O
teste que consiste em fazer ofertas para averiguar a resistência à
corrupção, no serviço público, apenas foi atenuado. Uma pena: não muda o
essencial, que é a imoralidade e a covardia do ato, a que muitos
honestos podem sucumbir por desespero, e desgraçar-se.
Mas,
entre muitas modificações e acréscimos, foi entregue às baratas a
proposta, ainda mais imoral que a anterior, de tornar válido o uso de
provas ilícitas "obtidas de boa-fé". Mais do que uma proposta, aí se
pode presumir uma confissão de feitos ou de propósitos. E é admissível
que de ambos.
A
merecer repulsa, desde logo, são as manobras do deputado André Moura no
projeto para acordos de leniência (como a delação premiada, porém com
empresas).
Está evidente o seu objetivo, e portanto do governo Michel Temer, em três itens.
Por
um, proibir que documentos empresariais apresentados para acordo sejam
usados por outros inquéritos. O segundo é anistiar o "caixa dois". E,
por fim, restringir às empresas a responsabilidade pela corrupção, sem
implicar diretores e donos. Como empresa não faz corrupção, que é obra
de pessoas, já se sabe o que está por traz da pretensão do governo. A
que custo, isso não se sabe ainda.
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