Meus medos de quem não bebe


Rio, 9 de novembro de 2016. Um chef para Donald?

Do ponto de vista de gastronomia — como matriz de prazer e poder — O Trump tem dois caminhos. A mediocridade ou … veja o último parágrafo.
Donald Trump

Donald Trump perdeu o irmão mais velho por álcoolismo e tomou horror à qualquer bebida que leve álcool. Além disso, foi criado por um pai protestante, frequentando o culto aos domingos no Marble Collegiate Church, em Manhattan. Lá, se impregnou dos conceitos do pastor Norman Vincen Peale, o célebre autor da Força do Pensamento Positivo. E o menino Donald nunca mais esqueceu uma lição que ele repetiu como um mantra na sua bem sucedida carreira.
“Formule e imprima na sua mente um retrato vitorioso de si mesmo. Mantenha viva essa imagem, com tenacidade. Nunca permita que ela se apague ou desapareça. Sua mente vai reter e atualizar esse retrato. Não construa nada que seja um obstáculo à sua imaginação”.
Deu certo.
Mas voltemos ao tema. Poder e gastronomia não necessariamente estão associados – há poderosos que ficaram longos anos no alto comando de seus países e nunca se soube que tivessem algum pendor enogastronômico – imperadores romanos, reis, rainhas (Vitória, Elizabeth da Inglaterra), ditadores (Perón, Getúlio, Salazar, Franco) e, na outra ponta, outros que transformaram a “sala de jantar” numa marca de sua época.
Por exemplo: na foto, um craque. Giscard d’ Estaing espeta no peito do Paul Bocuse a Legião de Honra.
Giscard condecora Bocuse
Até porque para um gourmet (por prazer ou cálculo) uma refeição especial deve ser harmonizada com vinhos adequados e dela fazem parte o que hoje chamaríamos de valores agregados. A iluminação, a disposição dos pratos e talheres + arranjos de flores, o número e o bem-vestir dos convivas, o timing dos serviços e até o tom de voz das conversas. E a intenção final do encontro.
Em suma: é uma experiência estética que pode se esgotar em si mesma ou repercutir em algum objetivo consequente: conquista amorosa, facilidades empresariais-financeiras, relações públicas, diplomacia de relacionamento, prestígio e influência: ou seja, tudo de que o poder também gosta!
Três exemplos.
Primeiro – pasmem – nos EUA. O primeiro presidente americano, George Washington, que governou de 1789-97, adorava vinhos Madeira e tanto ele quanto a mulher, Martha, dificilmente jantavam a sós. Sempre tinham convidados, alguns estrangeiros inclusive.      um dolar, sorte good luck
E  valorizavam a matéria-prima americana. Incentivaram o cultivo de esturjões do Potomac, que serviam na “chouder” Chowder uma sopa de amêijoas ou peixe, tradição da Nova Inglaterra. E como ele um grande fazendeiro, a boa carne de boi confinado.
Segundo: já o terceiro presidente, Thomas Jefferson (1801-1809),  horticultor, líder político, arquitetoarqueólogopaleontólogomúsicoinventor e fundador da Universidade da Virgínia, aprendeu nos tempos de embaixador de  seu país em Paris a gostar de bons vinhos e finas iguarias. E quando se tornou presidente, mandou buscar da França dois chefs – Julien e Lemaire – que faziam o encanto dos convivas na Casa Branca ( foi ele que a inaugurou). Ele adorava o especialíssimo vinho de sobremesa francês Château d’Yquem e tentou cultivar uvas vitivinícolas na Califórnia mas nunca teve o sucesso desejado.
Thomas Jefferson
Terceiro: mas o primeiro casal campeão de charme (em geral) e espetáculos-gourmet em especial, foram os Kennedy (1961-1963). Ele e Jacqueline contrataram o chef também francês René Verdon e a sala de banquetes da Casa Branca brilhou com os jantares de gala ou de Estado, aonde o chefe do cerimonial tinha instruções de mesclar milionários, artistas, nobres europeus, políticos influentes – sem falar nos chefes de estado e suas comitivas.

casal Kennedy

Observação: o segundo casal presidencial campeão de charme são os Obama, Michelle e Barack. Vestem-se bem, têm estilo.
casal Obama
Mas em termos de enogastronomia, fracotes. Já foram fotografados no Oyamel, de cozinha mexicana e no Jaleo, de cozinha espanhola, além de indiano, gregos, etc. Todos em Washington. Mas (me parece) mais um extensão do instinto pessoal do Obama de presença na mídia e de acabamento da imagem de um presidente-estadista. Mas que lá no fundo ele aprecie iguarias e néctares, I doubt it.
Embora Michelle tenha contratado um chef — Sam Kass — que fez a diferença com a sua cozinha sadia, a sua campanha por uma lipoaspiração na merenda escolar nas escolas, o seu horror a frituras, cremes e cristalizados.
Conclusão: embora pessoalmente o Donald Trump seja abstêmio, como presidente dos EUA ele deve prestigiar o vinho americano (praticamente os 50 estados produzem vinhos), a riquíssima variedade de ingredientes e insumos da moderna mesa americana e a escola de chefs que lá (NY, Boston, Chicago, Miami) é tão gabaritada como o Cordon Bleu de Paris. E, voltando ao título, para isso, eleger um deles para chefiar a cozinha da Casa Branca e organizar jantares memoráveis.
Nota: o relato desses três presidentes americanos e seus pendores gastronômicos, foi tirado do livre A Raínha que virou Pizza, do excelente crítico de gastronomia, jornalista e gourmet  J.A. Dias Lopes, que tive o prazer de conhecer e com quem convivi quando ele diria a Revista Gula, do grupo do Jornal do Brasil aonde eu trabalhava. O título se refere à raínha Margherita di Savoia (1851-1926), mulher do Rei Umberto 1º da Itália, que tornou célebre a pizza encimada por tomate, mozarela e manjericão, cores da bandeira de seu país.
Vida que segue

Nenhum comentário:

Postar um comentário