Opinião

Às favas com os escrúpulos da democracia

 Em artigo no jornal O Povo deste domingo (17), o economista Cláudio Ferreira Lima avalia as situações do impeachment de Dilma Rousseff. 

Segundo Diatahy Menezes, “o que institui um saber – mais que critérios lógicos e epistemológicos – é um ato de poder. Quem detém o poder numa determinada área estabelece o que é legítimo ou certo”. Por isso, ele confessa adotar o que denomina de epistemologia da desconfiança. (Passado e presente num instante. O Povo, 25/5/2015).
Nessa linha de pensamento, vou tratar do impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Pois bem: o sucesso ou insucesso de um presidente de República está em saber lidar com as condicionantes com que se defronta: as internas, de natureza econômica, política, social e cultural, e as externas, traduzidas na correlação de forças no xadrez internacional.
Ora, lidar com tais restrições significa construir e manter alianças, que implicam escolhas e, daí, inevitáveis embates. Com Dilma Rousseff não foi diferente.
No front interno, contava com a classe trabalhadora, beneficiada pela valorização do salário mínimo, e com a classe marginalizada, atendida pelos programas sociais. E tinha o apoio do setor industrial, a favor do qual reduziu a taxa de juros e os spreads bancários, e foi mais adiante, com o Plano Brasil Maior.
A redução da taxa de juros, claro, contrariou o capital financeiro, o chamado mercado. Assistimos então a duros e constantes embates entre governo e mercado, tendo este saído deles vencedor.
No front externo, o Brasil, com o Brics, ganhou projeção externa, mas, em contrapartida, desagradou aos Estados Unidos, ainda a maior potência mundial. Outras iniciativas, como as regras de exploração do pré-sal, confrontaram igualmente grandes interesses globais.
Mas o flanco aberto à corrupção foi decisivo. A Lava Jato, paralisando a Petrobras e o estratégico setor de petróleo e gás, tanto desorganizou a economia já fragilizada com a crise mundial quanto, pela queda do PIB e pelo vazamento programado de denúncias seletivas, atingiu, em dose dupla, o governo.
A essa altura, o setor industrial deixou a aliança, e o bloco do capital – produtivo e financeiro; nacional e global –, levando com ele frações da classe média, uniu-se e passou a lutar pela derrubada do governo.
Mas tudo deságua no Congresso Nacional. Lá, sem maioria, a presidente confinou-se aos limites do Executivo, perdendo a capacidade de governar. Tentou negociar. Passou por cima até mesmo das promessas de campanha, entregando ao mercado o comando da economia. Era tarde: estava selada a sentença.
Ora, que importa se é inocente, se não cometeu crime de responsabilidade. Tudo inócuo. Às favas com os escrúpulos da democracia.
Enquanto isso, o governo interino, que reúne as forças políticas mais atrasadas da nação, promove o retrocesso nos campos econômico, social, cultural e geopolítico. É preciso, pois, estar atento e forte, e agir, antes que vendam o “sonho intenso” do nosso hino.

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