COMO TER SUCESSO NA VIDA SEM ABRIR O LIVRO
GEORGE SARMENTO
Chego
ao VIII Congresso Nacional de Direito Público para o lançamento de
Ética Ambiental, escrito por duas simpáticas professoras que tiveram a
gentileza de me convidar para escrever a orelha do livro. Dirijo-me a um
animado grupo de juristas brasileiros, ciceroneado pelo procurador da
república Marcelo Toledo. A conversa gravitava em torno da variada
gastronomia servida nos restaurantes de Maceió. Os visitantes pareciam
mais interessados nos apetitosos pratos do Wanchaco, Carne do Sol do
Picuí e Bodega do Sertão do que pelos complexos temas jurídicos
debatidos no colóquio. E tinham razão.
De repente alguém diz:
– George, a orelha do livro está muito bem escrita. Parabéns!
Uma das cabeças coroadas da doutrina pátria interrompe o bate-papo e objeta com empáfia:
– Por que você não escreveu o prefácio? Tinha que escrever o prefácio!
Encarei o interlocutor com olhar condescendente de quem sabe das coisas e respondi de forma incisiva:
– A orelha é a parte mais lida do livro! A orelha é a parte mais lida de qualquer livro. De qualquer livro!, enfatizei.
De repente alguém diz:
– George, a orelha do livro está muito bem escrita. Parabéns!
Uma das cabeças coroadas da doutrina pátria interrompe o bate-papo e objeta com empáfia:
– Por que você não escreveu o prefácio? Tinha que escrever o prefácio!
Encarei o interlocutor com olhar condescendente de quem sabe das coisas e respondi de forma incisiva:
– A orelha é a parte mais lida do livro! A orelha é a parte mais lida de qualquer livro. De qualquer livro!, enfatizei.
Outro
jurista, igualmente coroado e ovacionado pela estudantada, concorda com
a minha tese. Explica que passou anos escrevendo um livro profundo, de
incontestável valor científico. Ninguém leu. Na terceira edição ainda
era um autor inédito. Aí teve a luminosa idéia: inserir uma orelha na
capa. Resultado: as vendas dobraram, dobraram não, triplicaram. A obra
tornou-se um best-seller. Leitura obrigatória em todas as faculdades de
direito do país. Perguntei-lhe se valeu a pena. Deu um longo trago em
seu charuto cubano, ajeitou o suspensório de seda pura e disse em alto e
bom som:
– Para falar a verdade, continuo tão
inédito como antes, talvez até mais. A diferença é que meus supostos
leitores fingem que conhecem a obra e saem por aí citando as informações
da orelha. E isso tem efeito multiplicador. Todo mundo compra e ninguém
lê. Um sucesso!
Lembrei-me de um episódio
curioso. Um amigo estava disposto a fazer carreira no serviço público.
Passou no concurso e continuou estudando feito um louco. Fez mestrado,
doutorado, línguas estrangeiras. Achou que seria promovido, que seriam
reconhecidos os seus esforços para o engrandecimento da repartição
pública. Nada. Os chefes ficaram ofendidíssimos com os seus
conhecimentos. "Quem ele pensa que é? Quem ele pensa que é?",
perguntavam enfurecidos, com babas de cães raivosos. O cargo terminou
sendo ocupado por um espertalhão de poucas luzes e muita malandragem.
Meu amigo decidiu mudar de vida. Rasgou Machado de Assis, Victor Hugo e
Albert Camus. Pediu exoneração e passou a ler avidamente as orelhas de
todos os livros que encontrava pela frente. Leu centenas delas. Hoje é
presidente de uma conhecida multinacional. Um homem rico.
Outro
amigo foi convidado para fazer uma conferência num congresso de
filosofia. Comprou dois livros de Nietzche, edições de bolso. Leu as
orelhas e fez uma belíssima exposição, arrancando palmas até mesmo dos
catedráticos. Depois foi visto no botequim da esquina aos beijos com uma
belíssima aluna de ciências sociais, que não cansava de admirar sua
vastíssima cultura. A cada trago de cachaça com mel, a beldade gritava
embevecida: "Assim falou Zaratrusta! Assim falou Zaratrusta!". No dia
seguinte os livros foram encontrados na lixeira do auditório, imaculados
como uma vestal romana.
Eis a verdade
irrefutável: os empresários de sucesso, os oradores que arrastam
multidões, os clérigos mais venerados, não são eruditos, mas
sofisticados leitores de orelhas. O resto é conversa fiada.
Outro dia eu exaltava os sermões do padre Antônio Vieira nos corredores do Forum de Maceió.
– Que estilo, que brilhantismo, que domínio da língua portuguesa, dizia com entusiasmo.
– Um saco, contestou a loira de fechar o trânsito. – Ninguém entende nada do que esse homem escreve. Balançou os cabelos oxigenados e alisados na chapinha japonesa: – Você precisa assistir a uma pregação do padre Fábio de Melo. Este sim, tem conteúdo. Lindo, maravilhoso!, acrescentou com olhos lúbricos de gata no cio.
Na época eu desconhecia esse fenômeno da mídia católica. Atônito, perguntei:
– Mas é padre mesmo, de batina, igreja e tudo? Ele canta ladainhas, hinos, essas coisas que todo padre faz?
– É padre de televisão, professor! O senhor vive em que século? Batina, já era! Ele anda na moda, malhado, roupa de grife, relógio rolex, um charme. E tem mais: é um excelente cantor. No seu repertório há músicas sertanejas e até Fábio Júnior, não é o máximo? As meninas ficam loucas quando ele fala, apaixonadíssimas pelo fruto proibido. Deu uma paradinha, e continuou: - Ah, tem uma coisa, o padre detesta ser assediado pelas meninas.
Outro dia eu exaltava os sermões do padre Antônio Vieira nos corredores do Forum de Maceió.
– Que estilo, que brilhantismo, que domínio da língua portuguesa, dizia com entusiasmo.
– Um saco, contestou a loira de fechar o trânsito. – Ninguém entende nada do que esse homem escreve. Balançou os cabelos oxigenados e alisados na chapinha japonesa: – Você precisa assistir a uma pregação do padre Fábio de Melo. Este sim, tem conteúdo. Lindo, maravilhoso!, acrescentou com olhos lúbricos de gata no cio.
Na época eu desconhecia esse fenômeno da mídia católica. Atônito, perguntei:
– Mas é padre mesmo, de batina, igreja e tudo? Ele canta ladainhas, hinos, essas coisas que todo padre faz?
– É padre de televisão, professor! O senhor vive em que século? Batina, já era! Ele anda na moda, malhado, roupa de grife, relógio rolex, um charme. E tem mais: é um excelente cantor. No seu repertório há músicas sertanejas e até Fábio Júnior, não é o máximo? As meninas ficam loucas quando ele fala, apaixonadíssimas pelo fruto proibido. Deu uma paradinha, e continuou: - Ah, tem uma coisa, o padre detesta ser assediado pelas meninas.
Fiquei pensando na
atriz hollyoodiana que fazia topless em Ipanema e foi cercada pelos
banhistas que gritavam "gostosa, gostosa!". Um escândalo. Ela ficou
bravíssima, sentiu-se desrespeitada, vilipendiada em sua intimidade. Não
admitia que adolescentes, velhinhos tarados, vendedores de biscoito
polvilho e de chá mate apreciassem os seus fartos seios. Ninguém
entendeu nada. Ora, se o padre se veste de garoto do Leblon, faz caras e
bocas, exala sedução por todos os poros, por que detesta as declarações
de amor das fãs apaixonadas pelo homem de carne e osso? Para mim esse é
um mistério inescrutável.
A essa altura o
leitor pode pensar: - "é despeito". E é mesmo, confesso isso sem pudor
ou medo da fogueira do inferno. Mas o que eu queria dizer é que os
conhecimentos teológicos são secundários, meros adereços, ornamentos
retóricos que não atraem o interesse da platéia. Pior, são poderosos
soníferos para os fiéis, mais fortes que uma dose cavalar de Lexotan. A
maioria gosta mesmo é do belo, do espalhafatoso, do sedutor. A parte
mais esperada da pregação são sempre os conselhos auto-ajuda, do tipo:
"tenha pressa em ser feliz", "seja o que é não o que as pessoas querem
que você seja".
Vivemos a era da
superficialidade intelectual. Se quiser ter sucesso na vida, não perca
tempo: comece a ler hoje mesmo as orelhas dos livros. Eu já comecei a
fazer isso. Os resultados são surpreendentes. Os marxistas não lêem
Marx, os kelsenianos não lêem Kelsen, os freudianos não lêem Freud, mas
causam frisson por onde passam. O leitor de orelhas está apto para dar
entrevistas, proferir discursos, escrever teses e, até mesmo, tornar-se
guru espiritual de milionárias ociosas.
É
imprescindível ter uma vasta biblioteca, com livros impecavelmente
arrumados. Uma boa biblioteca exerce grande fascínio sobre os incautos.
Lembre-se que os livros jamais devem ser lidos. Senão estraga tudo. Eu
tinha meus oito, nove anos, quando presenciei uma cena que ilustra essa
assertiva. Meu pai tentava convencer um cliente a assinar o contrato de
honorários. Perdeu muito tempo em detalhes técnicos, desnecessários. O
cliente hesitava. Queria garantias de que ganharia a causa, de que seria
absolvido pelo tribunal do júri. Foi aí que meu pai entendeu o espírito
da coisa. Pediu-lhe que olhasse de alto a baixo a sua estante recheada
de obras jurídicas, todas vermelhas de capa dura. O homem ficou
impressionado, balançava a cabeça feito catenga. Meu pai bateu na testa
várias vezes com a mão direita e disse: " - Está tudo aqui, na cachola! O
senhor acha que com esse cabedal vou perder a sua causa?". Convenceu o
cliente e meteu os honorários no bolso. Se ganhou a causa? Ah, essa é
outra história...
Enquanto os eruditos são
considerados chatos, pernósticos e entediantes, os leitores de orelha
são simpáticos, descontraídos, aceitos em todas as rodas sociais. Eles
são incapazes de perguntas embaraçosas sobre temas herméticos. Animam
horas a fio um papo cabeça falando muito sem dizer nada. Comentam
autores que nunca leram como se fossem vizinhos de casas geminadas ou
coleguinhas de jardim de infância. Os seus vastos conhecimentos do nada
roubam a cena e arrancam suspiros de admiração.
Mas,
atenção! Ler orelhas exige método e disciplina. É preciso saber de cor e
salteado o título da obra, o nome do autor, o tema abordado e algumas
frases de efeito. A ausência de um desses elementos é fatal. Você pode
ser desmascarado, taxado de impostor, jogado à execração pública. Mas se
você seguir as regras direitinho estará pronto para aproveitar as
delícias que a vida lhe reserva. Boa sorte!
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