PODE ME
ESCUTAR UM MINUTO?
Por MARLI GONÇALVES
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Tem de pedir por favor?
Pagar? Comprar uma ficha? Você diz uma coisa e respondem outra. Ninguém mais dá mais atenção um ao outro? Reparou?
Virou uma competição de egos, de desgraças, coisa para novos estudos sobre intercomunicação e a nova Torre de
Babel
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Melhor falar com o espelho, com a parede, com o teto, pensar em voz alta para achar que tem alguém ouvindo, mesmo que esse
alguém seja você. Pelo menos não ficará frustrado com a forma que as relações tomaram ultimamente, nesses
tempos de internet, que não há por que negar influenciam e vêm mudando de modo impressionante a nossa forma de interagir. Talvez
seja por isso que tanta gente conversa longamente com seus bichos de estimação, esses nos dão atenção, pelo menos
podemos achar isso - e todo mundo precisa de atenção por mais de um minuto.
Pega o exemplo de um post no
Facebook. Ando apavorada com isso, com o jeito que cada pessoa tem de
entender algo e que se desvia de tal forma com o comentário que faz do
que você escreveu que é preciso até voltar, reler, verificar o que foi
que você próprio escreveu, se não
está maluco, se não foi mudado por algum hacker ou pelo próprio teclado
cheio de vontades.
Tudo superficial. Não adianta "desenhar" também, nem falar lentamente, nem usar palavras fáceis, mais
didáticas, arroladas com toda a calma que Deus lhe concedeu. A impaciência se une à prepotência e aí a coisa
degringola de vez.
Leandro Karnal, o historiador meio filósofo, outro dia em um programa de tevê tocou nesse assunto.
Chamou a atenção para a absoluta falta de continuidade das conversas, o que eu já vinha notando há algum tempo. Nunca a
expressão palavras ao vento soou tão verdadeira. Você diz que está morrendo e a pessoa fala que está frio, ou que
também está morrendo, você precisa ver como ela anda se sentindo mal, precisa ir ao médico e não tem tempo, mas
é assim mesmo, e aí desfia um rosário particular - ai se não prestar atenção. E à esta altura
você, lá, morto, caído, estirado, pronto para ser enterrado.
Para Karnal há,
inclusive, uma nova linguagem surgindo. Fiquei horrorizada porque ele
ainda admitiu que ela não levará muito mais em conta, por exemplo,
o uso de plurais. Os "s" todos mordidos, comidos, em extinção. Os verbos
andam massacrados, e às vezes as notícias
têm de ser lidas mais de uma vez para serem entendidas tal a confusão da
narração. Há dias, acreditem, apareceu uma
mulher com cabelos azuis numa matéria e que até agora não ficou clara
sua participação na história.
Como ultimamente se fala feio; como se escreve feio! Frases capengas com vocabulários pobres e alterados
como as rosas de Hiroshima.
Como se pensa feio. Há uma crise na
intercomunicação que
deve ser levada em conta para entendermos o momento atual de um país
onde idiotas viram heróis e qualquer coisa é celebridade por
dez minutos ou dez dias, esquecidos mais rapidamente ainda.
Imagino os professores nas salas de aula
falando para dependentes de smartphones loucos para teclar com quem está
fora dali, mandar uma selfie, curtir, compartilhar. Nunca se foi
tão social e ao mesmo tempo antissocial.
Dentro desse quadro psicótico se desenvolve a nossa
política, ouvimos aqueles discursos delirantes e coligações inimagináveis, que vêm produzindo um dia a dia
insuportável e cada dia mais cansativo para quem ainda esperançoso aguarda mudanças.
Essa semana vai ser
difícil, com a patética escolha da nova presidência da Câmara, já com mais de dez candidatos, uma baciada de sujeitos
e sujeitas que não representam nem apresentam nada de bom. Fomos aos milhões às ruas, mas como cada um falava uma coisa, parece
que acabamos todos não sendo ouvidos e assim condenados a ficar trocando seis por meia dúzia por mais algum bom tempo.
Marli Gonçalves, jornalista
- - Me escuta aqui um minuto
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