Pedem-se ideias
A crise da
ditadura militar no Brasil precipitou os acontecimentos e deu força à
nova moda, que dava aos políticos uma aura de modernidade: aproximar-se
do povo, dar-lhe voz, era o caminho. E foi daqui que, num país quase
sempre à beira do caos, nasceu um projeto reconhecido pela ONU como uma
das melhores práticas de gestão pública urbana do mundo. Porto Alegre
foi a primeira cidade a pedir sugestões de desenvolvimento aos seus
habitantes e a aplicá-las com sucesso, mas a ideia foi, desde então,
reproduzida de Paris a Toronto. A Lisboa, chegou com António Costa, que
investiu 26 milhões em projetos dos lisboetas e oito anos depois quer
ser o primeiro a aplicar a ideia ao orçamento do país. O plano tem
virtudes. Por um lado, porque escolhe áreas de ação muito específicas e
em que as contribuições de quem está nelas envolvido podem realmente
trazer novidade e valor. Por outro, porque quem está longe (quem passa
os cheques) não sente tanto os problemas das populações - tem sido este o
principal argumento de quem defende que os centros de decisão do país
não podem estar todos em Lisboa. Ter os próprios cidadãos a dizer aquilo
de que precisam ajuda a encurtar distâncias e a trazer mais equilíbrio
(e justiça) ao desenvolvimento do país. Mas a ideia também levanta
questões. Em primeiro lugar, é preciso que os projetos sejam realmente
bem escolhidos - sob pena de vermos essa fatia do orçamento acabar por
ser desperdiçada. E quem fará essa seleção de entre milhões de
potenciais medidas? Quantas pessoas - e quais - serão precisas para
descartar os delírios até chegar a uma ideia que faça sentido para o
país? E se uma ideia correr mal quando posta em prática, a quem será
atribuída a responsabilidade? Todas estas questões têm de ser acertadas
antes de testar o programa. Se for bem feita, a iniciativa pode gerar
valor. Mas é preciso lembrar que gerir uma autarquia não é o mesmo que
governar um país.
Editorial do Jornal Diário de Notícias de Portugal.
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