A GUERRA ACABOU
Por FERNANDO GABEIRA
…
Assim como o japonês que não sabia do fim da guerra, nossos soldados
talvez tenham ignorado um outro marco da história contemporânea: a queda
do Muro de Berlim. Seguem de cabeça erguida rumo ao socialismo do
século XXI, simplesmente como se o século anterior não tivesse existido…
PUBLICADO ORIGINALMENTE EM O GLOBO, SEGUNDO CADERNO, E NO SITE OFICIAL DE FERNANDO GABEIRA, WWW.GABEIRA.COM.BR, 24 DE JANEIRO DE 2016
Um soldado japonês, chamado Hiroo
Onoda, lutou por 30 anos, depois que a II Guerra acabou. Ele foi mandado
para as Filipinas com a missão de resistir e ficou por lá, sem saber do
término do conflito. É quase impossível reproduzir, hoje, a saga de
Hiroo Onoda.
Mas se olhamos para o Brasil, num
período de derrocada da Petrobras e dos próprios preços do petróleo,
veremos que o país tem um pouco da persistência do soldado japonês.
Fomos educados a pensar que o petróleo é nossa grande riqueza,
constantemente ameaçada pelos estrangeiros. Saímos às ruas, os mais
velhos, para defender esse tese e gritávamos orgulhosamente: o petróleo é
nosso. Com a descoberta do pré-sal, no governo do PT, reacendeu-se a
chama: o petróleo é nossa redenção e dele brotam as fontes dos nossos
recursos. No primeiro mandato de Lula, ele flertou com o álcool,
planejou usinas de álcool em todo lugar, inclusive em parceria com os
americanos. Mas o petróleo era muito forte. O pré-sal fez com que Lula
jogasse todos os projetos de álcool para o espaço, lambuzasse as mãos
com óleo negro e acariciasse as costas de Dilma, numa célebre foto em
que parecia dizer: você é a herdeira e vai nos levar ao paraíso.
Alguns sabiam que não era bem assim.
Conheciam a história da doença holandesa, como os países dependentes da
produção do petróleo correm o risco de se atrasar. E viam também que
recursos não bastam. Os royalties saíam pelo ralo em grandes festas
municipais, obras caras e quase inúteis. Os patrióticos soldados do
petróleo atacaram na regulação do pré-sal. É preciso não só defender o
papel da Petrobras, como afirmar nossa vocação nacionalista: a empresa
era obrigada a participar de todos os projetos na área do pré-sal.
…O
brasileiro terá de garantir uma longa prisão para seus retardatários
guerreiros. A última grande batalha aconteceu nas ruas do Rio, quando já
se sabia do escândalo da Petrobras. Comandado por Lula, um pequeno
pelotão desfilou pelas ruas defendendo a grande empresa dos seus
inimigos internos e externos…
A alternativa era dar à Petrobras a
preferência. Onde quisesse, participaria; onde não quisesse,
descartaria. A preferência era inclusive evitar as canoas furadas. Mas
não soava tão nacionalista, tão apaixonada. O populismo de esquerda
queria se apresentar como o grande defensor da Petrobras.
Seus adversários do PSDB não tinham
como contestá-lo, na verdade entraram na onda, com medo de perder votos.
Enquanto o petróleo seguia seu destino de commodity, subindo e descendo
no mercado, acossado pelos perigos do aquecimento global, nossos
soldados continuavam a luta para protegê-lo da ambição estrangeira,
imperialista, alienígena, enfim, o adjetivo dependia do estilo pessoal
do orador.
O
soldado japonês ficou 30 anos lutando numa guerra por disciplina e amor
ao seu país. Quem o mandou para as Filipinas disse: fique lá até que
determinemos sua volta. Os soldados brasileiros do petróleo amam o
Brasil de uma forma diferente do japonês. Eles se identificam tanto com o
país que, ao afirmarem que o petróleo é nosso, querem dizer que o
petróleo é deles. Esta confusão entre soldado e pátria, partido e país,
acabou inspirando a maior roubalheira da história do Brasil: o petrolão.
O governo japonês garantiu um salário digno para o soldado Hiroo Onoda
até o fim de sua vida. O brasileiro terá de garantir uma longa prisão
para seus retardatários guerreiros. A última grande batalha aconteceu
nas ruas do Rio, quando já se sabia do escândalo da Petrobras. Comandado
por Lula, um pequeno pelotão desfilou pelas ruas defendendo a grande
empresa dos seus inimigos internos e externos.
Assim como Lula, usavam macacões da cor
laranja. Se fosse nos Estados Unidos, pareceriam candidatos à prisão,
pois já estavam vestidos com a cor certa. O laranja é a cor do uniforme
dos presidiários lá e inspirou o título de uma série sobre a cadeia:
“Orange is the new black”. Mas se prendêssemos todos ali, poderíamos
cometer injustiças. Nem todos saquearam a Petrobras. Alguns, talvez a
minoria, simplesmente, não sabem que a guerra acabou e continuam
acreditando que os americanos querem nosso petróleo e que o mundo
inteiro se tensiona para nos explorar. Não sabem como os americanos
avançaram na exploração do xisto, ignoram os investimentos alemães e
chineses na energia solar, não dimensionam um conflito muito mais
importante para o petróleo: o da Arábia Saudita e Irã, sunitas versus
xiitas.
Assim como o japonês que não sabia do
fim da guerra, nossos soldados talvez tenham ignorado um outro marco da
história contemporânea: a queda do Muro de Berlim. Seguem de cabeça
erguida rumo ao socialismo do século XXI, simplesmente como se o século
anterior não tivesse existido. Em vez de fazer uma luta armada para
implantar seu modelo, optaram por uma sinistra marcha pelas
instituições, dominando-as progressivamente, até que sejam apenas um
brinquedo na mão do partido e seu líder. Essa novidade também foi para o
museu, com a crise na Venezuela, a derrota na Argentina. O Brasil não é
um país muito rápido para apreender as mudanças, a ponto de prender os
líderes saqueadores e mandar os iludidos soldados cuidarem de sua vida.
Pelo menos já compreendeu o ridículo de
expor as mãos tintas pelo petróleo, de acreditar que nosso futuro
depende apenas dele, de se divertir gastando royalties em incontáveis
shows musicais nas cidades do interior. A guerra acabou. Hoje a ação da
Petrobras vale menos que um coco na praia. E as reservas do pré-sal que
nos trariam fortunas mirabolantes tornam-se economicamente inviáveis com
o petróleo a US$ 30 o barril. O exército laranja e seu general com mãos
sujas de óleo deveriam sair das trincheiras. Perderam.
O pior é que fizeram o Brasil perder muito mais, com suas ilusões, erros e crimes.
*** *Fernando Gabeira*- é
escritor, jornalista e ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro.
Atualmente na Globo News, onde produz semanalmente reportagens sobre
temas especiais, por ele próprio filmadas (no ar aos domingos, 18h30, e
em reprises na programação). Foi candidato ao Governo do Rio de Janeiro
nas últimas eleições. Articulista para, entre outros veículos, O Estado
de S. Paulo e O Globo, onde escreve aos domingos.
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