O dólar não é o dólar?

Cotação efetiva do dólar mostra níveis abaixo de 2002

Especialista alerta que cálculo deve levar em consideração o IPCA e a inflação nos EUA 

Ana Siqueira*

A última semana foi de grande alarde no noticiário nacional, com o dólar alcançando valores recordes desde a criação do real, em 1994. A moeda norte-americana bateu a casa dos R$ 4,24, causando alvorosso no mercado. Contudo, um olhar mais atento mostra que a realidade não é tão assustadora quando se alardeia. Esta cotação é a nominal. Para se chegar ao valor efetivo da divisa, é preciso corrigir o real pelo Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA) e o dólar pela inflação dos Estados Unidos. Feito o ajuste, a conclusão é clara: os patamares atuais são bem mais baixos do que em 2002.
Naquela época, o mercado digeria com cautela a eleição de Luis Inácio Lula da Silva à Presidência da República, elevando a pressão sobre o câmbio. Em outubro de 2002, o dólar tinha cotação nominal de R$ 3,99; feitas as devidas correções sobre o IPCA e o CPI (índice de inflação dos EUA), para atingir os níveis daquele mês a moeda norte-americana deveria valer aproximadamente R$ 6,88. O cálculo - feito pelo economista Alexandre Cabral, da NeoValue Investimentos - não correlaciona o poder de compra entre os dois períodos analisados, serve para que se tenha uma base de comparação adequada entre cotações de diferentes momentos.  
Correção da moeda garante uma base de comparação mais adequada do que a simples cotação nominal do dólar
Correção da moeda garante uma base de comparação mais adequada do que a simples cotação nominal do dólar
Assim como hoje em dia, em 2002 o momento era de incerteza política, mesmo por motivos diferentes. Naquele período, o mercado financeiro reagia com nervosismo à chegada do PT ao poder. Agora, dúvidas em relação à crise fiscal por que passa o governo ditam a tendência do câmbio. De acordo com Cabral, os conflitos entre Planalto e Congresso e a possibilidade de mais uma agência internacional tirar o grau de investimento do Brasil também intensificam a pressão cambial no país.
Mesmo com tantos problemas, o economista avalia que a pressão sobre o câmbio era ainda maior na época em que Lula foi eleito, graças ao grande grau de incerteza que rondava o cenário político. "Hoje a gente sabe qual é a dor de cabeça, só está com dificuldade para dar o remédio. Naquela época não se sabia, ninguém tinha a menor ideia do que seria o PT no poder", explica Cabral. Ele também lembra que, além dessas duas ocasiões, o país já passou por outros momentos de aumento na pressão cambial.
Um deles foi durante a época da "Crise do Subprime", que atingiu seu auge em 2008. As dificuldades econômicas enfrentadas pelos Estados Unidos repercutiram em todo o mundo, inclusive no Brasil. Em dezembro daquele ano, o dólar valia cerca de R$ 2,50; atualizando sua cotação, Cabral calcula que seu valor efetivo ultrapassaria os R$ 3, chegando a exatos R$ 3,18. "O ano de 1999 foi outro período de muita pressão cambial, mas esses dois casos são marolas perto do que vimos em 2002 e vemos hoje em dia", opina Cabral.
Para o economista, o problema não está na moeda norte-americana ter chegado à casa dos R$ 4, e sim na rapidez com que isso aconteceu. "Há exatamente um ano, em 1º de outubro de 2014, o dólar estava a R$ 2,36. Agora ultrapassa os R$ 4. A velocidade assusta e prejudica o importador, que tinha um planejamento com o dólar em outros patamares", explica. Uma valorização expressiva como essa deveria ter durado, na avaliação de Cabral, ao menos dois ou três anos.

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