O Supremo, o povo e as doações de campanha

Com fim de doações empresariais, gestão do Fundo Partidário precisa ser rediscutida

Debate sobre financiamento exclusivamente público fez Congresso triplicar recursos do Fundo 

Ana Siqueira*
“O Supremo Tribunal Federal está em consonância com a população”, afirmou o cientista social Júlio Aurélio sobre a decisão tomada pela Corte na última quinta-feira (17). Por 8 votos a 3, o STF declarou inconstitucionais as doações de pessoas jurídicas a partidos políticos. De acordo com Aurélio, que também é jurista e hoje atua como pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa, a mudança é uma resposta à indignação dos cidadãos brasileiros contra a corrupção, pois interrompe a principal “válvula” viabilizadora de contatos ilícitos entre políticos e empresariado.
Agora, o Fundo Partidário, cujos recursos foram triplicados quando o debate sobre o financiamento exclusivamente público teve início, será a principal fonte de recursos para as campanhas eleitorais. Na visão do especialista, este é o momento para rever a gestão e acesso ao fundo, que em abril deste ano chegou ao patamar de R$ 867,5 milhões, ante um projeto original de apenas R$ 289,5 milhões. Na época, o autor da emenda e relator do Orçamento de 2015 no Congresso, senador Romero Jucá (PMDB-RR), afirmou que a revisão do valor advinha do início das discussões sobre a inconstitucionalidade dos repasses de pessoas jurídicas para partidos políticos.
“Em primeiro lugar, deveríamos começar impedindo o acesso de qualquer partido [ao Fundo Partidário]. Estabelecer a chamada Cláusula de Barreira, na qual apenas partidos que já têm determinado coeficiente eleitoral, um mínimo de amparo da população, possam ter acesso ao ele. E não como é hoje, em que qualquer legenda registrada conta com uma cota do fundo”, opina Júlio Aurélio. A lógica em vigor atualmente, explica o cientista social, é de estímulo à criação de partidos. Isso porque basta estar registrada para que uma legenda tenha acesso aos valores do Fundo Partidário. Atualmente, o Brasil já conta com 33 partidos políticos; o mais recente deles, o Partido Novo, teve sua fundação aprovada pelo plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na última terça-feira (15).
De acordo com o TSE, que neste sábado (19) comemora os 20 anos da Lei dos Partidos Políticos, o valor previsto para o fundo resulta do somatório dos valores provenientes de multas e penalidades aplicadas nos termos do Código Eleitoral, recursos financeiros que lhe forem destinados por lei e doações de pessoas física ou jurídica. Ao JB, o TSE disse que ainda não recebeu informações sobre como a decisão do STF pode impactar o Fundo Partidário, mas as doações de empresas e demais pessoas jurídicas também deverão ser interrompidas a partir de 2016.
Para que o novo modelo de financiamento funcione, o jurista Júlio Aurélio ainda opina que o Tribunal, que possui uma magnitude ímpar em relação a outros países do mundo, “deveria servir a uma função social de ser o fiscal efetivo da vida partidária”. Em primeiro lugar, na avaliação do pesquisador, está a instauração de uma cobrança sistemática sobre a utilização do Fundo Partidário. “Hoje, só existem medidas meramente protocolares. Esse financiamento precisa ter regras que, a rigor, ainda não existem, pois são meramente formais e nada substantivas”, explica.
Ele também entende que a determinação de valores para o fundo deve ser de responsabilidade do STE, e não da classe política. “Atualmente, são os políticos que ditam quanto ele deve aumentar, por meio de Projetos de Lei que tramitam no Congresso. O Tribunal deveria controlá-lo”, enfatiza. Na opinião de Júlio Aurélio, também existem muitos outros problemas no sistema eleitoral brasileiro, dentre eles “o falseamento do voto”. O jurista afirma que 70% dos deputados eleitos não receberam votos dos eleitores, mas figuram no Legislativo porque “a lei faz com que o eleitor vote em determinado candidato, mas seu voto seja apropriado pelo partido como um todo”.
Ainda no entendimento de Júlio Aurélio, são muitas as adequações a serem feitas após a resolução do STF, que altera a lógica de financiamento político com que o Brasil estava acostumado. Mesmo assim, ele vê na mudança um avanço. “A decisão confere aos partidos a responsabilidade de serem veículos da democracia e da formação da vontade política geral. Implicitamente, ela diz que partidos só podem ser permeáveis à sociedade, e não a grupos de interesse”, pontua o cientista social.
Defensores do financiamento privado apostam na PEC 113/2015 para reverter decisão
Os defensores das doações de pessoas jurídicas ainda esperam reverter a proibição do STF. O caminho, de acordo com eles, seria a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 113/2015, uma minirreforma eleitoral em tramitação no Senado. O texto provém da Câmara dos Deputados, onde foi aprovado no fim de maio deste ano.
Na interpretação dos senadores que defendem a PEC, a decisão do Supremo impede a aprovação de leis liberando as doações de pessoas jurídicas, mas os repasses poderiam ser garantidos por meio da aprovação de uma emenda constitucional.
"Quando você faz emenda na Constituição, não precisa passar pelo presidente da República, apenas pelo Congresso. São quatro votações, duas no Senado e duas na Câmara. Em cada uma delas é preciso que 3/5 dos deputados e dos senadores aprovem a PEC", explica Júlio Aurélio. Na visão do jurista, entretanto, os favoráveis a esse tipo de financiamento não conseguirão atingir a quantidade de fotos necessários para aprovar a proposta.

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