Datafolha: elite branca era maioria esmagadora na Paulista
Neste 16 de agosto, a elite branca mais uma vez destilou na Avenida Paulista um veneno bastante conhecido dos pobres.
Antônio David
Às vezes dizer o óbvio tem a
sua importância. As pessoas que participaram das manifestações no último
dia 16 de agosto não são idênticas. Nas ruas, havia de tudo. Pobres e
ricos, brancos e negros, trabalhadores e patrões. É fato que a
insatisfação desceu. Cabe à esquerda compreendê-la e oferecer saídas.
Mas daí a concluir que o "povo" tomou as ruas é um grande equívoco.
O que predominou no domingo?De
início, é importante notar que os extremistas, entusiastas da ditadura e
defensores da "intervenção militar constitucional", representam uma
minoria. A maioria não parece fechar com suas ideias, embora não faça o
menor esforço para contestá-las, antes dando-lhes guarida e abrigo.Todavia,
ao contrário do que os patrocinadores das manifestações alegam, também o
povo figurou em minoria nas ruas no último dia 16 de agosto.A tabela abaixo, divulgada pelo insuspeito Datafolha, não deixa dúvida de que, na Avenida Paulista, predominava a
elite branca, repetindo o quadro de abril e de março, como notou na
época o também insuspeito jornalista Fernando Canzian: "Os que foram à
rua em São Paulo pareciam muito representativos dos ricos" (15/03/2015) (http://www1.folha.uol.com.br/colunas/fernandocanzian/2015/03/1603261-festa-de-rico-velorio-de-pobre.shtml).
Por que a elite branca protesta?
Seria
útil se o Datafolha incluísse em sua pesquisa perguntas que oferecessem
um perfil mais detalhado dos manifestantes, que incluisse suas opiniões
e atitudes em relação aos pobres. Ajudaria muito a explicar as razões
profundas das manifestações. Mas talvez o grupo Folha de S. Paulo não
tenha interesse nisso.
É
certo que, entre as pessoas de maior renda, nem todos são
necessariamente o tipo de gente que pensa "esse aeroporto está parecendo
uma rodoviária". Há sempre exceções. Contudo, inúmeras pesquisas têm
mostrado que predomina na classe média tradicional - isto é, na
elite branca - uma forte insatisfação devido à perda relativa de
prestígio e status fruto da mobilidade social promovida pelo governo
Lula.
São
pessoas que não aceitam qualquer fissura na cultura senhorial legada de
nossa formação social escravocrata, por mais tíimida e modesta que
seja. É o tipo de gente que até gosta da empregada doméstica, desde que
ela "fique no seu lugar". Mas como agora a empregada doméstica "está
ficando folgada", sobrou para Lula, Dilma e o PT.
Embora a corrupção mereça ser alvo de protestos - cabendo ao PT uma dura autocrítica na prática -, para a maioria a
operação Lava Jato foi o pretexto. Não que a maioria não queira o fim
da corrupção, mas querer isso e votar em Aécio Neves não é exatamente
sinal de coerência.
Não
é o vago desejo de um país livre da corrupção que os move neste
momento. Se assim fosse, o Datafolha teria revelado outro quadro. Os
pobres também querem o fim da corrupção e, mais uma vez, abstiveram-se
de misturar-se com os ricos na avenida. Os pobres não sentem ódio do PT
por causa, por exemplo, do Mais Médicos; os ricos, sim.
Os
pobres estão descontentes e decepcionados com Dilma, e com razão, mas
daí a supor que eles não têm discernimento é outro equívoco, dessa vez
banhado de preconceito. Os pobres intuem com aguda clareza que, por trás
do ódio ao PT e aos dois mandatários presidenciais, esconde-se na
verdade um profundo e arraigado ódio contra eles próprios.
Por
mais que "elite branca" tenha se tornado um bordão na boca da esquerda,
de modo que alguns jornalistas e ativistas da direita já começam a
ironizar, o que importa é que os de baixo percebem a existênca de uma
elite branca e sabem que ela os odeia. Sabem porque, afinal, trata-se de
um ódio que se manifesta diária e cotidianamente. Experientia docet.
Nesse
sentido, fotos e vídeos das manifestações são extremamente instrutivas.
Sobretudo aquelas imagens nas quais o mal-disfarçado preconceito vêm à
tona, ganhando contornos e voz em cartazes, faixas, estampas e
declarações.
Na Avenida Paulista, a
elite branca mais uma vez destilou um veneno bastante conhecido dos
pobres. Escancarando o submundo senhorial de nossas elites, as
manifestações desde ano ao menos têm um mérito: tornar mais visível a
herança de um passado que não cessa de persistir no presente. Essa é a
maior de todas as heranças malditas.
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