Para presidente do Bradesco, crise é grave e solução exige "grandeza"


A crise entre o governo e o Congresso é grave e compromete os ajustes necessários para tirar o país da recessão. Para superá-la, será preciso "ter a grandeza de separar o ego pessoal do que é melhor para o país", afirma o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco.
"Vamos ter que consertar o avião em pleno voo, não dá para esperar pela aterrissagem", disse o executivo em entrevista à Folha, na última quinta (6), na sede do grupo, em Osasco (Grande SP).
Aos 63 anos, 47 deles no Bradesco — seu primeiro e único emprego —,Trabuco foi a primeira opção da presidente Dilma para o comandar o Ministério da Fazenda.
Recusou. "Aqui é meu lugar para ajudar o país", diz. O posto foi ocupado por Joaquim Levy, ex-funcionário do banco que tem "objetivos cívicos e patrióticos".

Karime Xavier/Folhapress
Luiz Trabuco, presidente do Bradesco, na sede do banco
Luiz Trabuco, presidente do Bradesco, na sede do banco
O trabalho da atual equipe econômica do governo, que aumentou os juros na tentativa de reduzir a inflação e encaminhou medidas para reduzir os gastos do setor público, é elogiado por ele.
Mas Trabuco diz que, a esta altura, apenas medidas técnicas não são suficientes. "A crise política é mais forte que a econômica. Isso abala a confiança no país e retarda a retomada do crescimento."
Na visão do Bradesco, a recuperação só deve acontecer a partir de junho do ano que vem. Nos cenários do banco, a volta do crescimento seria puxada por investimentos em projetos de infraestrutura.
Presidente de um banco que parte do mercado financeiro identifica como aliado de primeira hora do governo, Trabuco faz críticas à primeira gestão de Dilma Rousseff, embora não cite seu nome.
Diz, por exemplo, que "acreditamos em coisas que não deram certo, como segurar os preços administrados" (no primeiro mandato, Dilma tentou controlar as tarifas de energia e segurou os preços dos combustíveis).
Nesta semana, Trabuco deu a maior tacada dos seus seis anos como presidente do Bradesco, com a compra das operações do banco britânico HSBC no Brasil, por quase R$ 18 bilhões.
Com a operação, o Bradesco continua sendo o segundo maior banco privado do país, só que mais perto do primeiro colocado, o Itaú, e bem mais longe do terceiro, o espanhol Santander.
Na opinião de Trabuco, o processo de fusões e aquisições entre bancos no Brasil foi concluído com essa operação. "O desenho do sistema bancário brasileiro foi um processo darwiniano, no sentido de selecionar os mais aptos", afirma ele.

Karime Xavier/Folhapress
O presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, na sede do banco em Osasco
O presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, na sede do banco em Osasco
Diretamente envolvido no processo de aquisição do HSBC, o presidente do Bradesco diz que sua função exige 24 horas de trabalho por dia, sete dias por semana.
Para fugir do estresse, ele gosta de assistir séries na televisão. Adorou "Breaking Bad" e "Game of Thrones". No momento está se divertindo com "Downton Abbey".
Nesta entrevista à Folha, Trabuco fala sobre a operação e os efeitos da crise política na economia.
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Folha - Nesta semana o sr. apareceu na mídia pela compra do HSBC. Já pensou que poderia estar nas manchetes todos os dias, só que como ministro da Fazenda, e sendo criticado?
Luiz Carlos Trabuco - Houve esse momento pós-eleições, mas, desde que isso começou a ser ventilado, sempre tive uma convicção. Estou na empresa há 47 anos e tenho responsabilidades com esta organização. Aqui é meu lugar para ajudar o país.
Se fosse hoje, com essa confusão toda, o sr. indicaria o Joaquim Levy para a Fazenda?
Não tem essa questão de indicação. Não houve isso. O Levy é um homem de Estado, que tem uma formação irretocável. Ele tem objetivos cívicos, patrióticos, de dar sustentabilidade ao país.
A presidente Dilma tem o menor índice de popularidade, o presidente da Câmara rompeu com o governo e o vice-presidente Michel Temer diz que a situação é grave e pode piorar. O que está ocorrendo?
Há uma crise grave, séria. Vamos ter de consertar este avião em pleno voo, não dá para esperar a aterrissagem. Políticas monetária e fiscal austeras apenas não bastam.
A crise política é mais forte que a própria crise econômica. Isso abala a confiança e retarda a retomada. Todos os participantes desse processo –políticos, Executivo, autoridades– têm de pensar grande. Precisamos ter a grandeza de buscar a convergência.
O Congresso tem contribuído para buscar soluções ou apenas tumultua o ambiente e cria desgastes para o governo?
Eu tenho dificuldades, até pelo meu escopo de trabalho, de opinar sobre determinadas atitudes do momento. Precisamos sair desse ciclo do quanto pior, melhor. Melhor para quem? Para o Brasil, não é. As pessoas precisam ter a grandeza de separar o ego pessoal do que é o melhor para o país.
Quando o país sai da recessão?
Não fomos capazes de antever o que aconteceria após a redução no preço das commodities que o Brasil exporta, que trouxe perdas para a renda nacional. E acreditamos em coisas que não deram certo, como segurar os preços administrados. Quando 2015 chegou, era inevitável ter inflação acima de 9%.
Mas essa é uma inflação corretiva, que está equacionando uma diferença de preços e tem prazo para acabar. A política monetária foi executada. Nós trabalhamos com um PIB extremamente modesto, fraco até junho do ano que vem. Depois tem a retomada. Mas essa retomada será puxada pelos investimentos em infraestrutura.
O ex-ministro Delfim Netto escreveu que o Brasil corre um risco de excesso de liquidez, em que o consumidor não compra, as empresas não investem e os bancos não dão crédito? O sr. vê esse risco?
O professor Delfim tem razão, mas tudo vai depender do nosso talento de fazer a liquidez internacional trabalhar a nosso favor. O dinheiro precisa de rentabilidade. Precisamos reduzir o nível de preconceito, de questões ideológicas, temos de aumentar os acordos comerciais.
Ideologia e preconceitos?
A ideologia e o preconceito atrapalham porque quando a realidade não bate com as suas ideias, em vez de mudá-las você tenta mudar a realidade. Isso não se sustenta.
Os críticos do governo dizem que foi isso que a presidente Dilma fez no primeiro mandato. O sr. acha que a mudança de rumo na economia neste ano foi feita com convicção?
Eu acredito nisso. Vejo convicção no tratamento dos preços e na busca pelo equilíbrio fiscal. Nas concessões, a direção a partir deste ano é totalmente diferente.
O Bradesco, que é conhecido como um banco popular, passa a ser o maior do país em clientes de alta renda com a compra o HSBC. Isso não pode descaracterizar a instituição?
A segmentação de clientes existe para reconhecer pela renda a evolução social que o Brasil teve e vai continuar a ter. Se desprezássemos a base da pirâmide, perderíamos nosso projeto histórico, que acredita na mobilidade social. Queremos ser eficientes para todos os clientes.
Essa elite que vem com o HSBC vai sofrer assédio dos concorrentes. Como mantê-los?
Antes de as autoridades aprovarem a transação, a gestão do banco será feita pela equipe do HSBC. Queremos desenvolver neles a capacidade de retenção de clientes. Eles querem fazer carreira no banco.
O cliente antigo do Bradesco não pode ficar com ciúmes dos benefícios dos novos?
Nosso desafio é oferecer aos nossos clientes aquilo que o cliente do HSBC já tinha. E vice-versa.
Há bancos para comprar?
O desenho do sistema bancário brasileiro foi feito por seleção natural. Foi darwiniano.
É por isso que o HSBC tinha um valor de escassez [era o último grande banco disponível para compra].
O sr. disse em entrevistas que não vai cortar funcionários do HSBC. Mas isso não é o que os bancos costumam fazer quando compram outros...
Racionalizar custos não se resume a cortar funcionários. Somos cinco vezes maiores que eles, podemos incorporar o pessoal do HSBC nos serviços que hoje terceirizamos. Dá para dar empregos suficientes e fazer uma incorporação respeitosa com os funcionários. Vamos ganhar escala com a renegociação de contratos –alguns muito significativos, como transporte de numerário ou vigilantes.
Nosso maior entusiasmo no ganho de sinergia é também no aumento de receitas. No caso da clientela do HSBC, temos um oceano azul para ser feito com produtos de seguros, previdência, consórcio e cartão de crédito.
Pelo estatuto do banco, o sr. deve se aposentar dentro de dois anos. Já sabe o que vai fazer quando chegar a hora?
Essa reflexão está no meu calendário. Terei completado 49 anos de atividade bancária, mas sempre terei a oportunidade de contribuir com a organização. O talento dos administradores é dar a suas empresas uma longevidade maior do que as suas próprias para que elas não se esgotem no tempo. Esses limites de idade que o mundo corporativo acabou estabelecendo é uma exigência para oxigenar e desenvolver talentos.
O presidente do Bradesco consegue ter vida pessoal?
É um cargo que me exige 24 horas sete dias por semana. As responsabilidades são grandes e as pessoas precisam encontrar suas formas de sair do estresse.
E como o sr. faz isso? Aqui no banco dizem que o sr. virou fã das séries de TV...
Sempre gostei muito de cinema. O cinema, a biblioteca e a leitura dos jornais ajudaram na minha formação lá em Marília (SP) e mudaram minha vida. Vejo isso quando comparo com meus colegas, meus irmãos, parentes.
A descoberta do Netflix foi fabulosa. Hoje ele sabe tanto dos meus hábitos que vive me dando sugestões de séries. E tem umas formidáveis. "Breaking Bad", é apaixonante. Atualmente estou vendo a primeira temporada do "Downton Abbey". Tem umas série geniais.
"Game of Thrones" está no período de vazante, mas estou ansioso para que volte com os novos episódios.
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  • RAIO-X LUIZ TRABUCO
IDADE
63 anos
CARREIRA
Presidente do Bradesco (desde 2009). Anteriormente foi presidente da Bradesco Seguros e Previdência (de 2003 a 2009). Entrou no banco em 1969 como escriturário
FORMAÇÃO
Estudou filosofia na USP e tem pós-graduação em sócio-psicologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

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