Reviro minha estante a procura de um livro antigo de Direito Penal para expandir as idéias que esbocei aqui mesmo no GGN (Justiça, jornalismo e genocídio).
Fico furioso, simplesmente não consigo encontrar o maldito livro que
procuro. Irritado, esbarro duas vezes no Dictionnaire
Économique-Wirtschafts Wörterbuch, R. Thomik, Editions Armand Peiffer,
Luxembourg, 1963. Nὕρηκα/εὕρηκα, encontrei!
Ao
tocar o dicionário de economia penso em José Dirceu não como um réu e
sim como um "ativo" que corresponde a um "passivo". Vamos às definições:
"ativo
é um termo básico utilizado para expressar os bens, valores, créditos,
direitos e assemelhados que, num determinado momento, formam o
patrimônio de uma pessoa singular ou coletiva e que são avaliados pelos
respectivos custos." https://pt.wikipedia.org/wiki/Ativo
"passivo
corresponde ao saldo das obrigações devidas, enquanto no ativo se
representam os bens e direitos que pertencem a uma determinada entidade.
O passivo é a coluna da direita num Balanço Patrimonial. Um exemplo de
ativo é uma conta a receber, e passivo seria uma conta a pagar." https://pt.wikipedia.org/wiki/Passivo_(contabilidade)
Durante
o espetáculo judiciário do Mensalão do PT, após ter sido intensamente
hostilizado pela imprensa durante uma década, José Dirceu foi condenado
porque indícios de provas sugeriam que ele teria comandado o suposto
esquema criminoso. A inexistência de provas materiais que ligassem o
ex-Ministro da Casa Civil aos crimes imputados a ele pelo MPF foram
contornados de maneira grotesca: Joaquim Barbosa distorceu a teoria do
domínio do fato, Rosa Weber invocou a literatura, Luiz Fux afirmou que o
réu não havia provado sua inocência.
A
CF/88 teve que ser rasgada, a legislação penal foi estuprada e a
doutrina ignorada para que José Dirceu pudesse ser condenado. Ele era o
inimigo público número um da mídia e precisava ser sacrificado no altar
dos telejornais. O ponto alto da cerimônia de expiação ocorreu quando o
réu, já condenado, foi colocado diante das câmeras antes de pegar o
avião onde estava e depois de chegar em Brasília. A viagem era
rigorosamente desnecessária do ponto de vista legal. Dramática e
televisivamente, contudo, o transporte do condenado tinha uma
importância vital para aqueles que puxavam as cordas que acionavam as
engrenagens do STF.
Desde
que o PSDB foi afastado do presidência nós vivemos numa República
estranhamente dividida. Aqueles que exercem o poder político procuram
enfatizar a natureza republicana do Estado. Os derrotados só acreditam
no poder do Mercado e tudo fazem para submeter o governo e a sociedade
aos cânones do neoliberalismo. Não é segredo que tucanos/demonicos
desejam privatizar coisas e das pessoas. O próprio STF espelha esta
divisão. Na mais alta Corte do país, há Ministros que são descaradamente
submissos ao Mercado. Há aqueles que se recusam a fazer isto. Alguns
procuram se manter na linha reta da técnica jurídica e a maioria parece
oscilar entre mercantilizar o Direito Penal e publicizar o interesses do
Mercado. Vem daí minha epifania arquimediana.
No
atual estágio das relações políticas, jurídicas e midiáticas não faz
mais qualquer sentido recorrer ao Direito Constitucional, ao Direito
Penal e a Teoria do Direito para explicar a forma como o Judiciário
trata José Dirceu. Ele claramente deixou de ser um ser humano. Ele não é
mais um cidadão com direitos que pode invocar contra o Estado e opor
contra seus adversários dentro e fora da imprensa. José Dirceu foi
transformado em duas categorias contábeis justapostas. Só os conceitos
de "ativo" e "passivo" ajudam a explicar o destino cruel deste pobre
homem sacudido pelo Mercado e pelos seus serviçais judiciários.
Em
liberdade José Dirceu era um "ativo" do PT. Preso ele se tornou um
"ativo" da oposição e um "passivo" do PT. Daí resulta que ele se
transformou num "passivo" da oposição no exato momento em que foi
colocado em liberdade quando adquiriu o direito de ser posto em
liberdade. A prisão dele ordenada Sérgio Moro reequilibra a relação
contábil entre PT e PSDB. José Dirceu voltou a ser um "ativo" do PSDB e
um "passivo" do PT. A imprensa pode novamente explorar a imagem de José
Dirceu para proporcionar prejuízo ao PT e lucro ao PSDB.
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