Afagando Cérbero - a
oposição e o imponderável
Mauro
Santayana
Terça-feira, 11 de Agosto de 2015
Talvez
influenciado pelo fato de estar sendo entrevistado por uma publicação
estrangeira - em certos países e organismos multilaterais se conhece bem os
avanços alcançados pelo Brasil nos últimos anos - o ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso afirmou, para a revista alemã Kapital, na semana passada, que a
presidente Dilma Rousseff é "honrada", e que o ex-presidente Lula é
um líder "popular" cuja prisão, caso viesse a acontecer, poderia
dividir o país.
Foi o que
bastou para que fosse imediatamente execrado pela parcela da opinião pública
que ocupa, destilando bílis, os sites e portais mais reacionários - para dizer
o mínimo - da internet brasileira.
O que
importa, não é saber - embora torçamos para que isso tenha ocorrido - se FHC
foi sincero em suas considerações sobre a presidente Dilma, e, sim, prestar
atenção à verdadeira avalanche de estupidez que suscitaram suas palavras.
"Doido",
"senil", "demente", "gagá", "caduco",
"bipolar" - odioso, preconceituoso e covarde, o fascismo despreza e
confunde a idade com fraqueza e costuma ser particularmente impiedoso com os
mais velhos, as mulheres e as crianças - "doente de Alzheimer", e o
já tradicional apelo do "morre de uma vez" foram alguns dos epítetos
lançados pela malta nos grandes portais da internet, contra o ex-presidente da
República.
Outros o
acusaram de "pateta", "traidor", "idiota",
"maconheiro", "THC"- lembrando sua defesa da
descriminalização da Cannabis - e de "cara de pau",
"sem-vergonha", e ladrão - acusando-o de estar "roubando
também", ou de já ter se encontrado secretamente com Lula para conchavos.
E os mais
"espertos", a serviço da nefasta "via alternativa", que
espreita, como hiena, nos meandros da história, os países que se rendem aos que
fomentam o caos e a cizânia, preferiram, como sempre, aproveitar a oportunidade
para intensificar os ataques contra a democracia - "político é tudo
lixo", "farinha do mesmo saco"; defender a violência: "é
preciso amarrar a boca do saco", "matar todo mundo a paulada"
e "jogar o saco no rio"; e propagar a teoria - esse é
"esquerda caviar", "comunista enrustido" - da conspiração,
segundo a qual PT e PSDB representariam, na verdade, duas faces da mesma moeda,
da "tática da tesoura stalinista", de disfarçar parte da esquerda
como direita; tomariam parte da estratégia de conquista da
hegemonia, por meios pacíficos e "gramscianos", do poder, e
atuariam seguindo os padrões do "marxismo cultural", como fantasiam,
e pregam certas correntes da imbecilidade neo-direitista antinacional.
Tudo isso
coroado pelos pedidos de instalação no país de nova ditadura - agora com
caráter "policial-jurídico-militar" - e os indefectíveis slogans da
campanha - que já está no ar há muito tempo - de BOLSONARO 2018 para a
Presidência da República.
Na página
do ex-capitão do Exército, no Facebook, por exemplo - que, significativamente,
já tem mais de 3 vezes o número de curtidas (1.5 milhão contra 450.000) que a
página oficial de FHC, o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso aparece
como defensor das drogas ao lado do ex-presidente uruguaio José Mujica, em
contraponto ao próprio Deputado Bolsonaro, que se destaca, convenientemente, à
direita, ao lado da figura do Presidente da Indonésia - país que pune o tráfico
com a pena de morte - Joko Vidodo (que é, na verdade, um
fabricante e exportador de móveis) em uniforme militar.
Enquanto
o setor de óleo e gás - de alta tecnologia - corre o risco de desmantelamento,
a indústria naval é destruída, com o fechamento de estaleiros, a indústria de
defesa se desarticula, com seus principais projetos sendo ameaçados, e as
maiores empresas do Brasil são arrebentadas, milhares de seus fornecedores
quebram, e se pretende impor a elas multas absurdas de bilhões de reais, para
que não sobre pedra sobre pedra, eliminando-se milhares de empregos,
brasileiros que fazem questão de ignorar que ainda somos - apesar de tudo - a
oitava economia do mundo e o terceiro maior credor individual externo dos
Estados Unidos, e que o nosso desemprego é de um terço de países como a
Espanha, comemoram em grupos como o Direitas Já, Direita Brasil, Direita
Conservadora, Direita Realista, Direita Política, Tradutores de Direita,
Direita Forte, Rede da Direita Nacional, Canal de Direita, Professores de
Direita, Direita Atual, Direita Ocidental, Extrema Direita Nacionalista
Brasileira, Linhas Direitas, Jovens de Direita, Militantes de Direita, Garotas
Direitas, Sou de Direita, Extrema-Direita, Direita Unida, Direita Única,
Direita Blindada, Direita Conservadora, Direita Brasil, Rua Direita, Direita
Nacional Brasileira, Vem pra Direita Brasil, Skins Direitista (sic) e dezenas
de outras comunidades menores, os problemas do país, torcendo, muitas vezes,
abertamente, pela derrocada da Nação, a quebra do Estado de Direito e a
inviabilização da economia e da governabilidade.
É
principalmente quando o tufão se aproxima, que é preciso escutar a voz da razão.
A reação
- nos dois sentidos - contra as declarações de Fernando Henrique Cardoso na
internet é apenas a ponta do iceberg de um quadro claro, para o qual os setores
mais influentes da sociedade brasileira ainda não acordaram - ou só estão
começando - talvez tardiamente - a atentar.
O PSDB
corre grandes riscos se não souber corrigir o rumo de sua nau em meio à
tempestade que ele mesmo ajudou a conjurar, e mesmo com o risco de perder o
mandato, já existe quem esteja, como a Senadora Lúcia Vânia, de Goiás, tomando
a decisão de abandonar o barco no meio do caminho, alegando não acreditar em
uma "oposição movida a ódio", e fazendo apelo a mais "equilíbrio
e sensatez", diante da gravíssima situação política que está sendo
enfrentada pelo país.
Ao
embarcar na "direitização" da classe média, e endossar, de forma
atravessada, indireta, e, eventualmente, interesseira, o discurso da exageração
da crise, da criminalização dos políticos, da judicialização da política, e da
repetição da irresponsável e continua multiplicação, à estratosfera, de cifras
(da ordem de dezenas de bilhões de reais) em pseudo prejuízos da corrupção que
não correspondem aos fatos ou às provas efetivamente, inequivocamente, colhidas
até agora, o PSDB - deixando-se seduzir pela perspectiva do caos - está
brincando de afagar as cabeças de Cérbero - o cão mitológico que guarda a saída
de Hades - na ante-sala do inferno.
Mais
importante do que se haverá ou não impeachment, é o Brasil que sobrará desse
processo.
A
História avança em ciclos.
Ciclos
que, depois de iniciados, dificilmente são detidos, e que cobram pesado
tributo, em atraso e em sangue, antes de que venham a se encerrar.
É preciso
que as lideranças tucanas percebam - e há outras
personalidades que também foram lembradas - e muitas vezes criticadas - nos
ataques da direita radical contra FHC esta semana - que o imponderável é - por
sua própria natureza - incontrolável e voraz.
E que, ao
abrir a porta para o desconhecido, o PSDB poderá não voltar ao poder em 2018.
Pelo
contrário.
Existe
uma grande chance de que venha a entregar o país - ou boa parte dele - ao
fascismo, e de que venha a ser vitimado, mais cedo do que tarde, pelo fascismo,
da mesma forma que ocorre com o PT.
Mauro Santayana é jornalista e meu amigo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário