"O Brasil tomara que tenha uma ditadura
de 100 anos. Mas, por favor, coloca torturador de verdade".
Aluisio Queiroz
7.9.2015
O descontentamento legítimo
está sendo manipulado por quem quer usá-lo para saciar suas ambições pessoais
Quem pretende participar das manifestações de rua programadas por grupos sem raízes deve ter consciência de que poderá estar servindo apenas de massa de manobra (ou bucha de canhão) de golpistas, saudosistas do regime de arbítrio e políticos inescrupulosos que, sob comando de figuras manjadas, formam a maioria do Legislativo.
É claro que muitos
manifestantes são impulsionados por sentimentos respeitáveis: a exposição das
vísceras dos podres poderes, graças a investigações que jamais chegaram tão
longe como agora, o mau começo do segundo mandato da presidente Dilma, reeleita
há menos de 10 meses, e o impacto da crise econômica são combustíveis
explosivos que estão provocando um clima de insatisfação generalizada.
Os ingredientes
legítimos, porém, vêm sendo ostensivamente manipulados por um laboratório que
responde a interesses escusos e insaciáveis. Interesses que já não escondem o
propósito de rasgar a Constituição para tornar sem efeito o cristalino
resultado das urnas de outubro passado.
Já não se bastam
com um projeto de impeachment forçado
e sem base legal para depor a chefa do Estado brasileiro, contra quem até hoje
não extraíram nenhuma cláusula prevista no artigo
85 da Constituição e na Lei 1079/50,
ainda em vigor, que regulam o procedimento a respeito.
Não escondem o
fito de passar por cima do arcabouço constitucional com o objetivo de abrir
caminho para desesperadas ambições pessoais. É o que demonstram quando propõem a realização de novas eleições para a
Presidência da República, ritual que não consta da Carta Magna, que pretendem jogar
no lixo, abrindo caminho para um novo regime ditatorial.
Essa proposta só
interessa ao Aécio Neves, duas vezes derrotado, com o agravante de ter perdido
as eleições no Estado que governou. Ele sabe que é carta fora do baralho em
2018, quando o governador Geraldo Alckmin será o candidato lógico do PSDB. E
que corre o risco até de não se reeleger senador: os mineiros já demonstraram o
grau de rejeição em 2014.
Junto com ele
agem grupos de ressentidos principalmente com a Comissão da Verdade, que se limitou a revelar a crueldade assassina
dos porões da ditadura e mais não fez. No Brasil, ao contrário da Argentina,
Chile e Uruguai, nenhum criminoso dos anos de chumbo foi punido e é exatamente
por isso que estão aí querendo aproveitar a onda para restabelecer aquilo que
nem as Forças Armadas admitem mais.
Aliás, sobre isso, ficamos
devendo ao próprio regime militar. Desde a crise deflagrada após a morte do
general Costa e Silva, quando a maioria dos oficiais queria "eleger"
nos quartéis o general de Divisão Afonso de Albuquerque Lima, o centro do poder
iniciou um processo de despolitização e desmobilização da tropa, graças ao qual
o general Ernesto Geisel impediu de uma tacada o golpe comandado por seu
ministro da Guerra, general Sylvio Frota. Desde então, há um rodízio de oficiais
superiores, que não podem ficar mais de dois anos à frente de uma unidade, o
que inviabilizou a fecundação de qualquer nova "liderança" militar, à
margem dos regulamentos castrenses.
Os
"generais" do golpe do Século XXI são civis como o conhecido deputado
Eduardo Cunha, que se investe de poderes ditatoriais para minar o governo da
presidente Dilma, numa tentativa de virar a mesa antes do que tenha o mesmo
destino de outros detalhadamente delatados como ele, esperando, assim, ganhar a
complacência dos bolsões golpistas. Com o apoio suspeito de uma mídia que
também quer depor Dilma a qualquer preço ele vem tentando inviabilizar o
governo na sucessão de ilegalidades que vão desde a realização de novas
votações quando é derrotado até a usurpação em matérias que são prerrogativas
do Congresso em conjunto, como a aprovação de contas presidenciais.
Quem
pretende oferecer sua gasolina para fazer o circo pegar fogo deve saber que também
será chamuscado, pois o golpe fundado no "quanto pior melhor" não se
limitará à deposição de uma presidente da República. Destruindo as bases
jurídicas do Estado de direito o abuso de poder será a marca dos dias
seguintes. E ninguém terá a proteção da Lei.
Foi assim em
1964. Quem participou das marchas que inundaram ruas contra o governo
constitucional do presidente João Goulart não podia imaginar que estava abrindo
caminho para 20 anos de regime de força que, por sinal, não poupou nem seus
grandes próceres: Carlos Lacerda e Ademar de Barros, que comandaram a
conspiração, acabaram cassados. Jornais
que pediram a deposição de Jango em nome da ordem ameaçada, como o CORREIO DA MANHÃ, foram perseguidos até
a falência por terem entendido que entraram numa grande fria.
Naquele 1964
também ficou claro que o presidente da República, legitimado por uma acachapante
votação em plebiscito, estava sendo derrubado pelo que fizera de bom e não pelo
que, eventualmente, tivesse feito de ruim. Este é também o escopo do processo
que está encurralando Dilma Rousseff.
E não é só ela
que passa por esse perrengue. A Venezuela vem sendo minada desde a morte "de
laboratório" do presidente Hugo Chávez. Maduro só não caiu por que lá, ao
contrário do Brasil, há uma militância organizada em condições de defender a
legalidade junto com as Forças Armadas. No Equador, os antigos donos do poder
se agitam em perdidos cordões para enfraquecer o presidente Rafael Correa até
conseguir por onde derrubá-lo. Mesmo na Bolívia, onde Evo Morales tem 80% de
aprovação graças aos invejáveis índices de crescimento do país, fomentam
conflitos regionais para miná-lo. A situação também se tornou dramática neste
fim de governo da presidente Cristina Christner, na Argentina, e no início do
mandado da presidente Michelle Bachelet, no Chile.
Pelas
prioridades que o momento exige, não quero aqui discutir a própria frustração
com as opções de Dilma na direção contrária da expectativa criada com sua
vitória suada. Não vou fazer a defesa de ninguém, embora tenha a minha pulga
atrás da orelha diante do direcionamento das investigações midiáticas.
O que me obriga
a alertar a meus parceiros de classe média é o grande perigo que manifestações
manipuladas alimentam. Estamos a pouco mais de um ano de novas eleições – as municipais
– que são o melhor caminho para que cada um se posicione sobre os
acontecimentos atuais.
Felizmente,
ainda não saímos do prumo e temos as urnas abertas para dizer o que queremos.
Construir esse ambiente de legalidade nos custou muito caro e um retrocesso
institucional dividiria o país, consumando um grande desastre.
Diria mais:
mesmo divergindo dos rumos desse governo, não vejo posição mais sensata de que
dar-lhe algum tempo para que comece a governar em toda a plenitude. Os que
querem derrubá-lo são muito piores, sob todos os aspectos, e, paradoxalmente, admitem
mesmo manter Dilma, assim, encurralada, submetendo-a ao suplício que a faça
cair em seus braços.
As ruas estão aí
para ecoar as causas do povo e não para favorecer políticos ambiciosos e
golpistas ressentidos. Quem não tiver clareza quanto a isso, quem engrossar marchas
de agressão ao Estado de Direito sem pensar duas vezes não terá tempo para se
arrepender.
Esse filme nós já vimos antes. A gente
sabe como começa, mas não tem ideia de como e quando termina, de quanto
pagaremos com a subtração da nossa cidadania mais uma vez.
Do blog do Pedro Porfírio
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