OS CIRCOS QUE ALEGRARAM NOSSA VIDA
Wilson Ibiapina
Orlando Orfei, um dos maiores nomes do circo, vai ser enterrado terça feira, 4 de agosto, no Rio de Janeiro onde morreu aos 95 anos. O Italiano Orfei morava no Brasil desde o fim da década de 1960. Começou como palhaço aos 6 anos de idade. Era domador de leão e foi dono do Tivoli Park, um famoso parque de diversões que ficou montado durante décadas na zona sul do Rio. A morte desse artista me recorda os circos que alegraram Fortaleza no século passado.
Ainda
menino em Ubajara ou Ibiapina o simples anúncio de que “ o circo
chegou” era motivo de grande alvoroço nas cidades. A expectativa era
grande entre adultos e crianças. O espetáculo que íamos ver teve sua
origem na antiguidade, passou pelas arenas romanas e chegou à idade
média com grupos de malabaristas, artistas de teatro e comediantes
viajando pela Europa. Coube ao inglês Philip Astley, em 1769, organizar
as apresentações circenses debaixo de uma tenda de lona que mudava de
cidade constantemente.
O
circo da minha infância no interior do Ceará não tinha cobertura. Lona
só dos lados. “Hoje tem espetáculo?" - Tem sim senhor? - Às 8 da
noite? - Tem sim senhor. Arrocha negada – Uuuuurrra!!! gritava a
meninada que tinha um dos braços pintado com uma numeração, o que lhe
daria direito a entrar de graça. A propaganda pelas ruas da cidade era
conduzida por palhaços acompanhados pela garotada. Hoje temos um palhaço
deputado federal, o cearense Tiririca. No passado, o máximo que um
palhaço conseguia era aparecer na televisão, como o Bozo, Carequinha ou
Arrelia. O palhaço mais famoso do Brasil foi Piolin, encarnado pelo
paulista Abelardo Pinto, de Ribeirão Preto. Morreu em 1973 mundialmente
conhecido. Além de grande criatividade cômica, Piolin era equilibrista e
ginasta. Foi considerado "o maior palhaço do mundo". Ele nasceu no dia
27 de março de 1897. O dia de seu nascimento foi escolhido para ser o
Dia do Circo no Brasil.
Circo Nerino
Um
outro palhaço famoso foi o Nerino. Mas esse fui conhecer quando eu
estava mais velho e morando em Fortaleza. Minha casa ficava na avenida
padre Ibiapina, ao lado da praça São Sebastião, local destinado a
armação dos circos. Nerino, dono do circo, era o palhaço Picolino
Segundo, que matava todos de rir com suas estripulias. O circo Nerino
foi criação do pai dele, Picolino Primeiro, em 1913. O Nerino fez sua
última apresentação em setembro de 1964, em Cruzeiro do Sul, em São
Paulo, depois de marcar a memória de muitos garotos país a fora.
Circo Tihany
Desses circos paulistas, o único que ainda está
com a lona armada é o Tihany. Fundado por Franz Czeisler em 1954 na
cidade de Jacareí, em São Paulo, o circo sobrevive porque foi levado
para o exterior. A
origem do nome vem de sua cidade natal Tihany, na Hungria. Foi ainda
com o nome de Circo Mágico Tihany que esteve em Fortaleza. Antes de vir
para o Brasil como imigrante em 1952, Franz já trabalhava nos palcos da
Hungria, Romênia e Tchecoslováquia, como ator, bailarino e, por último,
mágico. Após uma rápida passagem pela Flórida, o circo fixou-se em Las
Vegas, onde Czeisler, de 96 anos, vive até hoje. O sucessor dele e atual
diretor do Tihany Spetacular Circus é o argentino Richard Massone.
Circo Garcia
De
todos esses circos o que me marcou mais foi mesmo o Garcia. Muita gente
se apaixonou pelas artistas. Algumas delas ficavam hospedadas na mansão
dos Limaverde, na rua Clarindo de Queiroz, em frente a praça São
Sebastião, onde foi armado várias vezes. Antolim Garcia dizia que todo
circo tem que ter uma velha. É a mãe de artistas, pode ser a mulher do
empresário. Garcia dizia que circo sem velha não existe. Ela costura,
examina uma colega grávida, chama a parteira, faz massagens, faz tudo,
zela por todos e ainda faz fofocas, intrigas que ela mesmo se encarrega
de desfazer.
No
livro que escreveu sobre o circo em 1962 Garcia comenta os costumes e
prolemas dos companheiros que amou. Ele revela que no Brasil o circo se
compõe de duas classes: uma representada pelos tradicionais, que é
formada por artistas nascidos em circos e que são a continuação dos
imigrados que iniciaram a vida circense no país. A outra classe é a dos
aventureiros, constituída por artistas que antes exerciam outras
atividades e que ingressaram para o circo por conveniência ou boemia.
A velha e o Curió
O
Garcia tinha uma velhota que comandava a classe dos aventureiros em
1955, na época em que o circo se preparava para ir à Guiana, sua
primeira viagem internacional. Essa família tinha cinco membros. Essa
senhora, viúva, recebeu o nome de Babá pelo cuidado que tinha pela
família, duas filhas de criação, um garoto sapeca de uns cinco anos e o
Curió, um caboclo atarracado que possuía conhecimentos acrobáticos. Ele
viu nas meninas de Babá as partners que precisava para montar um grande
ato e com ele entrar no mundo do espetáculo. Aproximou de Lelé, a mais
velha das irmãs e começou um namoro que logo ele quis transformar em
casamento. A velha Babá, temendo que Curió, depois de casado fosse
embora com sua filha, foi contra e armou um golpe. Chamou Curió pra uma
conversa. Disse-lhe que na sua família casamento sempre foi considerado
um ato de grande responsabilidade. Que na família sempre se apoiou, sem
objeções, a escolha de qualquer de seus membros, desde que se obedeça
praxes legadas dos antepassados. Curió, balançando a cabeça como
concordando com aquilo, dizia “cumprirei tudo”. E a velha afirmou que
“nosso costume é casar primeiro os mais velhos”. Curió sorriu na certeza
de que tinha escolhido a Lelé, a mais velha. “Sem que os mais velhos
casem os jovens não poderão contrair matrimônio” - Certíssimo, disse
Curió.
-
Perdão, atalhou a velha. É bom que você saiba que a mais velha aqui,
embora não pareça, sou eu; por conseguinte, antes que eu encontre um
novo marido, Lelé não poderá casar-se.”
E a velha continua, descaradamente: “diante desse imperativo só vejo um recurso.”
-Qual?, pergunta um impaciente Curió. A velha lança um olhar furtivo e sugere; -Case comigo.
Curió,
que ia levando uma xícara a boca, tomou um susto tão danado que
entornou o café sobre a calça. Babá pediu que trouxessem um pano molhado
com água quente, ajoelhou-se diante do rapaz e começou a limpar as
nódoas de café. Curió, que na verdade estava mesmo afim de montar um
grande ato que permitisse que se apresentasse num grande circo, agarrou
as mãos da velhota e disse: “sabe, nunca gostei de ter por mulher uma
jovem piegas e inexperiente. A mulher que verdadeiramente gostei à
primeira vista é você. Babá levantou-se e aos gritos chamou as duas
filhas e comunicou: “O Curió aqui pediu-me para casar com ele e eu
aceitei.
Uma
vez casado com a matrona que sofria do fígado e de pedras na bexiga,
Curió montou logo um grande ato com as duas caboclas. Babá pedia ao
marido que levasse Lelé aos cinemas e passeios já que a bílis não lhe
permitia sair. Os três passaram a viver felizes.
O
livro de Antolim Garcia que conta essa história de Babá e Curió foi
escrito em 1962, quando seu circo comemorava 47 anos de existência .
O fim do circo Garcia foi noticiado assim pelo Correio Popular, de Campinas, matéria assinada por Rogério Verzignasse :
"Garcia desce suas lonas
As
cortinas do espetáculo se fecharam. Para sempre. Atolado em dívidas que
chegam à casa dos R$ 800 mil, o Circo Garcia, o mais antigo do Brasil,
encerrou as suas atividades. Fundada em Campinas, em 1928, a companhia
circense chegou a figurar, na década de 70, entre as quatro maiores do
mundo.
Seu
fundador foi Antolim Garcia, paulistano, filho de imigrantes espanhóis,
que conduziu o Circo Garcia ao sucesso no Exterior. O apogeu aconteceu
entre 1954 e 1964, quando os espetáculos, com cinco lonas e cerca de 200
artistas contratados, viajaram por 72 países do mundo.
Desde
a década de 80, o Garcia enfrentou crises financeiras sucessivas. A
arte circense já encarava a concorrência da televisão, que passou a
oferecer diversão sem que as pessoas precisassem sair de casa. Muitas
lonas foram baixadas, no Brasil inteiro. Mas a instabilidade econômica
atual foi decisiva. A alta do dólar tornou inviável o pagamento de
artistas internacionais, com remunerações atreladas à moeda
norte-americana. O Garcia chegou a pagar US$ 2,7 mil por semana a
trapezistas mexicanos. Quase toda a dívida atual é referente a salários
atrasados. Alguns acontecimentos marcaram, de maneira particular, a
derrocada do Garcia. Antolim morreu em 1987. Desde aquele ano, o grupo
era administrado por sua mulher, Carola Boets, e pelo filho dele,
Rolando Garcia, que faleceu em setembro de 2002 “Sem meu enteado,
fiquei muito sozinha”, afirma Carola. “Aqui nós estávamos empatando
dinheiro”. Além de Rolando, morreram desde o 2000 os outros dois filhos
de Antolim, Ruth e Romero. No dia 29 de dezembro de 2002, aconteceu o
último espetáculo do Garcia, que estava montado na Avenida Guarapiranga,
região do Santo Amaro, Zonal Sul paulistana. Sinal cruel dos tempos. Só
280 pessoas compareceram ao espetáculo, e se espalharam pela
arquibancada construída para 3.500 espectadores. A arrecadação, lastima
Carola, não foi suficiente nem para pagar os R$ 300,00 gastos com a
manutenção dos geradores em uma noite de espetáculo."
Já
o circo Orlando Orfei encerrou suas atividades em 2008. Orfei foi um
inovador na sua perofissão. Ele inventou o cartaz de quatro folhas para
substuir a propaganda feita em folhetos manuais. É dele, também, a ideia
da lona de plástico para substituir a de algodão, que era cara e pesada
para transportar. O velho italiano escolheu Nova Iguaçu, no Rio, para
passar seus últimos dias de vida ao lado da família e do cachorro
Lobo, pastor alemão, que estava sempre ao seu lado. Em
uma de suas últimas entrevistas, o repórter perguntou a Orfei como
teria sido a vida dele se o circo não existisse. O artista respondeu,
sorrindo: - Eu inventava.
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