Especial


“A cidade deve ser pensada para as pessoas”
TARCÍLIA REGO
Da Redação do jornal O Estado(CE

Bernardo Lopes, formado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), fundou, em 2010, o escritório Jirau Arquitetura e Urbanismo, sediado em Caruaru, em sociedade com mais dois colegas. O arquiteto tem forte atuação no setor público, onde ocupou o cargo de presidente da Empresa de Urbanização e Planejamento de Caruaru.
Acompanhado dos sócios, Pablo Patriota e Mariana Caraciolo, Bernardo participou, no início do mês, da terceira edição do Fórum Jovens Arquitetos Latino-Americanos, realizado em Fortaleza. Em entrevista ao jornal O Estado, o arquiteto analisa os principais planos de mobilidade urbana implantados na Capital e defende um modelo de cidade mais humano, pensado para as pessoas. Confira o conteúdo extra dessa entrevista no site www.oestadoce.com.br/videos.
Bernardo, nos últimos dois anos, Fortaleza tem passado por inúmeras transformações, principalmente, no tocante a mobilidade urbana. A implantação de ciclofaixas, ainda reverbera. A relação entre motorista e ciclista ainda não é a ideal. Qual é sua opinião sobre a decisão do município de implantar vias destinadas ao uso de bicicletas?
O assunto da ciclofaixa tem sido discutido no País inteiro, e tem como foco central a cidade de São Paulo, onde a administração atual resolveu implantar 400km de ciclofaixa. Há uma resistência muito grande dos motoristas, que enxergam isso como uma perda muito grande do espaço para o seu carro e alegam que não há demanda ainda por ciclofaixa. Acontece que no mundo inteiro, em todas as cidades que conseguiram implantar um sistema cicloviário, o sistema veio antes da demanda. Não há como decidir trocar o carro pela bicicleta sem ter antes uma estrutura. A gente só vai ver as pessoas substituindo seu transporte motorizado por bicicleta se houver ciclovia e ciclofaixa. Então, eu acho muito salutar que a Prefeitura tenha feito. Ela iniciou o processo, porque sem dar o primeiro passo, os outros não se seguem. O fato de haver estrutura e vias para bicicletas vai fazer com que as pessoas troquem o carro pela bicicleta. Quando houver mais conexão entre elas, com ciclovias e ciclofaixas se comunicando, as pessoas se sentirão estimuladas a trocar o seu transporte motorizado por algo mais saudável.

Ainda sobre esse modal, como você avalia o sistema de bicicleta compartilhada?
Bernardo Lopes. O sistema de bicicleta compartilhada vem complementar o sistema tradicional, porque permite que você que não tem bicicleta utilize o modal. Na Europa, a gente já vê isso com pequenos carros elétricos. Destrava, utiliza o carro e deixa em outra estação. Recife implantou na parte central, no Recife Antigo, um sistema desse de compartilhamento de carro. A gente verá, cada vez mais, esse tipo de compartilhamento, porque é uma solução inteligente. Evita que tenhamos que comprar cada um uma bicicleta, se uma só possa nos atender. É uma boa solução, desde que o foco não seja apenas o lazer.

Sobre as faixas exclusivas para o transporte público, Fortaleza acertou ao colocar os corredores priorizando os ônibus?
Bernardo Lopes. A priorização do transporte público é uma decisão acertada, porque o modelo de mobilidade atual é um modelo falido. Os carros, segundo pesquisas, transportam, em média, 1,2 pessoas por viagem. É um desperdício de espaço para transportar poucas pessoas. O transporte individual é muito mais cômodo, é óbvio. Mas, para a cidade é muito ruim. Temos mesmo é que trabalhar a prioridade do transporte público. O ônibus deve deixar de ser visto como transporte de pobre. No Brasil, tudo é tratado assim. O ônibus é lotado, não tem ar-condicionado. Então, a gente tem que dotar esse sistema de conforto, para que as pessoas possam deixar de ver o carro como única opção. É isso que tem acontecido nas outras cidades do mundo, o sistema chegou antes da demanda. Toda e qualquer priorização do transporte público é o caminho certo. Agora, temos que adicionar à demanda as pessoas que, hoje, não utilizam o sistema. As pessoas que estão no sistema vão continuar. Temos que estimular as que não estão no sistema.

Outro ponto polêmico é a construção de viadutos e túneis, também com a justificativa de desafogar o trânsito. Como você avalia essas soluções implantadas na cidade?
Bernardo Lopes. Viadutos e túneis são a última solução para o problema urbano de uma cidade. Túnel ainda é tolerável, pois leva o carro para o nível inferior e mantém a cidade em seu nível normal. Viaduto é uma agressão a cidade. Em toda cidade do mundo em que foi construído, ele separou um lado do outro, tornando inseguro o seu entorno. Ninguém gosta de andar embaixo de um viaduto. Para mim, é uma solução que deveria ser descartada de cara. Várias cidades estão demolindo seus viadutos, justamente porque a construção degradou a área do entorno. O Rio de Janeiro acabou de fazer isso na área portuária. Em São Paulo, há uma grande discussão sobre demolir o Minhocão. Nova York transformou um viaduto ferroviário em um parque, e é aplaudida por causa disso. Viaduto é uma opção equivocada. A gente tem que pensar a cidade para o pedestre, para as pessoas. Copiamos o modelo americano de priorizar o carro, sem ter estrutura para isso. Contudo, a cidade deve ser prioritariamente das pessoas. Estamos vivendo uma fase em que isso tem sido cobrado. No Recife, tem um movimento vanguardista que se chama #OcupeEstelita. Quando as pessoas viram o projeto das construtoras, avaliaram que seria replicado um modelo de cidade que já tem em Recife, onde o prédio fica muito acima do nível da rua. Há uma separação grande entre apartamento e rua. A base do edifício vira um grande muro. Esse amuramento da cidade é muito ruim, torna tudo inseguro. E a cidade precisa de vida, precisa caminhar e encontrar gente. Esse modelo que foi proposto, a sociedade rejeitou e se uniu para ocupar a área. Desde então vem lutando para que isso não aconteça. O foco nas pessoas é a pauta do dia. O #OcupeEstelista já inspirou outro movimento em São Paulo. Esse sentimento de pertencimento, de civilidade tem sido mais palpável nos últimos anos no Brasil.

A Praça Portugal é outro ponto de discórdia na cidade. O projeto da Prefeitura prevê a derrubada da praça para dar lugar a um cruzamento. Em sua análise, derrubar o equipamento é o único recurso viável? Do ponto de vista urbanista, qual seria a alternativa?
Bernardo Lopes. A solução de tirar a Praça Portugal não é um bom caminho. Uma cidade é formada por história, por sentimento de pertencimento, de propriedade das pessoas pelo local e de símbolos. A cidade precisa de símbolos. Às vezes, uma pequena praça não tem valor artístico para ser tombada, mas tem valor sentimental muito forte. É um erro desprezar isso, porque as pessoas deixam de ter orgulho do local. Elas precisam ter isso, orgulho de pertencer a algo. Acho que o binário é uma boa solução, desde que não seja necessária a dissolução da Praça. Ouvi comentários de que a praça como está acaba afastando as pessoas do entorno, por causa do tráfego. Então, seria o caso de tentar tirar o tráfego desse entorno para aproximar a praça das pessoas. Mas, retirar, talvez, seja a última das soluções. Na minha cidade, houve uma polêmica parecida. A Praça do Rosário é emblemática e, uma administração começou a cortar a praça ao meio, tentando interligar duas ruas. Isso, sem conversar com a sociedade. A população se juntou e, com a ajuda do Ministério Público, conseguiu parar a obra. Aí, outra administração chegou e repensou o projeto. Eliminou algumas ruas do entorno e praticamente dobrou o tamanho da Praça. Tem que buscar e ampliar o horizonte, para perceber se o caminho não seria retirar o carro da praça e permitir que as pessoas utilizem o local, já que é simbólica e alimenta sentimentos na população. A dissolução em quatro partes é um erro que poderia ser evitado.

Comparando Recife e Fortaleza, em que elas se assemelham e no que elas diferem?
Bernardo Lopes. Vi pouca diferença entre as duas cidades. Fortaleza tem pouco mais de espaço, tem sensação de ser mais folgada. Mas, avaliando o modelo de ocupação e tipologia de suas construções, vi pouca diferença entre as duas. Acho que a priorização do pedestre, do transporte público e do transporte não motorizado é o caminho. Fortaleza está no caminho certo. A gente precisa acelerar esses passos, quanto mais rápido avançar, melhor! Agora, vejo que as duas cidades valorizam pouco os espaços públicos. O foco das administrações deve ser trazer as pessoas de volta para a rua.
 Glossário

#OcupeEstelita. Um movimento, no Recife, contra o projeto de um consórcio de construtoras que destina uma área, de 10 hectares (o Cais José Estelita, na bacia do Pina, no centro da cidade), para ser usada em um empreendimento imobiliário orçado em R$ 800 milhões e que prevê a construção de 12 torres com até 40 andares. O Projeto Novo Recife é objeto de algumas ações judiciais que questionam sua legalidade. O Movimento #OcupeEstelita é formado por diversas pessoas que lutam em defesa do Cais.
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