Na abertura da XV
Conferência Estadual dos Advogados de Minas Gerais, ele lembrou que
“para os males da democracia, mais democracia”, que a “corrupção é a
negação da República”, e que “o propósito de investigar profundamente
não pode implicar a violação dos princípios básicos do Estado de
Direito. Os postulados do devido processo legal, do direito de defesa e
da presunção de inocência são valores que devem nortear a convivência
civilizada em uma sociedade democrática, com a proteção do ser humano
contra o uso arbitrário do poder”, insistindo também que é preciso uma
reforma política que proíba a doação de empresas privadas a campanhas e
partidos políticos - no sentido da proposta que se encontra sob pedido
de vistas as mãos do Ministro do STF, Gilmar Mendes - e no Plano
Nacional Anticorrupção elaborado pela OAB, que tem 13 pontos principais e
propõe a regulamentação da Lei 12.846 que pune as empresas corruptoras,
prevê a criminalização do Caixa 2 de campanha eleitoral, a aplicação da
Lei da Ficha Limpa para todos os cargos públicos, além do cumprimento
fiel da Lei de Transparência e da Lei de Acesso à Informação.
No
dia anterior à reunião de Montes Claros, a seção paulista da OAB já
havia divulgado nota em repúdio à proposta da aceitação de provas
ilícitas em julgamentos, feita pelo Ministério Público Federal, e contra
o início de cumprimento de pena imposta em primeiro grau de que caiba
ou penda recurso, sugerida pelo Juiz Sérgio Moro, assinada pelo seu
Presidente, o doutor Marcos da Costa, com o seguinte teor:
“A
Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, cumprindo suas
finalidades legais e estatutárias de defender a Constituição da
República, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os
direitos fundamentais da pessoa humana, o aperfeiçoamento e a rápida
administração da justiça, vê-se no indeclinável dever de se manifestar
sobre a atual conjuntura vivida no país e sobre as inaceitáveis
investidas de setores dos operadores do Direito contra inalienáveis
valores positivados no corpo permanente da Charta Magna e no ordenamento
jurídico ordinário.
A democrática ordem constitucional instaurada
em 1988 com a promulgação da Constituição da República Federativa do
Brasil, assegurou valores que têm a vocação da permanência, posto que,
essenciais e indisponíveis, constituem o fundamento nuclear das
liberdades de todos os cidadãos. Não são esses princípios
transacionáveis ou permutáveis por soluções mágicas de supostas
necessidades de ocasião, máxime quando manipuladas pelo influxo da
volúvel opinião leiga.
Nessa ordem de ideias, não podem e não
devem os advogados paulistas, de antigas e heróicas lutas em favor dos
direitos da pessoa humana, deixar de manifestar o seu repúdio às
propostas de eliminação de garantias básicas de quem se acha acusado em
juízo. Por isso, aponta como manifestamente inconstitucionais as
propostas de utilização de provas ilícitas no processo penal, sugestão
esta feita por membros da magistratura e do ministério público, quando o
artigo 5º, inciso LVI, da Carta Política garante que “são
inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Não
pode haver em nosso Estado democrático de direito quem quer que seja,
cujo voluntarismo e idiossincrasia possam se sobrepor ao comando
constitucional.
Inassimiláveis, de outro turno, sugestões de
alteração legislativa ordinária para o efeito de se desnutrir ou anular o
mandamento constitucional de que “ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, como preceitua o
inciso LVII do referido artigo 5º da Lei Maior, pela equivocada
concepção de que se deva fazer iniciar o cumprimento de pena imposta em
sentença de primeiro grau de que caiba ou penda recurso.
Causa
espécie, por igual, a draconiana proposição de poder o juiz decretar
prisão preventiva do acusado somente com a finalidade de “assegurar a
devolução do dinheiro desviado”, eis que o encarceramento antes de
condenação definitiva é uma excepcional violência do Estado que somente
se admite em circunstâncias de absoluta necessidade e para resguardar a
ordem pública ou a marcha regular da atividade processual. Sobre não se
assentar em fundamentos técnicos, a prisão por motivo econômico parece
não estar adequada a um sistema digno de ser conceituado como
democrático.
Tais propostas, entre outras igualmente inacolhíveis,
representam um regresso civilizatório que se não compatibiliza com o
regime de liberdades que conquistamos, a duras penas, após uma longa
noite de autoritarismo e violência contra os direitos fundamentais.
Os
que não participaram dessa resistência contra o regime de força de que
nos despedimos definitivamente em 1988, não se sensibilizam com o alto
preço que a Nação teve de pagar para a restauração da civilização no
corpo normativo brasileiro.
Como em tempos idos, também agora e sempre, os advogados paulistas dizem não a esses ensaios de tirania e arbítrio.”
No
Rio de Janeiro, os advogados também não estão indiferentes ao que está
ocorrendo, como mostra artigo publicado pelo ex-presidente da OAB, no
estado, Wadih Damous, publicado na edição deste mês do Jornal dos
Economistas, com o título de “O Estado de Direito ameaçado”,em que
afirma que “em nome do combate à corrupção cometem-se atentados de toda
sorte à ordem jurídica. O desenvolvimento da chamada Operação Lava Jato
mostra como, de forma paulatina, o estado de exceção vai contaminando as
práticas judiciais, os atos do Ministério Público e o comportamento da
polícia.
Mas as consciências também vão sendo contaminadas. Boa
parte da população está convencida de que contra a corrupção vale tudo.
Direitos constitucionais duramente conquistados pela democracia são
tidos como obstáculos à “santa cruzada”. Amplo direito de defesa,
presunção de inocência e outras garantias individuais, na prática, estão
revogados. A grande imprensa cumpre um papel lamentável nesse cenário. A
mídia transformou-se em partido político. E de oposição. Fomenta ódio,
fabrica “inimigos do povo” e articula e incentiva abertamente
manifestações de natureza golpista. Aliás, o comportamento da imprensa
nos dias que correm é bem parecido com o método que adotou nas vésperas
do golpe de 1964. O processo judicial se transforma em espetáculo. O
juiz do processo vira herói nacional sob a luz dos holofotes e afagos da
mídia. As “confissões” obtidas se transformam automaticamente em
verdade e ganham as manchetes dos jornais. Permitem-se vazamentos
criminosos e seletivos que mancharão por toda a vida a honra dos
atingidos, ainda que considerados, ao final, inocentes. Além dessas
máculas, alguns colegas advogados apontam outras diversas
irregularidades práticas na condução da ação penal:
1) prisões
desnecessárias, sem que existisse risco à efetividade do processo, ou
seja, o sucesso das investigações não requer a efetivação de prisões;
2) as prisões são utilizadas como instrumento de coação para obter confissões e delações;
3) violação de regras de competência: nem todos os fatos investigados são da competência do juiz Sergio Moro;
4) desconsideração de formalidades processuais que são garantia contra a opressão do Estado;
5)
medidas de força ilegais e desnecessárias, como a requisição do
tesoureiro do PT, já que ele não havia se recusado a comparecer para
prestar depoimento;
6) desconsideração das consequências sociais e
econômicas das decisões, pois os danos econômicos à Petrobras
produzidos com a condução do procedimento e divulgação seletiva das
investigações já são maiores do que os das condutas criminosas que se
pretende punir;
7) provas produzidas sem respeito ao devido processo legal.
E diga-se mais.
A
delação premiada é abertamente inconstitucional porque fere, entre
outros, os princípios da moralidade pública, da isonomia e do
contraditório, já que os delatados e a sua defesa não têm acesso ao ato
de delação nem a chance de confrontar o delator.
Legitima-se a hipótese da pena sem obediência a limites éticos e jurídicos, como nos “velhos tempos.”
No Ceará e em outros estados, advogados e a própria OAB também tem se manifestado.
A
Ordem dos Advogados do Brasil sempre esteve, de forma ativa, altiva e
independente, presente em algumas das mais memoráveis lutas da vida
nacional, como foi o caso da Campanha pela Anistia e das Diretas Já, em
defesa do voto direto para a eleição do Presidente da República.
Os advogados são os guardiões da Liberdade.
A eles a História convoca sempre que a Pátria se vê ameaçada em sua essência, justiça, isonomia e permanência.
Cabe
a eles - que contam com amigos e clientes em todos os setores, classes e
segmentos sociais - se estiverem dispostos a se mobilizar, uma vez
mais, em defesa do Brasil, cumprir, por meio da OAB, um papel de
fundamental importância na coordenação de uma aliança com outras
instituições da sociedade civil, para o esclarecimento didático da
população a respeito das condições em que se pode dar um processo de
impeachment do Presidente da República, quanto à impossibilidade legal
de qualquer tipo de “intervenção militar”; e na defesa da Democracia, e,
sobretudo, da letra da Lei, do ponto de vista da contenção dos
casuísmos e abusos que estão colocando em risco, neste momento, a
prevalência do Estado de Direito, na preservação e garantia dos direitos
individuais, em casos como o da presunção de inocência, da prisão
legal, do respeito à figura do flagrante delito, da pressão sobre réus e
investigados, do uso abusivo e disseminado do instituto altamente
subjetivo da delação premiada, do que é e do que não é prova lícita, dos
prazos e condições da privação de liberdade, e do Habeas Corpus.
Não
há escândalo ou crise - que, nos dois casos, tem tido sua dimensão
várias vezes majorada - que possam justificar que se pise no texto da
Lei e que se rasgue a Constituição, ou que se transforme o Brasil em um
estado judicial, midiático e policialesco.
A Pátria se assenta
sobre instituições e preceitos permanentes, de Liberdade, respeito à
vontade da maioria e à soberania popular expressa por meio do voto, que
estão acima de quaisquer circunstâncias de tempo ou espaço geográfico,
ou do momentâneo interesse ou desejo de grupos, corporações e
indivíduos, por maior que seja a sua sede de poder e de notoriedade.
Mauro Santayana é jornalista e meu amigo
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