Estórias que a vida conta

   ISODIL

Sete anos sem voar na função de comandante de aeronaves ate a data de 15 de setembro de 1998. Depois de muito relutar, e criando coragem para cometer uma fraude. Naquela época, final dos anos 90 a carteira de exame de saúde para pilotos, era confeccionada de forma elementar em maquinas de datilografia - maquinas de escrever.As maquinas eram manuais, em todo escritório havia uma. Logo chegaram às maquinas elétricas, e ai começou a complicar. Nem todos tinham, e exigia mais habilidades no uso.Falsifiquei a minha carteira do exame medico. Em cima de outra, fiz copia, ficou perfeita, tanto é que deu certo. Não havia sistemas interligando os órgãos da aviação naquele momento no Brasil e ninguém sabia nada de ninguém.Logo depois, descobri que muitos pilotos voavam fazendo planos de vôos com seus exames vencidos. Um exemplo clássico, foi o comandante Carlos Lott (VARIG) que fez o ultimo vôo do avião Electra na ponte aérea Rio São Paulo. Aquele comandante que apareceu chorando para todo Brasil na TV no tal vôo de despedida. Dois anos depois, na pista do aeroporto Santos Dumonte-SDU- o comandante Lott pilotando um Boeing 737 erra o pouso e vai parar dentro d’água na baia de Guanabara. O comandante Lott estava com seu exame vencido nesse evento.Na manha de 15 de setembro de 1998 na cidade de Teresina PI tudo certo para meu vôo de “check” com um Major Aviador da Aeronáutica vindo de Fortaleza. Fiz o vôo em um Sêneca da Aero Taxi Poty. Em pouco mais de 35 minutos de vôo, o Major percebe que eu sabia voar, e creio que ate mais que ele. O Major era mais jovem, parecia ser! Tudo dentro dos conformes estou de volta ao mundo da aviacao.Fui para minha casa feliz, apesar de toda trama. A expectativa agora, era saber quando seria meu primeiro vôo oficial. Não tardou muito. No inicio da tarde daquele sábado, meu telefone toca. Uma ligação do taxi aéreo Bem-te-vi  de Teresina. Precisava de um piloto para voar naquela tarde com destino a cidade maranhense de Passagem Franca. Em poucos minutos, estava de mala pronta, e cheio de alegria.Apresento-me no hangar da empresa no aeroporto de Teresina. Ao chegar, encontro meus passageiros, avião abastecido e preparado. Faço plano de vôo por telefone. Ate aquele instante, não sabia quem, nem quantos eram os passageiros. Apenas um casal-Dr. Marcos Vinicius Furtado Coelho, brilhante advogado, e sua namorada.Não posso precisar à hora da decolagem, mas aconteceu por volta de três da tarde daquele sábado. Decolagem tranqüila, subida normal, mês de setembro muito quente na região e sempre CAVOK-visibilidade a cima de dez quilômetros.Eu estava apreensivo e atento. Sete anos sem voar para valer, sem comandar. Fiz a navegação bem simples, como sempre fiz. Proa e tempo sempre foram meus guias. Observação e navegação caminham juntas.  Chegar a Passagem Franca não era difícil, mesmo sem GPS - nunca usei voando. Durante o vôo, não resisto, e faço a famosa pergunta aos passageiros. Esta tudo bem: Vôo tranqüilo: Que nada! O Doutor Marcos já se contorcia e com semblante extranho-sudorese e pálido. O que esta acontecendo Doutor, pergunto! Se sentido mal! “Não, tudo bem, apenas uma indisposição”. De repente, Doutor Marcos entra em pânico, começa debater-se e tirar tudo que o incomoda no corpo. A camisa, o relógio, sapatos e o cinto da calca começa afrouxar. “Estou morrendo” lamentava-se aos gritos e fazendo caretas e gestos assustadores. Estava morrendo mesmo, pensei!
Eu não podia fazer nada. Largar os comandos e ir atendê-lo, ajudar em algo, era impossível. A namorada teve um gesto no mínimo estranho. Ela se contorcia encostada na fuselagem do avião, como querendo manter-se distante da situação e visivelmente apavorada.Foi ai que, o isordil entrou em ação. Sorte dele eu não ter mantido minha bolsa no bagageiro do Sêneca, que fica no nariz do avião. Estava logo atrás deles no bagageiro interno. Não pensei duas vezes. Pedi a ela que acessasse a bolsa onde estavam as pílulas de isordil, e o fizesse tomar. Ele tomou de pronto sem relutar, e logo veio o efeito do remédio. Desfaleceu, acalmou-se e foi retomando os sentidos lentamente.Nesse momento, já estava retornado a Teresina. Percebi que era uma situação grave. Ainda não tinha contato com o controle aéreo de Teresina. Doutor Marcos percebe que tomei a decisão de voltar, e me interroga por que estava voltando. Disse que não iríamos continuar o vôo a Passagem Franca, e que estava na proa de Teresina. Ele ainda tentou retrucar, sem êxito.Ai aconteceu o pior. Outra crise, e desta vez mais forte. Todos os sintomas iniciais, gritos, caretas, se contorcendo e a velha frase: “Estou morrendo” Outra vez, orientei a moca, e outro comprimido foi administrado. Naquele tempo, celulares eram raros, e os dois tinham, mas eu não. Peco um deles emprestado e faço ligação para meu medico amigo Dr. Raldir Bastos Filho em Teresina. Conto toda situação e ele me pergunta o que fiz. Dei isordil e ele esta vivo. Fez certo, de quantos necessários, não mata e chegue a Teresina mais rápido possível, me diz Raldir. A vinte minutos de chegar para pouso em Teresina, informo ao controle minha situação de emergência a bordo, e solicito a ambulância disponível no aeroporto. Acelerei o avião o possível e pousei direto na cabeceira 02 de SBTE.
Estaciono a aeronave, e vou ajudar no desembarque. Foi ai que percebi a gravidade de fato. Doutor Marcos completamente “grogue” e desorientado pelo efeito do isordil. Isordil baixa pressão sanguínea e é vasodilatador. Devidamente acomodado na ambulância, sua namorada me entrega as chaves de seu automóvel e pede para levá-lo a clinica onde está indo. A ambulância partiu rumo a clinica ITACOR.Avião estacionado no hangar, vôo finalizado, e de certo forma frustrado. Tudo aquilo acontecer comigo naquele dia importante. Mais importante para quem! Logo em seguida, cheguei a clinica ITACOR. Minha preocupação era com aquele homem jovem e sua saúde. Ao entrar na clinica, vejo Doutor Marcos em cadeiras de rodas, falando alto e em bom tom. “A imprensa não pode ficar sabendo disso” Não entendi no instante que ouvi. Uma pessoa bem informada me esclarece. Ele era advogado do Partido Político PFL- naquele momento a noticia do acontecimento favorecia aos adversários políticos. Uma acirrada campanha política estava em curso. Ouço nos corredores da clinica, a pergunta do medico plantonista: Quem administrou isordil nele. Fui eu Doutor, respondi de pronto. “Olha, foi fundamental” diz o medico. Doutor Marcos Vinicius ficou internado todo o fim de semana, soube depois. Nunca mais vi aquela gente ou soube algo deles. Nada, um agradecimento, uma ligação telefônica, ou seja, la o que. Achei estranho. Foi um acontecimento no mínimo inusitado para todos nos. Tudo bem, um dia nos encontramos! Na segunda feira seguinte 17 de setembro, vou ao aeroporto retomar minha condição ilícita de comandante. Ao chegar próximo ao grupo de pilotos, sinto um clima de descaso e um certo desdém. Um dos pilotos me pergunta de forma simplória, como se fosse bem normal, sobre o que tinha acontecido no meu vôo. Aproveito o momento para relatar, explicar minha experiência. Não era a primeira vez que tinha socorrido uma pessoa com isordil. Naquele grupo todos eram bem mais jovens. Foi péssima a idéia. Não foi bem aceita a narrativa, meus procedimentos. Ouvi coisa absurdas do gênero: Se fosse comigo, morria. Outro diz: Eu não dava remédio nenhum! Enfim, naquela hora, percebi que estava voltando para o convívio de criaturas medíocres e insensíveis. A roda de conversa se desfez e fiquei falando sozinho.
Voltei para minha casa, guardei meu uniforme, e as faixas de comandante. Não quero mais voar, chega!Ontem 03 de janeiro de 2013 Doutor Marcos Vinicius Furtado Coelho é eleito Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB. Fiquei feliz pela contribuição. De alguma forma ajudei. Sei do seu talento, inteligência e objetivos. Parabéns!!Hoje (ontem)14 de abril de 2015, Doutor Marcos Vinicius Furtado Coelho Presidente OAB - Nacional é um dos sete cotados vagas do Ministro Joaquim Barbosa no STF.
Comandante Genario Peixoto Lins Junior
Codigo ANAC 528752
Comercial Pilot 8420
 
Penso eu - COmo se vê, Isordil salva vida, mas não nomeia Ministro do STF.

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