Cearense vence olimpíada nacional com redação contra intervenções na Praça Portugal
O
aluno da escola Renato Braga, de Fortaleza, trata a obra polêmica na
Praça Portugal como um atropelo da memória cidade. Seu texto venceu 3
milhões de concorrentes
A intervenção na Praça Portugal, em Fortaleza, teve destaque nacional
neste mês. Isso porque o estudante Carlos Iury Vasconcelos, de 17 anos,
foi um dos vencedores da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o
Futuro, com o artigo de opinião sobre as obras no local.O cearense concorreu com mais de 3 milhões de alunos que participaram da edição. A paixão pela escrita vem de muito tempo. De acordo com Iury, desde criança escrevia livros com os primos e até jornal escolar. “Na minha casa tinha máquina de escrever bem antiga, e eu ficava escrevendo histórias. A escrita sempre foi presente na minha vida, só não imaginava até onde poderia me levar”, lembra.
Na categoria Artigo de Opinião, o estudante se mostra contrário à intervenção da Praça Portugal, no Bairro Aldeota. As obras no local foram bastante discutidas na cidade, causando polêmicas e discussões. De acordo com projeto da Prefeitura de Fortaleza, a praça deixará de ser uma rotatória para melhorar o fluxo de veículos na região.
O artigo, segundo Iury, precisaria tratar de uma questão polêmica na cidade. Escolheu, então, falar sobre a praça tão comentada. “Ela fez parte da minha vida, porque eu frequentava. Não poderia deixar de falar sobre isso”, afirma. O texto do jovem trata as obras como um atropelamento das lembranças da cidade. “Não sou contra apenas a intervenção da praça. Sou contra qualquer tipo de intervenção que atropele a memória de uma cidade em nome do moderno, do novo. É o que digo no meu texto”, acrescenta.
As intervenções no local já têm data para começar: a previsão é o dia 15 de janeiro de 2015. O início das obras foi postergado durante nove meses graças ao processo do Ministério Público do Ceará (MPCE), que atua contra a obra, por se tratar de um equipamento cultural. “Vivemos em uma cidade populosa, onde a voz de quem mora aqui precisa ser ouvida. Várias soluções foram propostas, mas todas ignoradas. Então eles não querem apenas melhorar o trânsito e, sim, retirar a praça como um todo. Mais um regresso para Fortaleza”, reclama o garoto.
Saiba Mais
Além da medalha de ouro, o estudante levou para a casa um tablet, um notebook e uma impressora. E ainda presentou a escola Renato Braga com 10 computadores, um projetor multimídia, livros e uma placa de homenagem. “A sensação é de realização”, conclui, mesmo sabendo que, em breve, a Praça Portugal que ele tanto gosta dará lugar a quatro praças nos canteiros laterais das Avenidas Dom Luís e Desembargador Moreira.
Finalista
Outra redação que concorria ao prêmio da Olimpíada de Língua Portuguesa era a de Marcelo Silva de Lima. Conforme o Tribuna do Ceará já havia publicado, o estudante escreveu uma crônica sobre a realidade violenta da Babilônia, comunidade do Barroso, em Fortaleza. Marcelo, de 16 anos, decidiu escrever sobre o tema como uma espécie de desabafo. Colocou em seu texto tudo que viu e sentiu depois do assassinato de um traficante que morava perto de sua casa. Ele conta que estava vendo TV quando escutou os disparos.
Leia, na íntegra, a redação vencedora na categoria artigo de opinião:
Que rufem os tambores, não os tratores!
Enquanto na antiga Grécia as praças eram lugares onde as grandes decisões eram tomadas – as famosas ágoras –, em Fortaleza é em gabinetes fechados que se decide o destino da Praça Portugal, cartão-postal de nossa cidade.
A substituição da praça por um cruzamento está previsto do Plano de Ações Imediatas de Transporte e Trânsito (Paitt), apresentado pela prefeitura de Fortaleza. Já na primeira intervenção feita em nome do Paitt, mais de duzentas árvores dos canteiros centrais das avenidas Dom Luiz e Santos Dumont foram removidas, sob o argumento de que a eliminação dos canteiros irá melhorar a fluidez do tráfego naquela região. A cidade, que já assistiu a alguns descasos relacionados à preservação do patrimônio histórico e cultural, entre eles a paulatina substituição dos casarões da Avenida Santos Dumont por modernos prédios comerciais, inquieta-se.
Agora é a vez de a Praça Portugal deixar de existir. Na tentativa de impedir que isso aconteça, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) entrou com um pedido de tombamento da praça como patrimônio municipal, o qual foi prontamente negado pelo Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Histórico e Cultural (Comphic), numa clara demonstração de contradição às suas principais funções: preservação e manutenção da cultura e da história da cidade. O projeto também é criticado pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB).
Contudo, as pessoas que veem a praça apenas como uma rotatória concordam que ela deixe de existir para dar lugar a um cruzamento. Modelos de rotatórias semelhantes à da Praça Portugal são facilmente encontrados em países do Primeiro Mundo. Podemos citar o Arco do Triunfo, em Paris, e a Praça de Tetuan, em Barcelona, o que torna inaceitável a tese de que a Praça Portugal é um impasse ao trânsito de Fortaleza.
Sabemos que enfrentar o trânsito em nossa cidade é um verdadeiro teste de paciência. Em horário de pico, fileiras de carros, motos e transportes coletivos se formam pelas principais ruas da cidade, e chegar ao destino desejado virou um desafio. Não acredito que sacrificar a praça seja a única forma de solucionar esse problema, mesmo porque a construção de túneis também foi cogitada e, certamente, evitaria toda essa polêmica. Para o ambientalista José Sales, não é a praça que influencia o trânsito, mas uma série de fatores, como a falta de fiscalização e os estacionamentos irregulares.
O juiz Manoel de Jesus da Silva Rosa concedeu liminar impedindo que a prefeitura inicie as intervenções na Praça Portugal; entretanto, o prefeito já anunciou o início das obras para a primeira quinzena de setembro. É preocupante perceber que ainda há grandes chances de esse projeto seguir adiante.
Demolir praças, derrubar árvores… será mesmo a solução? Assim como o pedestre deve vir antes do carro e o transporte público antes do privado, os espaços públicos devem vir antes de obras de trânsito. Sou contra intervenções que atropelem a memória de uma cidade em nome do moderno, do novo. Dessa forma, precisamos exigir uma ampla discussão a respeito das ações que estão sendo implementadas na atual administração municipal.
Assim, pensar, discutir e debater o futuro da cidade é necessário. Não podemos permitir que gestores temporários, em nome da mobilidade urbana e do “desenvolvimento”, apaguem a memória da cidade. Não podemos fechar os olhos ao que acontece ao nosso redor sob pena de, na calada da noite, sermos acordados pelo “rufar” dos tratores a derrubar a praça e de nos lembrar que, em um dia não muito distante, já amanhecemos sem as árvores. Que a sexagenária Praça Portugal possa permanecer no coração do bairro Aldeota, com sua simbologia, sua beleza, sua história.
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